x
Uma nova IOB agora com Inteligência Artificial

Da validade da nova CPMF

Trata-se de artigo destinado a abordar todas as implicações jurídicas acerca da possível volta da CPMF.

30/09/2015 11:36

  • compartilhe no facebook
  • compartilhe no twitter
  • compartilhe no linkedin
  • compartilhe no whatsapp
Da validade da nova CPMF

Atualmente, dentre as medidas de ajuste fiscal propostas pela União, por intermédio do Ministério da Fazenda, a que mais vem causando polêmica é a recriação da extinta CPMF, ou Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira.

No dia 22 de setembro de 2015, uma proposta de Emenda à Constituição Federal, a PEC 140/2015, foi apresentada à Câmara dos Deputados Federais, prevendo a cobrança deste tributo até 31 de dezembro de 2019, sob uma alíquota de 0,20% (vinte centésimos por cento).

Dessa vez, a vinculação da receita será para “(...) o custeio da previdência social, no âmbito da União, e não integrará a base de cálculo da Receita Corrente Líquida.”.

Na proposta de emenda restaurou-se a vigência da antiga Lei da CPMF, a Lei Ordinária no. 9.311/1996, com suas respectivas alterações legislativas, bem como estabeleceu a não aplicação da regra esculpida no artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, a qual exige Lei Complementar para instituir novos impostos, e desde que sejam não-cumulativos e não tenham fatos geradores ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na Constituição.

Na mesma toada, prevê a proposta de emenda a não aplicação do § 5º, do artigo 153, da Constituição Federal, o que consequentemente permite a cobrança da CPMF junto com o IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários), numa mesma operação de negociação de ouro, como ativo financeiro.

Com isso, além das críticas envolvendo questões de justiça tributária e custo Brasil, pelas últimas disposições dessa proposta de emenda verificam-se também algumas manobras jurídicas com graves vícios de constitucionalidade, o que podem afetar inclusive à segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito, conforme passaremos a demonstrar.

O histórico da CPMF

A tributação sobre movimentações financeiras foi aprovada, inicialmente, em 1993, e passou a vigorar no ano seguinte com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, o IPMF. Sua alíquota era de 0,25% e ela durou até dezembro de 1994.

Dois anos depois, criou-se a CPMF, substituta do IPMF, que passou a ter vigor em janeiro de 1997, após a edição da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, sob uma alíquota de 0,20%.

O objetivo da aludida contribuição provisória, agora com base nos artigos 74 e seguintes do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) era criar um fundo para a saúde e para erradicação da pobreza.

A previsão era durar por dois anos, até 1998. Mas a contribuição provisória durou até 23 de janeiro de 1999, quando então foi extinta, sendo substituída pelo IOF.

Em 17 de junho de 1999, a CPMF foi novamente restabelecida e com majoração de alíquota para 0,38%.

Mas na madrugada do dia 13 de dezembro de 2007, a nova proposta de prorrogação da CPMF para 2011 foi rejeitada pelo Senado Federal, com 45 votos a favor do tributo e 34 contra[1]. Assim, a vigência da CPMF terminou no dia 31 de Dezembro de 2007.

Da validade da CPMF à luz da regra-matriz de incidência tributária.

A regra-matriz de incidência tributária, como norma de conduta, refere-se a uma norma jurídica em sentido estrito, ou seja, é a própria norma jurídica instituidora da exação tributária, que por isso deve conter todos os elementos essenciais a permitir a individualização do tributo e, consequentemente, identificar sua natureza jurídica.

Por sua vez, é certo que a Constituição Federal de 1988, como regra balizadora para a instituição de tributos, permite a criação de imposto de competência da União sobre Movimentações Financeiras, de modo que instituiu o IOF.

Mas a previsão de instituição de uma contribuição provisória sobre o mesmo fato gerador levanta sérias suspeitas de inconstitucionalidade, porquanto o único fundamento jurídico deste tributo reside em normas de eficácia exauridas (as disposições do ADCT).

Todavia, a praxe legislativa do restabelecimento da CPMF sempre foi apresentar emendas à Constituição para restabelecer eficácia jurídica a situações já esgotadas.

Mas com esses sucessivos restabelecimentos de vigência o caráter da provisoriedade da CPMF nunca seria observado, violando frontalmente o próprio disposto no artigo 74 do ADCT.

Veja-se que nem é preciso valer da etimologia ou do significado semântico da palavra “provisória” para saber que provisório não é compatível com algo permanente, contínuo ou sucessivo.

Ainda, o afastamento da incidência do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, o qual estabelece regras de competência residual à União, que, nada mais nada menos, permite a este ente criar novos impostos, revela um autoritarismo abismal, uma vez que estará conferindo à União competência tributária absoluta, desprovida de quaisquer limites e regras contra o seu próprio povo.

Além disso, se realmente entende-se e classifica a CPMF como contribuição, por que, então, afastar a aplicação de norma constitucional referente a impostos. Talvez, não seja isto uma nítida demonstração que a eventual nova CPMF seria um imposto disfarçado de contribuição?

