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Contábil

Perícia em Ações que Envolvem um Incidente de Falsidade Documental. Balanço Patrimonial e a Violação do Princípio da Competência

Em razão da importância da Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (CPC/2015), o Código de Processo Civil apresenta a figura do incidente de falsificação, em relação à prova pericial contábil. Desta forma o artigo tem como referente o inciso III do art.

30/07/2018 10:50:06

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Perícia em Ações que Envolvem um Incidente de Falsidade Documental. Balanço Patrimonial e a Violação do Princípio da Competência

Perícia em Ações que Envolvem um Incidente de Falsidade Documental. Balanço Patrimonial e a Violação do Princípio da Competência

1. Introdução

    Uma denúncia da falsificação dos documentos a serem submetidos à perícia decorre do direito de ampla defesa e do contraditório, devendo por isso ser ela  realizada pari passu com as providências cabíveis e determinadas pelo CPC/2015, para que prevaleça a paridade de armas entre os litigantes, surgindo daí a verdade real.

 2. Desenvolvimento

    Inicialmente destacamos que o CPC/2015 apresenta a figura do incidente de falsificação, na medida em que estabelece o inciso III do art. 436 do CPC/2015, as providências cabíveis.

    Uma perícia em uma ação incidente de falsidade documental, pode envolver perícia multidisciplinar[2], logo, a mesma pode ser realizada por equipe composta por expertos com formação multidisciplinar em documentoscopia [3] ou exame grafotécnico[4], contábil[5].

    Por força do inciso III do art. 436 do CPC/2015, um litigante intimado a (…) “falar sobre documento constante dos autos poderá: (…) “suscitar sua falsidade, com ou sem deflagração do incidente de arguição de falsidade” (…). E incumbe o ônus da prova, quando se tratar de falsidade de documento, à parte que a arguir, e será realizado então, o exame pericial no documento objeto da arguição da falsidade.

   A arguição de falsidade pode envolver a prova documental (arts. 405 a 429), a prova pericial (arts. 464 a 480) e a inspeção judicial (arts. 481 a 484).

    Não se admitem alegações genéricas de falsidade, uma vez que o litigante deverá impugnar as alegações e documentos de forma específica, sendo necessário justificar qual o fundamento que sustenta a falsidade, fundamento esse exposto de forma clara, indicando onde reside a falsidade, expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.

    A falsidade de documentos, como, por exemplo, o balanço patrimonial, pode ser aferida por uma infinidade de formas; entre elas, temos a simples não observação do princípio da competência.

    As regras para o reconhecimento da receita e custos, em especial o princípio da competência, devem ser observadas para se afastar impurezas que alterem a situação econômica ou a financeira.

    Para se evitar interpretações polissêmicas ou ambíguas, apresentamos a regra para o reconhecimento das receitas.

    O reconhecimento das receitas operacionais está vinculado à legislação societária e tributária. E com este referente a prática para o reconhecimento de receitas é a seguinte:

  1. As receitas, assim como, os custos a elas atribuídos, devem ser classificadas segundo a sua natureza, revenda de mercadorias, de representação, de distribuição, venda de produtos, prestação de serviços e intermediação de negócios.
  2. Os custos de produção de bens, enquanto não transferidos aos fregueses, devem ser classificados no ativo circulante, conforme a situação: produtos em elaboração e/ou produtos acabados.
  3. A regra é: todas as receitas e custos devem observar o princípio da competência, pois uma inexatidão quanto ao período de apuração de competência de receitas, gera consequências tributárias; vide 224 do RIR/1999.
  4. Contratos de venda para entrega futura, deverão ser reconhecidos segundo o princípio da competência, logo, serão reconhecidos no exercício a que pertencem, independentemente do recebimento da receita. O valor base da receita é o preço do bem ou serviço de uma transação comercial. A receita deve ser reconhecida quando as mercadorias ou os serviços forem transferidos para o freguês/cliente que passa a ter o seu controle (domínio que é um dos elementos da propriedade).
  5. As receitas originárias de contratos de construção civil devem ser apropriadas, ou seja, reconhecidas, juntamente com os seus respectivos custos ocorridos, em sintonia com o cronograma físico financeiro da obra com o art. 497[6] do RIR/1999.
  6. As receitas derivadas de licenças, royalties, como o uso de propriedade intelectual, uma tecnologia, mídia, patentes, direito de arena, marcas registradas e análogos, devem ser reconhecidas em sintonia ao período de uso desta, conforme previsão contratual.
  7. Todos os valores recebidos antecipadamente, por conta de uma venda, por força do princípio de competência, serão classificados como antecipação de fregueses, no passivo circulante, e lá permanecerão até o momento da entrega do bem ou da prestação do serviço, logo, é a transferência do domínio sobre o bem. O direito de propriedade é direito real que inclui o domínio de uma coisa, e é considerado como sendo o conteúdo mínimo do direito de propriedade.
  8. Direitos à devolução e garantias de produtos, é um fato subsequente ao do reconhecimento da receita e custos. E se ocorrerem, serão contabilizados no momento do fato.
  9. As deduções das receitas e os abatimentos serão registrados em contas próprias do resultado, nos termos do inciso I do art. 187 da Lei 6.404/1976.

