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Economia

Desafios da terceirização no Brasil

Antes de tomarmos qualquer conclusão a respeito da terceirização no Brasil é preciso considerar duas posições: a de empregador (administrador) e a de empregado. No entanto, uma coisa é certa: nenhuma das posições devem ser isoladamente consideradas.

13/07/2016 08:01:32

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Desafios da terceirização no Brasil

1.       Origem histórica e conceito.

A terceirização como um processo ou técnica de gestão administrativa teve sua origem nos Estados Unidos, com a II Guerra Mundial, quando as indústrias bélicas passaram a delegar algumas atividades para empresas prestadoras de serviços, pois desejavam concentrar-se na atividade principal: desenvolvimento e produção de armas.

No Brasil, a palavra terceirização teria surgido inicialmente na década de 90, tendo como significado apenas a contratação de outras pessoas (mão-de-obra), ou de empresas para a realização de atividades não-fins em setores como telecomunicações, bancos, energia e construção civil.

O termo terceirização usado no Brasil não é uma tradução, mas sim o equivalente ao inglês outsourcing, cujo significado literal é “fornecimento vindo de fora”.

Com o tempo, o conceito de terceirização evoluiu, passando-se a ser visto como um verdadeiro processo de gestão, pelo qual terceiros assumem algumas atividades estabelecendo relações de parcerias, no intuito de otimizar o trabalho, melhorar a qualidade dos serviços e também dos produtos e, principalmente, reduzir custos.

Portanto, a empresa terceirizadora passaria a preocupa-se tão somente em desempenhar as tarefas ligadas ao seu ramo de atividade.

Neste processo, a empresa que terceiriza é chamada “empresa-mãe” ou contratante e a empresa que executa a atividade terceirizada é chamada de “empresa terceira” ou contratada.

Nessa visão tem-se como melhor conceito o estabelecido por Lívio Giosa, segundo o qual: “Terceirização é um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros, com os quais estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua”. (Terceirização: Uma abordagem estratégica, 4ª ed., Minas Gerais: Pioneira, 1997, p. 17).

Porém, no cenário mundial, assim como no Brasil, a terceirização assumiu características próprias estruturando-se a sua maneira em cada um dos países que a utilizam, sempre a depender dos fatores estruturais e geográficos, históricos, culturais, econômicos, políticos, entre outros.

2.      O processo.

A terceirização ocorre quando uma empresa decide transferir a uma ou mais empresas a produção de bens ou a prestação de serviços, que anteriormente realizava com seus próprios recursos.

O processo de terceirização dá-se geralmente de duas formas. A primeira, a empresa deixa de produzir bens ou serviços utilizados em sua produção e passa a comprá-los de outra ou outras empresas - o que provoca a desativação – parcial ou total – de setores que anteriormente funcionavam no interior da empresa. A outra forma é a contratação de uma ou mais empresas para executar, dentro da “empresa-mãe”, tarefas anteriormente realizadas por trabalhadores contratados diretamente.

No Brasil, a terceirização da atividade-fim é ainda proibida, nos termos do entendimento já firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula n. 331, inc. I, combinado com o disposto no artigo 9º, da CLT. Porém, é apenas proibida quando utilizada para fraudar uma relação de trabalho, em situação comumente conhecida como “pejotização do trabalhador”.

Na verdade, a referida súmula buscou esclarecer os limites entre a terceirização lícita e a ilícita, dispondo sobre os quatro casos excepcionais, em que é possível terceirizar o serviço, quais sejam: “a) contratação de trabalho temporário; b) atividades de vigilância; c) atividades de conservação e limpeza; d) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, não há na ordem jurídica do país preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não-eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem (arts 2º, caput e 3º,caput, CLT) sem que esse tomador responda juridicamente, pela relação laboral estabelecida.” (GODINHO, Mauricio Delgado. Curso de direito do trabalho. 4º ed., São Paulo: LTr, 2002, p. 442)

Em termos lógicos, esta vedação até não poderia ser diferente, pois a terceirização da atividade-fim descaracterizaria por completo ou parcialmente a atividade desenvolvida por uma empresa. Por exemplo, uma “empresa-mãe” renomada que fabrica calçados, ao subcontratar esta atividade a outrem, pode ser considerada tudo, menos uma renomada empresa de calçados, pois, na verdade, estaria atuando tão somente na intermediação da produção e venda de seus produtos, com o risco de perder as características ou qualidades próprias que a levaram ser considerada renomada no mercado.

Vejam-se que a atividade-fim é aquela que faz parte do processo específico de produção do bem ou do serviço. É a razão de ser da empresa. Ao passo que, a atividade-meio é aquela que faz parte do processo de apoio à produção do bem ou do serviço.

Dessa forma, o empresário ou administrador que se propõe a atuar dessa forma coloca-se mais na função de um investidor do que de empresário. Tudo bem que atuar como investidor não é proibido, mas o que não se pode permitir é a existência de subcontratações com o intuito exclusivo de fraudar responsabilidades trabalhistas.

