Art. 116...
Parágrafo Único: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observado os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
(Código Tributário Nacional)
1. Apresentação
A Lei complementar 104/01, que alterou diversos dispositivos do Código
Tributário Nacional, criou em seu artigo 116, parágrafo único, o que vem sendo
intitulado pela comunidade jurídica de "norma geral antielisiva", que foi
decifrada como uma tentativa ou eventual possibilidade de
proibição de tudo quanto é forma de escaparmos de uma carga tributária menos
onerosa. Esta alteração foi objeto de bastante receio de advogados tributaristas
de todo país, sobre a qual seria a interpretação a respeito do mesmo, já que
reconhecemos que poderia dar margem a um novo filme de horror para todos os
contribuintes.
No entanto, esta norma encontra-se com sua eficácia contida, já que o Congresso
Nacional não converteu a medida provisória 66/02 em lei, pois esta tentava
regulamentar o mencionado dispositivo com amplos poderes às autoridades
fazendárias, descumprindo o legitimo espírito constitucional-tributário, que
deve ser associado ao novo parágrafo do artigo 116 do CTN, para estabelecer o
seu real alcance.
Essa é a discussão estudada no presente trabalho.
2. Da Elisão e Evasão Tributária
Apesar de tentarem distorcer o conceito de elisão e evasão fiscal para se
atingir um inexplicável alcances ao parágrafo único do artigo 116, não nos
parecem válidas estas interpretações.
Não temos como correta a interpretação dos que desvirtuam esse conceito, dizendo
que a elisão e a evasão fiscal ocorrem antes do fato gerador, alegando que
qualquer ato de obscuridade ou dissimulação após a ocorrência deste se
caracteriza por fraude fiscal.
Para diferenciar ambos os institutos, devem-se ter como norte a ocorrência do
fato gerador do tributo. Logo, se o contribuinte conseguir alternativas menos
onerosas antes da ocorrência do fato gerador, estará diante de uma elisão
fiscal; no entanto, se o fato gerador já tiver ocorrido, temos a figura da
evasão fiscal. Acrescentamos que devemos ter esta interpretação de forma
relativa, pois mesmo depois da ocorrência do fato gerador, o contribuinte pode
obter alguma economia, conforme inteligência do artigo 138 do CTN.
Além disso, o legislador ao mencionar: "dissimular a ocorrência do fato gerador
do tributo", simplesmente confirmou o que já ocorre, pois na verdade dissimular
(fingindo, ocultando, disfarçando ou encobertando) significa esconder o que já
ocorreu, no caso, o fato gerador, e assim concluímos que se trata de evasão
fiscal, o que já nos dá uma idéia do real sentido do texto. Aliás, lembramos que
para os casos de dolo, fraude e simulação, já temos previsão do CTN nos artigos
149, inciso VII; 150 § 4º; 154; 155, inciso I e 185, parágrafo único, sem contar
as disposições do vigente Código Civil.
Portanto, percebemos que o nosso ordenamento jurídico tributário não possui
impedimentos para o planejamento tributário, mesmo com a nova norma inserta no
parágrafo único do artigo 116, que na verdade confirma o que determina os demais
dispositivos, ou seja, permite que as autoridades administrativas desconsiderem
planejamentos tributários viciados e abusivos, sendo permitido que as empresas e
advogados percorram por caminhos lícitos que levem a um menor ônus tributário.
3. Interpretação Econômica do Direito Tributário face ao Princípio da
Legalidade
A interpretação econômica da hipótese de incidência, argumento invocado pelos
defensores de um alcance não desejado pelo legislador, teve origem na Alemanha
com a falsa intenção de combater planejamentos tributários abusivos, quando na
verdade o que se viu foi um espantoso aumento da carga tributária.
Repare, que hoje é inadmissível este tipo de interpretação, já que estaríamos
ferindo o âmago do nosso Estado de Direito, através do que dispõe o artigo 150,
inciso I da nossa Carta Magna (com equivalente disposição no art. 97 do CTN), o
consagrado princípio da legalidade tributária, que se trata de uma clausula
pétrea (art. 60 § 4º, CF).
