Nesse contexto surge o assunto da reforma tributária, e o tributo mais abordado é o ICMS, com a discussão sobre unificação de alíquotas e o momento da incidência, se na origem ou no destino. Porém, o lado obscuro e perverso desse tributo, responsável por aproximadamente 30% do total arrecadado, não tem sido sequer mencionado: a substituição tributária do ICMS.
Com o advento da Lei Complementar 87/96, a doutrina com respaldo da lei começou a admitir três tipos de substituições tributárias, são elas:
● Substituição tributária antecedente, que, é vinculada a fatos geradores ocorridos anteriormente, sendo que a lei escolhe o responsável tributário e o momento do recolhimento.
● Substituição tributária concomitante, que determina o recolhimento e o exato instante em que ocorre o fato gerador.
● Substituição tributária para frente, refere-se à substituição tributária subseqüente, vinculada a fatos geradores futuros, como no caso de distribuidores, fabricantes de bebidas e cigarros, veículos novos, cimentos, pneus e etc. Esta modalidade de substituição que iremos tecer alguns comentários.
A norma constitucional que estabelece a substituição tributária para frente do ICMS encontra abrigo no parágrafo § 7º do artigo 150 da Constituição Federal, com a seguinte redação:
Art. 150...
§ 7º: A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição
de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva
ocorrer posteriormente, assegurada à imediata e preferencial restituição da
quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido". (Constituição
Federal, alteração promovida pela emenda constitucional 03/93)
Consiste a norma
constitucional em obrigar alguém a pagar, não apenas o imposto atinente à
operação por ele praticada, mas, também, o relativo à operação ou operações
posteriores. O instituto já foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, após grande debate sobre o tema.
A substituição tributária para frente tem sido aplicada em companhias
distribuidoras de bebidas, montadoras de veículos, fábricas de cigarros.
No entanto, apesar da constitucionalização do instituto ora analisado, acredito
que a alteração promovida pela emenda constitucional nº 3/93 fere diversos
princípios constitucionais tributários basilares do nosso ordenamento jurídico,
entre eles o da tipicidade tributária, não-cumulatividade, capacidade
contributiva, bem como a vulnerabilidade do princípio atributivo de competência
tributária aos estados membros, configurando até mesmo um autêntico empréstimo
compulsório, só previsto nas hipóteses do artigo 148 da nossa Carta Magna.
Vejamos os principais argumentos que sustentam a inconstitucionalidade do
dispositivo:
1) Violação do princípio da tipicidade tributária: pois, importa
exigência do imposto antes da ocorrência do seu fato gerador. Na verdade, como
menciona o professor Ives Gandra da Silva Martins, não cria um fato gerador
"fictício" e nem presumido, pois inexistente, com ferimento ao princípio da
legalidade. O certo é que tem a jurisprudência do STJ e STF seguido o sentido
contrário. No entanto, reitero que a Emenda nº 3/93 criou a absurda figura da
responsabilidade tributária do fato futuro. O preceito em tela autoriza a lei a
fazer nascerem tributos de fatos que ainda não ocorreram, mas que, ao que tudo
indica, ocorrerão. Noutros termos, permite que a lei crie presunções de
acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigação tributária.
Ressaltamos também que o art. 1º da emenda 03/93 é inconstitucional, porque
atropela o princípio da segurança jurídica, em sua dupla manifestação: certeza
do direito e proibição do arbítrio. Portanto, clara a violação do artigo 60, §
4º, inciso IV da Constituição Federal.
2) Violação do princípio da não-cumulatividade: já que o valor pago na
operação anterior não poderá ser creditado na operação posterior, visto que o
valor já vem cobrado por todas as fases da cadeia produtiva.
A cobrança do ICMS é balizada principalmente pelo princípio constitucional da
"não cumulatividade", sendo que expressão constitucional é bastante clara ao
mencionar "compensando-se o que for devido". É uma determinação
imperativa para que normas infraconstitucionais se mantenham fiéis a este
comando. Destarte, o ICMS é um imposto essencialmente não cumulativo, uma vez
certo que a vigente Carta Política assegura ao contribuinte real e efetiva
dedução do valor cobrado na operação anterior. Em resumo, os mecanismos
constitucionais, pondo freio à voracidade do Estado, evitam uma tributação
excessiva. No entanto, clara a ofensa ao principal comando constitucional que
cerca o ICMS.
3) Igualdade de todos perante a lei do qual o princípio da capacidade
contributiva seria mero desdobramento: daí a inconstitucionalidade do ponto
de vista ao que determina o artigo 60 § 4º, inciso IV da Carta Magna.
4) Empréstimo compulsório: trata-se de verdadeiro empréstimo compulsório,
já que a cobrança ocorre antes do fato gerador do imposto. Assim só poderia ser
instituído pela União mediante Lei Complementar.