3.      O Projeto de lei n. 4.330/2004.

Para tentar resolver esta situação surge então o polêmico Projeto de Lei n. 4.330/04, de autoria do ex-deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), no intuito de viabilizar a terceirização e trazer melhorias às condições dos trabalhadores.

No Anexo deste Projeto são trazidas como justificações a regulamentação da terceirização a necessidade de acompanhamento da revolução na organização da produção, pois segundo o autor: “A empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço”.

Todavia, no texto original do referido Projeto de lei, o artigo 1º já estreava prevendo a possibilidade de terceirização de toda a atividade-fim, sem restrições.

De qualquer forma, atualmente este Projeto encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados e acumula mais de 240 emendas, mas deixando claras às obrigações das “empresas-mães” contratantes, como por exemplo, a responsabilidade pela garantia das condições de segurança e saúde dos trabalhadores, em suas dependências ou em outro local designado (art. 7º), e de serem responsáveis subsidiários pelas obrigações trabalhistas no período em que ocorrer a prestação do serviço (art. 10).

4.      Vantagens e desvantagens da terceirização.

Antes de tomarmos qualquer conclusão a respeito da terceirização no Brasil, é preciso considerar duas posições: a de administrador (ou empresário) e a de trabalhador. Pois enquanto os administradores estudam a terceirização com o objetivo principal de buscar eficácia empresarial, a classe trabalhadora busca valorização e melhores condições no trabalho.

A depender da posição adotada, muitos pontos de vistas podem surgir. No entanto, uma coisa é certa: nenhuma das posições devem ser isoladamente consideradas. O ideal seria que cada um analisasse a questão da forma mais imparcial ou desinteressada possível, mesmo porque na cadeia de produção todas as funções e atividades são importantes e quando realmente se busca melhorar a eficiência de uma empresa, todos são beneficiados. Ao menos deveria.

Posto isto, podemos apontar como vantagens à terceirização:

a)      Aumento do foco no negócio-principal (core-business): A terceirização possibilitaria às empresas concentrarem-se nas suas funções principais, melhorando a qualidade dos serviços ou produtos.

b)      Redução e controle dos custos operacionais: Ao subcontratar serviços de gestão, permite-se reduzir os custos operacionais, uma vez que parte destes são transferidos para o cliente. Além disso, o contrato de terceirização está normalmente associado a um pagamento mensal predefinido, o que torna o custo previsível no longo prazo.

c)      Redução de verbas para aquisições e modernização: Ao passar a responsabilidade pela execução de determinado setor ou atividade, a empresa-mãe fica dispensada de investir na aquisições de aparelhos ou mesmo na modernização de espaços, maquinários e qualificação de pessoal.

d)      Aumento da disponibilidade de capital para investimentos: Com as economias geradas pela terceirização é possível que a empresa-mãe invista no mercado financeiro ou adquira (ou amplie) participações em outras empresas ou grupos econômicos.

e)      Otimização de recursos no tocante a perdas e desperdícios: Em termos práticos, ao se terceirizar a produção ou parte dela a empresa transfere muitos dos problemas de perdas inerentes a quase todo processo produtivo.

f)       Transferência dos custos e da responsabilidade social e sindical com o pessoal técnico: Talvez seja esta uma das principais razões à terceirização, pois reduz efetivamente custos e também confere certa paz aos empresários e administradores. Porém, conforme observado a adoção da terceirização com o intuito de fugir das obrigações trabalhistas é proibida e nula. No entanto, quando bem contratada, reduz ou elimina-se muitas tarefas desgastantes sob o ponto de vista psicológico. Evita-se também sujeição às incansáveis negociações sindicais, entre outros. Todavia, a terceirização não afasta responsabilidade com as obrigações trabalhistas do terceiro contratado, que para o Projeto de lei n. Lei 4330/2004, passa-se a ser apenas subsidiária.

Também como vantagens ao processo de terceirização podemos mencionar: a especialização do serviço, aumento da produtividade, aumento da competitividade com o mercado interno e internacional, comprometimento com os resultados, diminuição do tempo de implementação e decisões.

Por outro lado, sob fundadas razões de cautela podemos apontar como desvantagens à terceirização:

a)      Risco de ineficácia da terceirização pela ausência de identidade com a empresa ou pelo desconhecimento de assuntos por parte da alta administração: Muitas empresas possuem identidades próprias que as distinguem das outras, como também colecionam em sua vida inúmeras experiências e soluções a problemas. E tudo isso, muitas vezes não consegue ser transferido a empresa terceira, vindo a dificultar ou atrasar a otimização da atividade pretendida.

b)      Dificuldade de encontrar parceiros que atendam às mesmas condições de qualidade e produtividade: Esta é uma das razões ao desestímulo à terceirização da atividade-fim, porquanto esta representa, muitas vezes, a identidade da empresa, como fator diferenciador das demais empresas, que, ao ser terceirizada a outra, não consegue ser reproduzida satisfatoriamente.

c)      O desconhecimento ou desrespeito à legislação do trabalho por parte da empresa contratada: Hoje em dia, existe uma enorme preocupação dos empresários na verificação do cumprimento das obrigações trabalhistas daqueles que se relacionam com a empresa-mãe, porquanto o risco de assumir como devedor solidário às obrigações trabalhistas não adimplidas de outra empresa é grande. Outro fator de difícil controle é a verificação das condições a que os trabalhadores da empresa terceira são submetidos. Nestes casos, empresas com altos passivos trabalhistas ou com potenciais riscos tendem a aumentar consideravelmente as despesas da empresa contratante. Além disso, empresas terceiras que remuneram seus funcionários abaixo do teto da categoria tendem a trazer inúmeros problemas à produção com consequências negativas à empresa-mãe.