Fato é que desde a edição da Emenda Constitucional no. 12/1996, sempre são afastadas as aplicações dos artigos 153, § 5º; e 154, I, da Constituição Federal, numa tentativa de conferir validade aos precários instrumentos normativos de veiculação do tributo (ex.: decretos e leis ordinárias).[2]

Doutrinariamente e segundo respaldo jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal[3], os tributos são classificados em 5 (cinco) espécies tributárias: a) taxas; b) impostos; c) contribuições sociais (ou especiais); d) contribuição de melhoria; e e) empréstimos compulsórios, à luz dos critérios da vinculação, destinação e restituição.

Nesse contexto, ficou asseverado que a classificação como espécie tributária contribuição deveria estar vinculada a alguma destinação de sua receita (finalidade), como saúde, previdência social, intervenção no domínio econômico, etc., caso contrário a sua classificação como contribuição estaria descaracterizada, passando a ter caráter de outra espécie tributária ou mesmo de exação não tributária, se levarmos em consideração o conceito legal de tributo (art. 3º, do CTN[4]).

Também, o artigo 146 da Constituição Federal, estabelece que as normas gerais tributárias devam ser introduzidas no ordenamento jurídico por meio de Lei Complementar.

Em sendo contribuição, é o artigo 149 da Constituição Federal que estabelece a competência tributária para a instituição das contribuições, nos seguintes termos:

“Art. 149 Compete exclusivamente à União, instituir contribuições sociais, de intervenção do domínio econômico, e de interesse das categorias profissionais, ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no artigo 196, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”.

Como contribuição, estaria também sujeita a disposição do § 4º, do artigo 195, da Constituição Federal[5], a qual exige Lei Complementar para criação de novas fontes de custeio da Seguridade Social.

No entanto, conforme mencionado, a CPMF possuiria seu fundamento de validade no artigo 74 do ADCT, segundo o qual:

Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.” (grifo nosso).

Porém, se para a União a CPMF não é contribuição social, muito menos imposto, pergunta-se: ao que ela estaria subordinada? À Constituição? Parece que não. Pois se ingressar no ordenamento jurídico a CPMF estará apenas limitada a sua própria disposição, isto é, a sim mesma, num total autoritarismo arrecadatório, contrariando inclusive normas constitucionais originárias, bem como inviabilizando qualquer controle de legalidade e constitucionalidade.

Por outro lado, é praxe também dos entes políticos tentar retirar a aplicação de normas constitucionais originárias por meio de emendas, ou ainda restabelecer eficácia de norma já exaurida.

Em caso análogo, a Emenda Constitucional 41/2003 foi rechaçada ao tentar restabelecer indevidamente validade à previsão de norma do ADCT que excepcionava, na ocasião, a aplicação do direito adquirido.[6]

Bis in idem

Pelo o atual Sistema Tributário Nacional já existe o Imposto sobre Operações Financeiras - IOF, cuja incidência onera todo e qualquer tipo de negociação de crédito ou de câmbio e demais operações financeiras dos contribuintes, pessoa física ou jurídica, cujas alíquotas também foram consideravelmente majoradas.

Dessa forma, é evidente que não há mais espaço para uma segunda tributação sobre o mesmo fato jurídico tributário, ainda mais por um imposto maquiado de contribuição.

Assim, resta nítido o caráter da dupla incidência (bis in idem), porquanto a CPMF pretende ressurgir como imposto, disfarçada de contribuição, mesmo porque o histórico desta exação nunca obedeceu a sua destinação constitucional (desvio de finalidade).

Se realmente não fosse imposto, não precisaria trazer na proposta de emenda o afastamento da regra contida no artigo 154, inciso I, da Constituição, aplicável a imposto. Vejamos:

Art. 154. A União poderá instituir:

 I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos, e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados nesta constituição.” (grifo nosso).

Portanto, sobrevindo a CPMF estar-se-á diante de mais uma exação inconstitucional, com natureza indevida de imposto dos já discriminados na Constituição Federal: o IOF (art. 153, V, CF/88).

Por oportuno, imperioso observar que o artigo 4º do Código Tributário Nacional, estabelece que a “(...) A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante para qualificá-la: I – a denominação, e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto de sua da sua arrecadação.” (grifo nosso).

Na verdade, o que se verifica no caso da CPMF é o uso de um tributo de função extrafiscal (expressamente declarada) para o exclusivo efeito fiscal (arrecadatório) que não lhe é próprio.

Com isso, enterra-se qualquer tentativa de classificar a CPMF como contribuição provisória específica (art. 74, ADCT), uma vez que é nítido o seu caráter de imposto (de fiscalidade).

Da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Por sua vez, vejo a tentativa de alguns em defender o ínfimo impacto financeiro aos contribuintes pela nova CPMF. Mas sob o aspecto jurídico, a discussão vai um pouco além.

Primeiramente, devemos levar em consideração o alcance subjetivo da referida exação (critério pessoal), uma vez que a CPMF tem como sujeito passivo, praticamente todas as pessoas (físicas e jurídicas), indistintamente.

