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Contabilidade(?) on-line

Já faz algum tempo que a oferta deste tipo de serviço tem provocado certo alvoroço no meio contábil e tirado a sono de muitos profissionais, este artigo propõe críticas sobre esse serviço e a forma como é oferecido.

03/10/2016 11:19

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Contabilidade(?) on-line

Já faz algum tempo que a oferta deste tipo de serviço tem provocado certo alvoroço no meio contábil e tirado a sono de muitos profissionais, fato inclusive que já foi abordado no artigo “A contabilidade online é uma ameaça?”, mas nem é para causar tanto pesadelo assim...

A contabilidade online não é uma ameaça. Nada substituirá a relação pessoal e o “olho no olho” do empresário e o contador, ou estaria eu blasfemando em afirmar que existem assuntos que o empresário só quer tratar com o contador pessoalmente? E a recíproca é verdadeira...

Acrescente-se a isso a crítica mais comum dos empresários em relação aos serviços contábeis: dificuldade de contato com o profissional e falta de orientação e atenção dispensado pelo profissional, e então imagine os dois cenários:

1) Um serviço onde o cliente seja bem atendido pelo contador, receba atenção especial e individual, seja bem orientado, receba não só suas guias e obrigações no prazo, mas também as suas demonstrações contábeis, tenha um estudo tributário sobre a sua melhor forma de tributação, ainda que simples, seja alertado sobre as alterações na legislação, seja alertado sobre eventuais inconsistências ou impropriedades nos números de sua empresa, etc.;

2) Um serviço onde o cliente não tem qualquer contato pessoal ou telefônico com o contador, onde suas dúvidas não são respondidas e é ele quem precisa buscar as respostas no site da empresa (ou no Google), onde ninguém orienta sobre nada, não é feito um estudo tributário próprio, ninguém controla os seus números, não recebe os demonstrativos contábeis obrigatórios e ele mesmo precisa preencher as informações em sistemas para obter suas guias, estando exposto a erros de classificação e preenchimento, etc.

Será mesmo que um cliente atendido conforme o primeiro cenário mudaria confortavelmente para um atendimento conforme o segundo cenário? Mesmo que a um preço de cinquenta reais, não parece sequer razoável, mas se o cliente fizer essa opção, sinceramente, a principal reflexão que precisa ser feita é: vale a pena ter um cliente desses? Vale a pena ter um cliente com esse perfil? Vale a pena ter um cliente cuja única ou principal preocupação ao escolher quem vai cuidar da sua contabilidade e tributação é o preço?

Particularmente, eu não quero esse cliente. Esse é aquele tipo de cliente que não irá nunca reconhecer o valor do seu trabalho, vai pagar de má vontade, achando tudo e qualquer coisa caro e ou trabalhoso, querendo passar toda e qualquer responsabilidade para você e não dará atenção alguma para os seus avisos e orientações, provocando retrabalho, exposição a riscos (cujo contador muitas vezes é responsável solidário) e no final ainda vai jurar de pé junto que você nunca avisou, nunca orientou e que ele não sabe de nada.

Então não confunda as críticas que seguem em relação a estes serviços com lamúrias, murmurações ou “mimimi”, como prefere a “geração y”, mas entenda como um alerta ou um manifesto contra a depreciação da profissão e do profissional contábil, provocada por esse tipo de serviço e oferta.

Neste sentido, cumpre iniciar com uma definição livre e não doutrinária da Contabilidade, com a finalidade de ampliar o horizonte sobre as atribuições do contador e servir de ponto de partida para o restante do texto:

Contabilidade é a Ciências Social que estuda, interpreta, analisa e registra os atos e fatos econômicos e financeiros que afetam o patrimônio das empresas; materializando-se por meio dos lançamentos contábeis em livros caixa, diário e razão, culminando nas demonstrações contábeis e demais informações úteis aos usuários da contabilidade, especialmente à administração da empresa.

Longe de ser completa e doutrinária, a definição acima é suficiente apenas para desconstruir a imagem equivocada que confunde contabilidade com operações matemáticas e reduz o trabalho do contador a mero emissor de guias e contracheques. Aliás, emitir guias e contracheques nem atividades privativas do contador são, acaba sendo absorvida por ser o contador o profissional mais qualificado para isso.