    A legislação societária (Lei 6.404/1976) prevê:

Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. (…)

Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:  I – a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;(…)  § 1º Na determinação do resultado do exercício serão computados:  a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e   b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.

    A legislação tributária (RIR/1999) prevê:

Art. 224.  A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia (Parágrafo único.  Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário

Art. 273.  A inexatidão quanto ao período de apuração de escrituração de receita, rendimento, custo ou dedução, ou do reconhecimento de lucro, somente constitui fundamento para lançamento de imposto, diferença de imposto, atualização monetária, quando for o caso, ou multa, se dela resultar: I – a postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em que seria devido; ou II – a redução indevida do lucro real em qualquer período de apuração. § 1º  O lançamento de diferença de imposto com fundamento em inexatidão quanto ao período de apuração de competência de receitas, rendimentos ou deduções será feito pelo valor líquido, depois de compensada a diminuição do imposto lançado em outro período de apuração a que o contribuinte tiver direito em decorrência da aplicação do disposto no § 2º do art. 247 (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 6º). § 2º  O disposto no parágrafo anterior e no § 2º do art. 247 não exclui a cobrança de atualização monetária, quando for o caso, multa de mora e juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido postergação de pagamento do imposto em virtude de inexatidão quanto ao período de competência (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 7º, e Decreto-Lei nº 1.967, de 23 de novembro de 1982, art. 16).

    A legislação não apresenta o conceito do princípio ou do regime de competência; este encargo é dos doutrinadores. E a literatura especializada[7], à luz da teoria pura da contabilidade, ensina o seguinte.

    E o princípio da competência que determina que os investimentos, as obrigações, as receitas, os ganhos e as despesas, custos e perdas, devem ser incluídos no período a que pertencem, ou seja, no exercício em que ocorreu o fato gerador, independentemente de recebimento ou pagamento.

    Como fato relevante destacamos que,

  • Se os custos foram apropriados antecipadamente, em uma parcela maior à correspondência e proporcionalidade da receita, ferindo o princípio da competência, cria-se uma evasão fiscal, pela diminuição da margem de lucro/prejuízo real. Ou seja, há a postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em que seria devido, conforme previsto no art. 273 do RIR/1999.
  • Se as receitas forem reconhecidas antecipadamente e de forma desproporcional aos custos, criando lucro fictício, logo, a maquiagem do balanço, temos a figura da responsabilidade do administrador e sócios, por ilícito, nos termos do CC/2002, art. 1.009. “A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”

    Se não for observado o princípio da competência e a proporcionalidade das receitas com o custo, o balanço estará viciado, logo, impróprio para uma análise, devendo ser ajustado à realidade fática.

