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Recurso Administrativo acerca do não recolhimento do Tributo, obsta ou não o inicio da ação Penal pelo Crime de Sonegação Fiscal?

17/07/2006 00:00:00

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Recurso Administrativo acerca do não recolhimento do Tributo, obsta ou não o inicio da ação Penal pelo Crime de Sonegação Fiscal?

Ao aplicar o auto de infração, por um provável ilícito tributário por parte do contribuinte, o fisco observa no corpo do auto o direito do contribuinte apresentar recurso, caso não concorde com a referida aplicação, como também observa se não pago o débito e uma vez exaurida a esfera administrativa, será encaminhada a representação criminal ao Ministério Publico, por crime em tese, Contra a Ordem Tributária, nos termos da Lei nº 8.137/90.

Após a autuação, inicia-se o processo administrativo, na qual o suposto infrator, através de recurso interposto perante a autoridade administrativa, discutirá através dos meios específicos, se o lançamento provisório efetuado pelo agente fiscalizador, possui fundamento. O recurso poderá ser aceito ou rejeitado pelos órgãos administrativos fiscais que de acordo com o artigo 142 do CTN, afirmará ou não a existência de ato contrário a lei relacionado com a obrigação tributária principal ou acessória, ou seja, se houve supressão ou redução de impostos.

Em face do exposto, como podemos admitir, que um auto de infração que possui lançamento provisório possa dar inicio a ação penal por crime contra a ordem tributária, sendo que a própria administração tributária por não ter encerrado o processo administrativo não tem como afirmar se o crime ocorreu ou não?

A principio, o legislador já vislumbrando uma garantia da segurança jurídica ao contribuinte, editou a Lei nº 9.430, de 27/12/96 no seu artigo 83 e seu parágrafo único como publica condicionada, para que não pairasse dúvidas dos procedimentos a serem adotados na possível configuração do delito.

"Art. 83 - A representação fiscal para fins penais relativas aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhado ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Parágrafo único - As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26.12.95, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo Juiz".

Comunga de idêntica linha de raciocínio o Dr Nelson Bernardes De Souza, juiz federal no Estado de São Paulo, em ensaio publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 18, afirmando que:

Ninguém há de duvidar que as autuações fiscais não passam de um lançamento provisório e que, entretanto, estão a autorizar o início de ação penal. Como então se ter como comprovado o delito contra a ordem tributária tão somente com base na autuação fiscal, que não passa em última análise de um lançamento provisório? Na esteira dessas lições pode-se concluir facilmente que só o lançamento definitivo trará a demonstração da materialidade delitiva; constituirá-se no corpo de delito, já que é ele que corporifica o resultado supressão ou redução de tributo ou contribuição social. Pode-se afirmar, sem receio de engano, que o lançamento definitivo poderá comprovar a não ocorrência da obrigação tributária e do correspondente crédito tributário, inexistindo, então, supressão ou redução de tributos ou de contribuições sociais; em suma, a não ocorrência de crime contra a ordem tributária (1).

Também o Ministro Marco Aurélio em debate no Supremo Tribunal Federal sobre a questão, salientou que não se tem lançamento definitivo, decisão final definitiva, não se tem ainda crédito fiscal exigível. O Ministério Público não poderá, então instaurar a ação penal.

No mesmo debate o Ministro Carlos Veloso coloca "...Reitero que o Ministério Público não poderá oferecer denúncia, com base nos artigos 1º e 2º, da Lei 8.137, de 1990, sem antes existir a decisão final no procedimento administrativo fiscal, tendo em vista o que dispõe o art. 34, da Lei 9.249, de 26.12.95, retro indicado, que estabelece que o pagamento do tributo, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, extingue a punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137, de 1990, e na Lei 4.729, de 1965. Ora, somente com a decisão final no procedimento administrativo é que se tem como apurado o crédito fiscal realmente devido; somente com a decisão final no procedimento administrativo é que o crédito fiscal torna-se exigível. É que somente aí é que se tem realizado o lançamento (CTN, artigos 142 e segs.).