Apesar de na minha convicção ser inconstitucional esta alteração promovida pela
emenda 03/93, me curvo à determinação da jurisprudência construída sobre o
assunto, assim como diz o professor Ives Gandra da Silva Martins:
"Em face do entendimento proteriano superior, não mantenho aquela altivez própria de doutrinadores de algumas escolas que, seguidoras de Hegel, não se curvam nunca e em vez de dizerem, ante incompatibilidade entre os fatos e a teoria "Pior para os fatos", concluem, quando esta incompatibilidade coloca-se entre sua doutrina e a jurisprudência: "Pior para jurisprudência". De minha parte curvo-me perante a orientação jurisprudencial, reformulando minha concepção original e submetendo-me á interpretação do Guardião da Constituição, que é o Supremo Tribunal Federal."
Assim passamos a análise
do dispositivo considerado constitucional. Algumas questões devem ser analisadas
como o termo "lei" mencionado no dispositivo, bem como o prazo
para estipulado para devolução do tributo.
Primeira questão que se depreende do novo texto constitucional, gira em torno da
necessidade de lei ordinária ou lei complementar
para regular as leis estaduais que determinem o instituto da substituição
tributária para frente. Acredito que, como o legislador não fez menção para
adjetivá-la, basta lei ordinária para sua determinação, prescindindo de lei
complementar. Aliás, este tem sido o posicionamento em casos desse tipo, na qual
quando a lei não trouxer expressamente a qualificação de lei complementar, pode
ser regulado por lei ordinária.
Vale ainda, trazer a baila o artigo 10 da Lei Complementar 87/96 que determina
prazo de 90 dias para devolução de qualquer forma, com ou sem lei estadual, que
senão ocorrer, o contribuinte substituído poderá se creditar em sua escrita
fiscal, do valor do objeto do pedido, criando ainda mecanismos de atualização
real a serem devolvidos, para não prejudicar o contribuinte, bem como o direito
da Fazenda contestar e recuperar os valores indevidamente creditados. Repare,
que apesar do artigo 150 § 7º ter se utilizado da expressão "imediata e
preferencial restituição", a Lei Complementar 87/96, que apenas dita
normas gerais, sendo que as leis estaduais devem ter este prazo como máximo, bem
como na eventualidade de omissão esta lei torna-se auto-aplicável. Logo, não
vejo qualquer irregularidade neste dispositivo, que apenas cria uma garantia
geral aos contribuintes.
Veja a redação do dispositivo ora comentado:
Art. 10 É assegurado ao contribuinte substituído o direito a restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.
§ 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de 90 dias , o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor do objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicados aos tributos.
§ 2º Na hipótese do § anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de 15 dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.
Prosseguindo,
considerando a constitucionalidade da norma, devemos comentar sobre o existente
debate da possibilidade ou não para compelir os substitutos a restituírem os
excessos aos substituídos. Acreditamos que não haja qualquer fundamento para que
substituto realizar tal pleito, já que na verdade o detentor do excesso é o
Poder Tributante, logo, contra esse deve se estabelecer à relação jurídica
fiscal. Na verdade, seria um absurdo imaginar os substitutos integrando o pólo
passivo desta relação fiscal.
Além disso, é mansa a jurisprudência no sentido da possibilidade de devolução do
valor da substituição tributária pago a maior, porém, é claro, entre o
substituto e o poder tributante.
"TRIBUTÁRIO ICMS - SUSBTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE - ESTORNO.
1) O STJ sedimentou entendimento no sentido de que no regime da substituição tributária para frente, pago o ICMS "a maior", tem o substituto o direito de repetir o que extrapolou.
2) Ação declaratória que não questionou o valor da devolução e sim a certificação do direito.
3) Recurso especial provido. Vistos, relatos e discutidos estes autos, acordam os Ministros da segunda turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. RESP 300182/SP; Recurso Especial (2001/0005509-5) DJ DATA: 25/02/2002 PG: 00309 Relator Min. ELIANA CALMON (1114) 18/10/2001 T2 -Segunda Turma.
Logo, essas eram as
considerações que tínhamos a fazer sobre a substituição tributária para frente.
NOTAS
www.stj.gov.br.
www.stf.gov.br.
MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário na constituição de 1988. 1.ed. São
Paulo: Saraiva, 1990.
MEIRA JUNIOR, José Julberto. Substituição tributária no ICMS: Pagar ou
recolher?, Jus Navegandi, Teresina, ª4, n. 40, mar. 2000. Disponível
www.jus.com.br em 07 jun de
2005.
FARIA, Luís Carlos Silva de. Da substituição tributária do ICMS: ilegal
imposição compulsória, 1ª ed. Juruá, Curitiba, 2000.
Gustavo Cortez
Nardo
Advogado nos Estados de São Paulo e Paraná, Graduado pela Faculdade de
Direito de Bauru e Pós Graduado em Direito Tributário pela Fundação Eurípides
Soares da Rocha.