 

Exemplo do efeito para uma receita antecipada de R$ 60,00
Em sintonia com a competência
AC 210 PC 150
    Outros 100
    Adiantamento de freguês 50
ANC 140 PL 200
Total 350 Total 350
Liquidez geral = 1,40
Part. Capital terceiros s/ passivo = 42,86%

 

ANTECIPANDO A RECEITA
AC 160 PC 100
ANC 190 PL 250
    Outras 200
    Receita 50
Total 350 Total 350
Liquidez geral  = 1,60
Part. Capital terceiros s/ passivo = 28,57%

 

Exemplo do efeito para uma receita antecipada de R$ 60,00
Em sintonia a competência
AC 210 PC 150
    Outros 100
    Adiantamento de freguês 50
ANC 140 PL 200
Total 350 Total 350
Liquidez geral = 1,40
Part. Capital terceiros s/ passivo = 42,86%

 

ANTECIPANDO A RECEITA
AC 160 PC 100
ANC 190 PL 250
    Outras 200
    Receita 50
Total 350 Total 350
Liquidez geral = 1,60
Part. Capital terceiros s/ passivo = 28,57%

 3. Considerações finais

    A figura do incidente de falsificação, em relação à prova pericial contábil, é deveras importante no que diz respeito às impugnações de balanços e da própria escrita contábil fiscal.

    Apesar disto, enfatizamos que a não observação de princípios contábeis, tais como, a da competência, o da fidelidade e o da epiqueia contabilista, configura uma situação muito mais grave do que uma simples violação da

  • Legislação societária, como a locupletação sem causa, ou da;
  • Legislação tributária, como um crime de evasão fiscal.

 

    Assim, a não observação destes princípios, cria um paralogismo ou quiçá, uma falácia, pela utilização de premissas falsas, as quais distorcem, mitigam a verdade real. Visto que, os princípios (causa) já eram preexistentes quando surgiu a legislação (efeito).

 

REFERÊNCIAS

______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

______. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.

______. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

HOOG, Wilson. A. Zappa. Laboratório de Perícia Forense-Arbitral.  Curitiba: Juruá, 2017.

 

[1] Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: www.zappahoog.com.br. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 .

[2]   Aplica-se o art. 475 do CPC, quando o exame requer mais de um tipo de especialização pericial. Art. 475.  Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico.”

[3]   DOCUMENTOSCOPIA – perícia que analisa todo tipo de documento, com o objetivo de certificar a sua autenticidade ou não, além de identificar os possíveis tipos de alterações ocorridas no documento original. Para fins de documentoscopia, documento é toda forma de registro de atos ou fatos patrimoniais.

[4]  EXAME GRAFOTÉCNICO – perícia que analisa todo tipo de documento, com o objetivo de determinar a autenticidade e autoria da escrita, logo, certificar a autenticidade ou não, de uma escrita. O exame feito pelo grafotécnico, de uma escrita ou assinatura, tem por objetivo verificar se as amostras fornecidas comparadas com a amostra-padrão, são convergentes ou não

[5]   EXAME PERICIAL CONTÁBIL – é o ato realizado pelo perito contador, em seu laboratório de perícia forense-arbitral em relação aos documentos que compõem a instrução probatória do pedido ou da contestação, e consiste na avaliação das provas, com base nos conhecimentos da ciência da contabilidade e em técnicas contabilísticas, para responder aos quesitos.

[6]   Art. 407.  Na apuração do resultado de contratos, com prazo de execução superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço pré-determinado, de bens ou serviços a serem produzidos, serão computados em cada período de apuração I – o custo de construção ou de produção dos bens ou serviços incorridos durante o período de apuração; II – parte do preço total da empreitada, ou dos bens ou serviços a serem fornecidos, determinada mediante aplicação, sobre esse preço total, da percentagem do contrato ou da produção executada no período de apuração.§ 1º  A percentagem do contrato ou da produção executada durante o período de apuração poderá ser determinada: I – com base na relação entre os custos incorridos no período de apuração e o custo total estimado da execução da empreitada ou da produção; ou II – com base em laudo técnico de profissional habilitado, segundo a natureza da empreitada ou dos bens ou serviços, que certifique a percentagem executada em função do progresso físico da empreitada ou produção.

[7] HOOG, Wilson. A. Zappa. Laboratório de Perícia Forense-Arbitral. Curitiba: Juruá, 2017.

 

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