Ora, se ainda não se tem crédito fiscal apurado, em caráter definitivo, não se sabe se o crédito na verdade existe, nem se tem, ainda, o seu exato quantum. Como o acusado poderia pagá-lo antes da denúncia?

No mesmo sentido houve manifestação do Tribunal Regional Federal da 3ª e 5º Região, também do Supremo Tribunal Federal como seguem:

"EMENTA: HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - CRIME DE OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - AUTOS DE INFRAÇÃO ANULADOS POR DECISÃO JUDICIAL - AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA - ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR-SE A AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

1 - Se a denúncia arrima-se tão somente em Autos de Infração lavrados pela fiscalização autárquica, e se tais Autos de Infração foram anulados por decisão judicial, inexiste prova da materialidade delitiva.

2 - O princípio da independência das instâncias administrativa e penal não autoriza a que se impute ao contribuinte a prática de crime de natureza fiscal antes mesmo de a Administração proceder a regular apuração da existência do débito, ou quando nulo o procedimento administrativo de que resultou a lavratura do Auto de Infração.

3 - Ordem concedida para determinar-se o trancamento da ação penal."

(TRF 3ª Região, HC 96.03.060711-8, rel. Juíza Sylvia Steiner, DJU 09.10.1996)

"EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA TRANCAR AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90, ART. 1º, I A IV. INIDONEIDADE DAS PROVAS COLIGIDAS NA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA FISCAL, CONFORME PRONUNCIAMENTOS DO 3º CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE A CONDUTA INDIVIDUAL DE CADA UM DOS ACRIMINADOS. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. É admissível o uso do Habeas Corpus com o fito de obter-se o trancamento de ação penal, quando a materialidade delitiva não foi previamente apurada, tratando-se de crime cuja existência depende dessa apuração, quais os crimes contra a ordem tributária.

2. A denúncia para imputação de crime contra a ordem tributária nacional, consistente em redução ou supressão de tributo, mediante diversas condutas fraudulentas (Lei 8.137/90, artigo 1º, I a IV), depende indispensavelmente de prévia decisão definitiva da autoridade administrativa fiscal competente, sobre os fatos os fatos a serem nela articulados, tanto para apurar a materialidade objetiva dos delitos como para ensejar a ampla defesa do acusado (artigo 5º, LV da CFederal), inclusive oportunizando ao infrator a possibilidade de extinção da punibilidade , pela solvência voluntária do encargo tributário (Lei 9.249/95. Art. 34).

3. Se a peça denunciatória não descreve a alegada participação do agente na consumação dos fatos delitivos que relata, sendo de elaboração genérica, quanto a tipicidade da conduta imputada, impões-se a sua inaceitação, mesmo que se trate dos chamados crimes de autoria coletiva ou societários precedentes do STF e do STJ).

4. ORDEM CONCEDIDA."

(TRF da 5ª Região, Apelação Criminal 1728/PE, rel. Juiz Araken Mariz, DJU 24.09.1999).

O Supremo Tribunal Federal em recente julgado, esta impedindo que ocorra denúncia antes do término do procedimento administrativo. Assim decidiu, o Ministro Joaquim Barbosa: "que se o tributo é elemento normativo do tipo e se o mesmo ainda não foi constituído não há que se falar em crime", senão vejamos: "(...) 2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto 'tributo' é elemento normativo do tipo.(...)" (STF, Habeas Corpus 83.414-1, em DJU 23 de abril de 2004, Relator Ministro Joaquim Barbosa).