Além disso, sequer possui previsão de imunidades ou de isenções.

Outro ponto de fundamental importância é considerar a quantidade de vezes que se pode praticar o fato imponível da norma, e não apenas no percentual de 0,20% da alíquota, sabendo, ainda, tratar-se de tributo incidente na cadeia produtiva de modo cumulativo.

E, por fim, é imperioso considerar as recentes e excessivas majorações do IOF, tanto no mercado interno, quanto nas operações de crédito no exterior, fatos estes que já oneraram sobremaneira o mesmo fato jurídico tributário.

Somente se levarmos em consideração todas essas premissas será possível saber se a CPMF é violadora, ou não, da igualdade tributária e da capacidade contributiva, mesmo porque o ponto fulcral disso reside na completa ausência de distinção de tratamento entre os contribuintes em diferentes situações.

A Constituição Federal de 1988 ao cuidar DAS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR trouxe expressamente no artigo 150, inciso II, a vedação ao tratamento diferenciado entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, em complementação à garantia constitucional da isonomia, prevista no caput do artigo 5º.

Ademais, na Seção dos PRINCÍPIOS GERAIS, no § 1º, do artigo 145, encontra-se o meta princípio da capacidade contributiva, que em termos gerais, estabelece: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” (grifo nosso).[7]

Assim, por exemplo, como uma pessoa física pode receber o mesmo tratamento na tributação da CPMF em relação a uma pessoa jurídica, que explora livremente atividade econômica? Como pode uma microempresa ou microempresário individual ter o mesmo tratamento tributário de uma empresa de grande porte?

O valor do quantum tributável é irrelevante aqui e não se confunde com a base de cálculo, que para a CPMF é a mesma para todos: o valor da transação. Em termos de tratamento, a norma tributária da CPMF irá incidir de modo igual para todos os contribuintes, desprezando completamente as diferentes situações ou condições os quais estes se encontram.

Por outro lado, os tributos (vinculados ou não) que atingem grande parcela das pessoas (física e jurídica) possuem alíquotas variáveis como critério de isonomia, a exemplo do imposto de renda da pessoa física, do imposto de renda da pessoa jurídica, da CSLL, do PIS, da Cofins, do ISS, entre outros.

Portanto, não restam dúvidas a violação à Constituição e ainda ao Estado Democrático de Direito e à segurança jurídica, uma vez em que a União, diante de uma situação casuística, pretende trazer de volta a CPMF, tão somente para aumentar a arrecadação, mesmo quando o respectivo fato jurídico tributário encontra-se devidamente tributado pelo IOF.

 

[1] Para ter sido aprovada precisaria da aprovação, em dois turnos, de, no mínimo, 49 votos favoráveis em cada turno.

[2] “A exigência de lei complementar é inafastável e, diferentemente, do que ocorre para os impostos discriminados, que têm apenas os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes previstos em lei complementar (art. 146, III, a, da CF), no caso da instituição de novo imposto pela União, no exercício da sua competência residual, exige-se lei complementar para a definição da integralidade de todos os aspectos da respectiva hipótese de incidência, o que abrange inclusive a alíquota, integrante do aspecto quantitativo.” (PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário a luz da doutrina e da jurisprudência, 6ª.ed, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 360).[3] Segundo sua jurisprudência, os empréstimos compulsórios (Recurso Extraordinário nº 111.954/PR, DJU 24/06/1988) e as contribuições especiais (AI-AgR 658576/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007; AI-AgR 679355/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007) são espécies tributárias autônomas, ostentando natureza jurídica própria que as distingue dos impostos, taxas e contribuições de melhoria.

[4] “Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

[5] “(...). § 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.". (grifo nosso).

[6] "O artigo 9º da Emenda Constitucional 41/2003 pretendeu a aplicação do artigo 17 dos Atos das Disposições Transitórias da Constitucional Federal, que impunha a imediata redução dos vencimentos e proventos aos limites impostos pela nova ordem constitucional.

(...).

Ora, a pretendida incidência do artigo 17 a situações supervenientes consolidadas de acordo com os regramentos da Constituição Federal é manifestamente inconstitucional, seja porque como norma transitória já se esgotou no tempo, seja porque o poder constituinte derivado não detinha legítima competência para a limitação." (grifo nosso) (AI n. 0122993-31.2012.8.26.0000, Relator: Desembargador Camargo Pereira, Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público, DJ 27/11/2012).

[7] “Contribuições especiais e capacidade contributiva: Não há incompatibilidade entre o princípio da capacidade contributiva e as contribuições sociais, mormente considerando que estas podem ser instituídas – e normalmente o são – com fato gerador não-vinculado.” (PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário a luz da doutrina e da jurisprudência, 6ª.ed, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 84).

Leia mais sobre

O artigo enviado pelo autor, devidamente assinado, não reflete, necessariamente, a opinião institucional do Portal Contábeis.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS

ARTICULISTAS CONTÁBEIS

VER TODOS

O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.