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Lições do Seu Chico

O sucesso de um pequeno negócio não pode ser medido somente através da fria análise de um balanço.

17/11/2014 10:18:44

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Lições do Seu Chico

Meu pai, carinhosamente chamado de “Seu Chico”, deixou-me muitas lições. De família humilde, trabalhou desde menino na lavoura e, depois, quando veio morar na “cidade”, numa indústria têxtil. Quando cumpriu o tempo mínimo necessário para aposentadoria por tempo de serviço, como ainda era jovem (48 anos), decidiu empreender seu próprio negócio: uma pequena oficina de bicicletas nos fundos de nossa casa, pois sempre falava que, após a sua aposentadoria, não iria mais trabalhar “preso” dentro de uma fábrica, mesmo que essa tal liberdade lhe consumisse bem mais horas de trabalho do que as 44 horas semanais previstas na CLT.

E lá se foram vários anos consertando bicicletas nos fundos de nossa casa, até que ele se aposentou definitivamente quando tinha mais ou menos 70 anos de idade. Partiu aos 76 anos, deixando-nos grandes lições, um belo exemplo de vida e muitas saudades.

A maioria dos clientes de sua modesta oficina era formada por crianças e adolescentes e ele vivia dando bronca na gurizada quando eles estragavam suas bicicletas.

Do ponto de vista comercial, pode parecer estranho o dono de uma oficina reclamar que seus clientes não estão cuidando devidamente de suas bicicletas, e, certamente, a sua abordagem deveria ser diferente. Mas, como ele não tinha nenhum treinamento em marketing ou coisa semelhante, essa era a sua maneira de cuidar daqueles meninos, assim como um pai que, às vezes, tem que ser um pouco mais duro com um filho.

Ou seja, a mensagem era clara: “Eu não quero apenas ganhar o dinheiro de vocês, eu quero que aprendam a cuidar e a dar valor para as suas coisas, começando por suas bicicletas.”. Ainda hoje, quando encontro um daqueles meninos, agora homens e também pais de família, ouço relatos carinhosos de suas lembranças daquele período. 

Mas naquela época eu também não enxergava a sua atitude dessa maneira. Não o criticava, mas achava engraçado, pensando que, se um dia eu tivesse meu próprio negócio, não trataria os clientes daquela forma.

Hoje, às vezes, eu tenho que fazer o papel do Seu Chico com alguns clientes, e dar uma dura, só que eu tive a vantagem de aprender maneiras mais sutis de fazer esse tipo de abordagem.

Ele também tinha um grande cuidado para sempre cobrar um preço justo pelos serviços prestados, e, a meu ver, módicos demais. Sempre achei que ele não sabia valorizar o seu serviço, mas aí também, hoje em dia, eu consigo visualizar isso através de outro ponto de vista.

Meu pai sempre foi assalariado, e aprendeu a viver com poucos recursos, sendo que e a maioria dos clientes que ele atendia também era de pessoas simples, fazendo com que se colocasse constantemente no lugar deles e, de alguma maneira, tentando resolver seus problemas de forma a afetar o mínimo possível o orçamento de suas famílias.

E, sutilmente, através do seu exemplo de vida, uma das lições que ele me deixou, como “filho-contador-sabe-tudo”, é que não devemos medir o sucesso de um empreendimento somente pelo lado financeiro, pois a maioria dos pequenos negócios geralmente carrega uma alta carga de envolvimento com a comunidade à sua volta, que não pode ser mensurada num simples balanço contábil.

E, olhando por esse ângulo, a pequena Oficina do Seu Chico sempre foi um grande sucesso, pois conquistou o respeito e a admiração de seus clientes. Obrigado, pai!

 

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