Mesmo depois de exaurida na esfera administrativa, ficar caracterizado que o contribuinte cometeu crime contra a ordem tributária, o órgão administrativo já tenha oferecido a denúncia ao Ministério Público, o mesmo poderá liquidar o débito existente, extinguindo a punibilidade, como prevê orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), "o pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário", tendo em vista que "em 30 de maio do presente ano, veio a lume a Lei n° 10.684, a qual, no artigo 9º, deu nova disciplina aos efeitos penais (do parcelamento e) do pagamento do tributo, nos casos dos crimes descritos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal" (Habeas Corpus nº 81.929-0/RJ, primeira turma, relator originário ministro Sepúlveda Pertence. Relator para acórdão ministro Cezar Peluso, 16 de dezembro de 2003).

Apesar de diversas decisões favoráveis, também tem decisões proferidas nos sentidos contrários ao artigo 83, argumentando que o Ministério Público não deve se ater ao que foi ou será decidido pelos agentes administrativos, pois, mesmo na hipótese do recurso ser provido, afirmando a inexigibilidade do tributo, não deve a ação penal necessariamente ser julgada improcedente, se o judiciário entender pela exigência do tributo, baseando-se no principio da independência das instâncias administrativas.

Ora, apesar de haver independência entre as instâncias, se houver decisão que não existe tributo, obrigatoriamente ficará constatada a não incidência de crime, como o que deve ter ocorrido para contribuintes que foram autuados por não recolher o FINSOCIAL, no período de Setembro de 1989 a Março de 1992, e também por não ter no período de 20 de Maio de 1999 a 21 de Janeiro de 2000, efetuado o recolhimento para a previdência social da parte devida dos 11%(onze) por cento, estando ambos os recursos em grau administrativo. Apesar de não ter havido decisão definitiva, foram os contribuintes denunciados e condenados por crime contra a ordem tributária. Logo em seguida, no primeiro exemplo, o Supremo Tribunal Federal declarou serem tais dispositivos inconstitucionais e no segundo exemplo a própria Previdência Social revogou a cobrança, extinguindo o suposto débito ora apurado pelo fisco.

No caso especifico, resta dizer claramente que a Ampla Defesa ficou sacrificada, assim, não restando nenhuma garantia da segurança jurídica, pois, o contribuinte perdeu a própria liberdade ao ser condenado, antes mesmo de serem analisadas as suas razões que demonstrassem a improcedência da imputação e ainda as cobranças foram consideradas indevidas posteriormente.

Como se vê, o que tem acontecido é uma distorção da legislação penal, posto que caberia ao Estado a cobrança destes tributos por via de execução fiscal, e se de alguma forma o Estado se viu satisfeito no recebimento da exação, não há que se falar em punibilidade, desta forma, "conforme sábia observação do ministro Sepúlveda Pertence, "a repressão penal nos crimes tributários é apenas uma forma reforçada de execução fiscal". Assim, se o pagamento integral do débito, a qualquer tempo, supre a necessidade arrecadatória estatal, fazendo desaparecer, em conseqüência, qualquer lesão patrimonial que interesse ao direito penal, desaparece, também, sua necessidade de atuação, pois, revestindo-se do caráter de necessidade indeclinável, o direito penal deve apresentar-se, apenas, como "ultima ratio". (2)

Diante dos fatos, e respeitando a independência entre as instâncias, há necessidade de uma análise profunda da legislação tributária penal para impedir que contribuintes sejam investigados e condenados sem a apreciação do mérito, ou se estará declarando a inutilidade da lei, bem como a falência do Poder Judiciário, que não tem condições de cobrar as dívidas do Estado exceto por meio da repressão penal. Assim, o recurso administrativo deve obstar o inicio da ação penal por crime de sonegação fiscal.


NOTAS

01 - Crimes Contra a Ordem Tributária e Processo Administrativo, p. 92/101;

02- CRIME PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO: O REFORÇO PARA A EXECUÇÃO FISCAL - Autor:Carlos Kauffmann - Fonte:Valor Econômico - 01/12/2004.

Mazenildo Feliciano Pereira
Contabilista, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Direito Tributário e Processo Tributário. Professor na Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul - Campus Três Lagoas-MS. 28 anos de trabalho na área Fiscal, Contábil, Trabalhista e Tributário.

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