É exatamente aqui que começam os problemas com esses serviços online, pois a oferta que essas empresas fazem em seus sites, especialmente para micro e pequenas empresas, são coisas como: Contabilidade Amiga, Contabilidade Criativa, Contabilidade Inteligente, Contabilidade a partir de ..., Contabilidade, Contabilidade, Contabilidade... Mas o que oferecem de fato, pelo menos pelo preço de partida, são apenas guias de tributos e alguns relatórios aleatórios, cujas informações são inseridas pelo próprio cliente (aqui reduzido a mero usuário de um site ou aplicativo). Ora, isso não é contabilidade! Aliás, cobrar até míseros R$ 50,00 por isso está é caro! O empresário alimenta o sistema com o valor do seu faturamento e o sistema calcula o valor do imposto? Existe um site que faz isso muito bem, e de graça: o site do Simples Nacional! Quanto a essa meia dúzia de relatórios, uma busca rápida no Google resolve o problema também a custo zero...

Ora, não esqueçamos que a Contabilidade é obrigatória mesmo para as empresas optantes pelo Simples Nacional (saiba mais sobre esta obrigação lendo o artigo: Empresa no Simples Nacional presida de Contador), com a escrituração dos livros contábeis e apresentação de Balanço Patrimonial, DRE, DRA, DMPL, DFC e Notas Explicativas (Resolução CFC 1.255/09 item 3.17), de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade. Portanto, isto é obrigação de todo e qualquer indivíduo ou empresa que ofereça Contabilidade ao mercado, não podendo se limitar a emitir guias e relatórios.

Além disso, é preciso ressaltar o enorme risco a que o empreendedor está sujeito ao lançar, ele próprio, as informações econômicas e financeiras do seu negócio. Além de ser atividade privativa do Contador (art. 25, a, Decreto-Lei nº 9.295/46; art. 3º itens 9 e 10, Resolução CFC 560/83) e o exercício por profissional não habilitado constitua crime de exercício ilegal da profissão, deve-se lembrar que uma classificação errada pode gerar consequências graves à empresa e aos empresários, com penalidades civis, fiscais e até penais.

Por exemplo: lançar o faturamento sem observar os descontos concedidos e a sua natureza pode implicar em omissão de receita e consequente crime de sonegação fiscal; retirar lucro sem a devida escrituração também poderá implicar neste crime; a não escrituração de depreciações ou a escrituração equivocada causará uma distorção no lucro, podendo causar além de problemas fiscais, também civis com credores e também com o fisco; a classificação errada da atividade exercida ou das vendas feitas pode provocar o pagamento excessivo de impostos, inclusive pagamento dobrado, e com grande frequência; entre muitos outros exemplos possíveis. Muitos desses casos além de serem crimes podem implicar em multas e outras penalidades tributárias altas para o empresário.

Desta forma, fica claro o absurdo e a irresponsabilidade de transferir essa atribuição ao empresário, que além de cuidar de toda a parte operacional e administrativa da empresa, não tem nem sequer tempo de estudar e avaliar cada uma destas circunstâncias no momento que for operar os sistemas destas empresas. Veja que esta questão é tão séria que o Código Civil qualifica o contador como Responsável Solidário ao Empresário (art. 1.177, CC) por estes erros, portanto, repassar essa atribuição única e exclusivamente ao Empresário da forma como está sendo proposto por estas empresas é temerário, irresponsável e pode causar danos irreparáveis às empresas e à sociedade em geral.

Com isto, espera-se que tenha ficado claro que o grande problema para a Contabilidade não é a “perda de mercado”(?), mas sim a oferta equivocada (propaganda enganosa?) que estes sites fazem ao oferecer isso como se contabilidade fosse. Ora, com o perdão do termo, cuspir guias e contracheques não é nem um décimo das atribuições e responsabilidades do contador, mas ao ser oferecido desta forma, deprecia e avilta a profissão, a ciência e a classe como um todo! Esta é a questão! Portanto, é imperativa uma atuação enérgica e contundente para impedir que estas empresas e sites deixem de oferecer estes serviços como se Contabilidade fosse, porque não são!

Em tempo, longe de criar uma rixa análoga ao Uber x Taxistas no meio contábil, a questão aqui é simples: o serviço que é oferecido não é entregue. Então que ofereçam o que de fato entregam! Meros emissores de guias e relatórios... Não usem o nome de Contabilidade para ofertar isto!  Posteriormente, talvez, seja preciso até avaliar sobre a pertinência desse serviço, haja à vista o risco a que sujeita o seu consumidor, mas aí é outro assunto... Mas por ora a urgência deve ser tão somente impedir que isto continue sendo oferecido como Contabilidade!

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