O mencionado texto legal assevera que a destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
Esse entendimento foi esposado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja Ementa é a seguinte:
"RESPONSABILIDADE. PREFEITO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA.
O prefeito realizou doações a pessoas físicas de medicamentos obtidos mediante recursos públicos no valor de um mil duzentos e sessenta reais sem que houvesse previsão legal para tanto, o que constitui, em tese, crime de responsabilidade por infringência ao art. 26 da LC n. 101/2000. Sucede que é impossível se aplicar o princípio da insignificância, visto que não se pode ter por insignificante o desvio de bens públicos por prefeito, que deve obediência aos mandamentos legais e constitucionais, principalmente ao princípio da moralidade pública. Isso posto, a Turma deu provimento ao recurso para receber a denúncia nos termos da Súm. n. 709-STF. Precedentes citados: Pet 1.301-MS, DJ 19/3/2001, e REsp 617.491-PE, DJ 16/11/2004.(Resp 677.159-PE, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 22/2/2005.)"
Aquele Tribunal
ressaltou, na oportunidade, que não se pode ter por insignificante o desvio de
bens públicos por prefeito, que deve obediência aos mandamentos legais e
constitucionais, principalmente ao princípio da moralidade pública.
Trata-se da moralidade administrativa, verdadeiro pilar do Estado Democrático de
Direito, positivado em sede constitucional através da Carta de 88, notadamente
em seu art. 37.
A Lei 8.429/92, em seu artigo 11, diz que: constitui "ato de improbidade
administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública,
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições". Por esse artigo, qualquer ato ou omissão
que fira tais princípios, caracteriza improbidade administrativa.
Segundo o mencionado artigo 37, da Constituição Federal de 1988, a legalidade,
como principio de administração pública, tem o significado de que o
administrador público, exercendo qualquer atividade funcional, está sujeito aos
mandamentos da lei e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar
ato irregular e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.
Não há dúvida que o princípio da moralidade deverá necessariamente nortear e
conduzir todo o comportamento da Administração Pública em qualquer das suas
esferas, consubstanciado nos atos de seus agentes, aí inexoravelmente
inserindo-se o Chefe do Executivo.
A moral administrativa deve ser aquela consentânea com a moral social vigente,
visto esta ser, inclusive, legitimadora do próprio Direito e, por conseqüência,
da coerção. Há muito o arbítrio foi superado e as luzes do Estado de Direito
propiciaram à sociedade indagar pela legalidade dos atos estatais.
Posteriormente, ante os mecanismos trazidos pela Estado de Direito, tornou-se
possível a indagação acerca da legitimidade. No Estado Contemporâneo, deve a
sociedade adquirir o hábito de indagar pela moralidade dos atos estatais, pois
os meios que legitimam esta inquirição estão disponíveis.
Ensina Wladimir Rodrigues Dias, no Curso Prático de Direito Administrativo que
"submetendo a certeza jurídica a imperativos de ordem moral, o princípio sob
comento estabelece valor a ser, necessário e concretamente, observado. Note-se
que sob certas condições não é possível se falar em um julgamento moral
absoluto, ou mesmo objetivo, mais fácil é verificar-se uma quebra de moralidade.
Por exemplo, pode ser que, em uma certa cidade, não consigamos um consenso ético
relativo ao que se fazer com determinada porção do dinheiro público - uma escola
ou um posto de saúde. Percebe-se, contudo, que, em uma situação de escassez de
recursos em que se precisa de escola e posto de saúde, o dinheiro público não
deve, em hipótese alguma, ser gasto para a compra de um carro luxuoso para o
Prefeito Municipal, ainda que exista previsão legal para que se efetue tal
compra. Uma decisão de aplicação da lei deve levar em conta, necessariamente,
condicionantes éticas traduzidas na forma de expectativas de comportamento. 'A
interpretação tem lugar dentro de práticas sociais organizadas e os conceitos
que usamos na formação de interpretações de diferentes tipos tomam seu sentido
não do mundo natural, mas dessas práticas sociais." ¹
A mais moderna doutrina nacional, portanto, assegura a correlação entre o
princípio constitucional da moralidade e o dever de probidade do agir
administrativo. Vejamos as razões de Fábio Medina Osório:
"Há quem diga, todavia, expressamente, que o princípio da probidade
administrativa descende da moralidade administrativa, sendo que este
último goza de plena autonomia no sistema jurídico pátrio. A legalidade, nesse
passo, assumiria uma posição até inferior em relação à moralidade, pois a mera
ilegalidade não poderia acarretar configuração da improbidade administrativa.
Cabe lembrar, com efeito, que respeitado setor doutrinário sustenta que a
probidade administrativa estaria necessariamente ligada à idéia de moralidade
administrativa, o que torna necessário o exame mais detido do dever de probidade
constitucionalmente imposto aos agentes públicos.
A improbidade administrativa tem profunda conexão com o princípio da
moralidade administrativa, sendo que tal premissa não pode ser objeto de
dúvidas fundamentadas."²
Wallace Paiva Martins Júnior sobre o assunto disserta:
"A probidade administrativa estabelece-se internamente como dever funcional
inserido na relação jurídica que liga o agente público à Administração Pública
(sendo esta titular do direito) e, externamente, determina que nas relações
jurídicas com terceiros também a Administração Pública por seus agentes observe
o postulado.
....
A norma constitucional criou aí um subprincípio ou uma regra derivada do
princípio da moralidade administrativa: probidade administrativa, que assume
paralelamente o contorno de um direito subjetivo público a uma Administração
Pública proba e honesta, influenciado pela conversão instrumentalizada de outros
princípios da Administração Pública (notadamente, impessoalidade, lealdade,
imparcialidade, publicidade, razoabilidade) e pelo cumprimento do dever de boa
administração."³
Conclui-se que o princípio da moralidade pública transcende à previsão legal
para a prática de atos pelo agente, posto que esta prática não é causa daquele
princípio.
A moral se externa na conduta ética e antecede ao efeito estampado na
legalidade, lembrando que para o administrador público só é permitido fazer o
que a lei autoriza. Nesta ótica - no entender de HAURIOU,um dos principais
autores do direito público francês, - sistematizador do conceito da
moralidade pública - o administrador público não terá somente que obedecer a
lei jurídica, na consecução de seus atos, mas também a lei ética da própria
instituição que está aos seus cuidados, porque nem tudo que é legal é ético.
BIBLIOGRAFIA:
1-DIAS, Wladimir Rodrigues. Curso Prático de Direito Administrativo, Belo
Horizonte: Del Rey, 1999, p.114.
2 - OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa, 2 ed., Porto
Alegre:Síntese, 1998, p. 157.
3 - MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo:Saraiva,
2001, p. 101-103.
Marco Aurélio
Bicalho de Abreu Chagas
Tributarista com atuação junto aos tribunais superiores
BELO HORIZONTE
http://br.geocities.com/marcoaureliochagas