O caos na saúde pública, sentido pela população brasileira quando da necessidade de buscar recursos para a cura e o tratamento de suas doenças, é reflexo de duas situações: o problema dos tributos pagos que são desperdiçados ou mal aplicados na saúde, aliado com uma série de equívocos tributários e econômicos advindos de nossos reguladores, por puro, queremos crer, desconhecimento da situação real da saúde brasileira.
Os hospitais, casas de misericórdia e as entidades beneficentes de saúde, especialmente os localizados nos pequenos municípios, fazem uma verdadeira maratona para fechar a contabilidade entre receitas e despesas. A tabela do SUS não é reajustada a, pelo menos, 19 anos, fazendo com que os atendimentos e procedimentos realizados com o repasse das verbas do fundo de saúde não cubram nem os custos operacionais dos procedimentos efetuados. O ministério da saúde faz ouvidos moucos à reivindicação de ajuste na tabela, alegando apenas que os municípios e o governo estadual podem e devem complementar o valor da defasagem, sendo a tabela do SUS “apenas referência”. Não podemos esquecer que a defasagem da “referência” é de no mínimo 153%, se considerarmos a inflação medida pelo IPCA, segundo estudo da FEHOPAR (Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde no Estado do Paraná).
No âmbito tributário, para se ter uma ideia, considerando apenas IRPJ e CSLL, nota-se uma verdadeira confusão conceitual para a determinação do que é serviço hospitalar. Hiromi Hugichi, no seu trabalho Imposto de Renda das Empresas, que já se encontra na 40ª edição, desenvolve um magistral comentário sobre as inúmeras instruções normativas e atos declaratórios interpretativos da Receita Federal que existem para definir o que é serviço hospitalar para a fixação de base de cálculo do imposto. Em resumo a legislação consegue produzir verdadeiras pérolas como não considerar serviço hospitalar aqueles exercidos exclusivamente pelos sócios da empresa, bem como não é serviço hospitalar os chamados “pré-hospitalares, prestados nas áreas de urgência, UTI móvel etc. “O funcionário que redigiu os atos, certamente não conhece o Brasil em que nos milhares de municípios há módicas casas de saúde que não tem condições de atender todos os requisitos exigidos. A Receita Federal não consegue solucionar a definição de serviços hospitalares para efeito de IRPJ e CSLL” (HIGUCHI, 2015, p.63). Tal problema de interpretação se dá igualmente no âmbito do ISS, arrolando discussões em municípios que procuram estabelecer alíquotas diferenciadas para diversos serviços realizados no âmbito da saúde, definindo, redefinindo e discorrendo sobre o que é ou não serviço e estabelecimento hospitalar. Tais atitudes tem o fito de majorar a arrecadação, pouco se importando nos custos tributários que oneram o serviço de saúde e por consequência o atendimento e o bem-estar do paciente, que acaba sempre pagando a conta.
A aversão de nossos legisladores e governantes ao lucro diminui a inteligência conceitual básica daquilo que é fundamento do nosso Estado de Direito: “a dignidade da pessoa humana” (CF, art 1º, III). Oferecer saúde e o justo tratamento aos doentes é condição para zelar pela dignidade da pessoa. Uma nação, ou governo, que se orgulha de ter como fundamento o bem estar social não pode trabalhar para encarecer a saúde. É preciso dar condições, e dar condições não significa fazer slogam de “saúde para todos”, e sim desonerá-la, torna-la acessível e competitiva para imprimir qualidade e dignidade ao que é oferecido. Os cidadãos brasileiros não podem permitir que algo tão importante se torne alvo de propaganda eleitoreira e depois fonte de arrecadação injusta. No âmbito das reformas estruturais do país deve se incluir a desoneração tributária e burocrática da saúde, incentivando sim a livre iniciativa, uma vez que o Estado tem sérias dificuldades em manter a qualidade necessária para oferecer tratamentos dignos à população.
Ronei José Dums