Vejamos a ementa do seguinte julgado:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. UNICIDADE CONTRATUAL. Demonstrado nos autos que a autora foi contratada por empresa terceirizada para prestar serviços vinculados à atividade-fim da tomadora de serviços, a fraude perpetrada é evidente. Deve, pois, ser mantida a decisão que reconheceu a unicidade contratual e declarou a solidariedade entre as empresas demandadas, a qual se encontra fundada na prática de ato tendente a impedir e fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas (art. 9° da CLT), com a formação do vínculo de emprego com a tomadora dos serviços, nos moldes do inciso I da Súmula 331 do TST. (grifo nosso). (TRT 3ª Região, RO n. 02309-2006-136-03-00-0, Sétima Turma, Relator: Wilméia da Costa Benevides – Convocada, DJ 12/04/2007).

d)      Aumento de despesas e perda de eficiência (Setor Público): Na prática, o processo de terceirização no setor público tem gerado muitos prejuízos à sociedade. Quando atividades ou serviços públicos são terceirizados à iniciativa privada têm-se o grande risco de serem objetos de contratações fraudulentas ou mediante preços superfaturados. A eficiência administrativa e o baixo custo colimados servem apenas de pretexto aos maus administradores públicos. Claro que existem muitos casos em que a terceirização de serviços públicos têm dado certo, mas também colecionam-se muitos casos de corrupção envolvendo empresas terceiras.

e)      Aumento de despesas com demissões iniciais: Ao focalizarem na terceirização, empresas optam muitas vezes por demitirem funcionários. Essas demissões quando mal empregadas podem trazer prejuízos financeiros de difícil ou impossível absorção pela terceirização da atividade. A recapacitação técnica ou planos de demissão voluntária são medidas que podem reduzir prejuízos.

Nesses últimos casos, é possível notar que a terceirização é uma questão acima de tudo social, porquanto pode envolver dispensa de trabalhadores, como a má prestação de serviços públicos essenciais ou ainda a falta destes.

5.      Propostas à solução da terceirização.

No início, entusiastas como Bernardo Pagnoncelli e Manuel Alvarez atrelavam a terceirização ao aumento da qualidade do produto ou serviço e não apenas à redução dos custos. Vejamos suas citações:

A terceirização trará redução de custos, pela via da melhoria de qualidade, da produtividade e, especialmente, pela focalização naquilo que a empresa faz de melhor”. (PAGNONCELLI, D. Terceirização e parceirização: estratégias para o sucesso empresarial. Rio de Janeiro: 1993, p. 81)

A terceirização significa muito mais do que a transferência de preocupações e deve proporcionar maior valor agregado aos negócios muito acima da redução de custos”. (ALVAREZ, M. S. B. Terceirização – parceria e qualidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus,1996, p. 67-68).

No entanto, a terceirização no Brasil é quase sinônimo de redução de custos, e muitos administradores a buscam pouco importando com a perda da qualidade ou da produção ou então com as melhorias nas condições de trabalho e sua valorização.

Talvez, a solução à terceirização esteja no equilíbrio e no respeito mútuo entre a relação empregado e empregador. É manifestar clareza de objetivos de ambas as partes, isto é, o que buscam e o que pretendem oferece entre si.

Por sua vez, a falta de regulamentação do instituto também tem contribuído para que empresas sejam criadas com o único intuito de reduzir os custos, por intermédio da fuga do pagamento de encargos sociais aos empregados.

Neste ponto, há ainda de ser lembrado o importante papel dos sindicatos das categorias, que devem pressionar o Poder Legislativo a regulamentar a questão para admitir a terceirização dos serviços, sem, contudo, limitar direitos fundamentais dos trabalhadores.

Por outro lado, as empresas devem se dedicarem às atividades ou operações que realmente possam traduzir em vantagens financeiras, ou seja, àquelas que não estejam relacionadas às atividades tidas como o diferencial da empresa ou que as coloquem como excelência de mercado. Nada obstante, ao se terceirizar uma atividade desta, ainda que se alcance inicialmente redução de custos, inevitavelmente irá acarretar perda de qualidade ou ineficiência de produção. É quase manifestar-se expressamente não querer manter a qualidade e eficiência do produto ou serviço. Não que isso recomende sempre a não terceirização da atividade-fim, mas ao menos àquela ou àquelas que não sejam o diferencial da empresa.

Portanto, para fazer da terceirização uma verdadeira técnica de administração é preciso reencontrar sua real razão de ser – o outsourcing – representada na busca de melhorias na qualidade e eficiência da produção, bem como no respeito aos fatores sociais e econômicos do trabalho.

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