Explico. Prevê nossa legislação constitucional-tributária que somente lei pode
aumentar ou majorar tributos; logo o que define a hipótese de incidência
tributária é um critério jurídico e seguro aos contribuintes. Assim, admitir a
ocorrência de fato gerador em abstrato apenas pela questão econômica, causaria
uma profunda insegurança a todos os contribuintes, visto que estes deveriam
verificar qual a hipótese mais onerosa para sua operação, sob pena de o Fisco
posteriormente vim a fazer o mesmo.
Apesar de suficiente para encerrar a discussão a respeito desta possibilidade de
tributação, vejamos outros artigos do CTN e argumentos que corroboram com a tese
do presente trabalho. O parágrafo 1º do artigo 108, determina que o uso "da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto
em lei" (grifo nosso). Ainda o artigo 110 prevê ser inadmissível para o próprio
legislador alterar a "definição, o conteúdo e o alcance de seus institutos,
conceitos e formas de direito privado", quiçá o órgão administrativo fazendário.
Veja também que o artigo 114 do CTN, que veda a interpretação econômica do fato
gerador, determina que "o fato gerador da obrigação tributária principal é a
situação descrita em lei como necessária e suficiente para sua
ocorrência" (grifo nosso).
Ainda, se permitíssemos que as autoridades administrativas buscassem a forma
mais onerosa dos atos e negócios jurídicos, chegaríamos ao absurdo de criar uma
nova hipótese de lançamento que não uma daquelas previstas pelo artigo 142 e
seguintes do CTN.
4. "Norma Geral Antielisiva": Art. 116, Parágrafo Único do CTN
Se interpretarmos a nova norma inserida pela Lei Complementar em consonância com
os princípios constitucionais tributários e com a norma infraconstitucional
vigente, veremos que não temos qualquer inovação tributária.
O que se verifica é que continua sendo coibida a evasão fiscal, que é uma das
formas obscuras, ilícitas, de dissimulação da ocorrência do fato gerador em
abstrato, podendo ser desconsiderados os atos e negócios jurídicos daquela
ocasionados independentemente de manifestação judicial, podendo ser feito de
plano pelas autoridades administrativas. E isso vem sendo confirmado na
jurisprudência até a presente data, inclusive por decisões do próprio Conselho
de Contribuintes, que, além disso, ratificam planejamentos tributários como
forma válida de redução da carga tributária desde que nos limites da lei.
(diferenciando evasão de elisão fiscal).
Entendemos e respeitamos à opinião de renomados juristas mais radicais quando
pleiteiam de um lado a inconstitucionalidade da norma estampada no parágrafo
único do artigo 116, e de outro a aplicação bisonha no sentido de atrelar o fato
gerador a questão econômica. Somos menos radicais sob estes pontos de vistas,
conforme colocamos.
5. Considerações Finais
Concluindo, por esta rápida exposição, verifica-se que é um absurdo coibir-se a
liberdade daquele contribuinte que traça todos os caminhos legais para perfazer
seus atos e negócios jurídicos, independentemente da intenção de percorrer o
caminho menos oneroso. O que deve ser analisada é a licitude ou ilicitude desses
atos ou negócios jurídicos, pois não havendo normas que assim os declare, este
procedimento será perfeitamente válido.
Assim, foi apenas uma tentativa de distorcer o novo texto inserido pela lei
complementar 104/01, que na verdade mantém tudo como sempre foi, devendo, aliás,
ter seu nome alterado para norma "antievasiva" que transmite mais a realidade da
interpretação dos princípios constitucionais-tributários e demais disposições
infraconstitucionais existentes no nosso ordenamento.
BIBLIOGRAFIA
SILVA NETO, José Francisco da. Apontamentos de direito tributário: em
conformidade com a L.C. 116/03 e as emendas 41 e 42/03. 1º. ed. Bauru: Do autor,
2004.
Gustavo Cortez
Nardo
Advogado nos Estados de São Paulo e Paraná, Graduado pela Faculdade de
Direito de Bauru e Pós Graduado em Direito Tributário pela Fundação Eurípides
Soares da Rocha.