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Aquisição e perda da personalidade jurídica

A personalidade é a qualidade inerente à pessoa, é a condição de pessoa, ou seja, é uma situação jurídica subjetiva, uma qualidade reconhecida pelo direito ao ser humano e a certas organizações humanas.

23/08/2012 11:03:31

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Aquisição e perda da personalidade jurídica

Em nosso ordenamento jurídico, existe a pessoa natural (pessoa física) e a pessoa jurídica. 

A personalidade é a qualidade inerente à pessoa, é a condição de pessoa, ou seja, é uma situação jurídica subjetiva, uma qualidade reconhecida pelo direito ao ser humano (pessoa física ou natural) e a certas organizações humanas, tais como a sociedade, as organizações, as fundações e entidades políticas.[1]

A pessoa jurídica é uma ficção do direito, ficção esta para representar um grupo de pessoas (físicas, físicas e jurídicas ou jurídicas) que se reúnem para exercício de determinada atividade econômica ou somente com interesso social.

 

 DA AQUISIÇÃ DA PERSONALIDADE JURÍDICA

O Código Civil de 2002, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, trouxe diversas e significativas alterações, principalmente no tocante ao Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de Junho de 1850, que foi quase todo revogado, ficando tão somente a parte de comércio marítimo, artigos 457 a 913, e os demais institutos regidos pelo atual e moderno Código Civil.

 Quanto à aquisição da personalidade jurídica, o Código Civil nos traz a seguinte prescrição:

Quanto à Pessoa Natural ou Pessoa Física

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida.

Quanto à Pessoa Jurídica

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.[2]

Pela simples leitura dos enunciados, conclui-se que a pessoa física adquire a personalidade com o nascimento com vida e a pessoa jurídica com o registro de seus atos constitutivos no respectivo órgão competente. 

Costa Machado nos presta a seguinte interpretação ao art. 45 do CC:

A existência legal das pessoas jurídicas, para todos os efeitos legais, para o gozo de direito, para ser autora e ré em ações judiciais, começa com a inscrição do ato constitutivo no registro. Para alguns casos previstos em lei, há, ainda, necessidade de autorização ou aprovação do Poder executivo, por exemplo quando ligados a bancos, seguros, consórcios, montepios, caixas econômicas.[3]

Ainda contribuindo com esta lição, Luiz Guilherme Loureiro, leciona:

Com efeito, a existência legal da pessoa jurídica de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedido quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder executivo (art. 4, CC). Com a inscrição do Ato constitutivo, a sociedade adquire personalidade e, portanto, pode exercer direitos e contrair obrigações.[4]

Paulo Roberto Colombo Arnoldi ao interpretar o art. 985 do CC leciona:

A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, na forme de lei do seu contrato social, ou estatuto, no Registro Público de Empresas Mercantis de sua sede, a cargo da Junta Comercial do Estado. Deferida essa inscrição, a sociedade passa a ter a qualificação de sujeito de direito e de obrigações, com a existência diversa da de seus sócios membros (sócios). Sua personificação gera os seguintes efeitos: cardeais: autonomia patrimonial, (distinta de seus sócios) titularidade negocial jurídica, e capacidade própria de estar em juízo, ou seja, capacidade patrimonial, negocial e processual.[5]

Nas lições Waldo Fazzio Júnior, a pessoa jurídica e sua personalidade resulta de uma ficção, vejamos:

Pessoa jurídica é pessoa só no universo jurídico. Resulta de uma ficção pragmática necessária que atribui personalidade e regime jurídico próprio a entes coletivos, tendo em vista a persecução de determinados fins.

A existência das pessoas jurídicas de direito privado deflui da inscrição de seus atos constitutivos no registro peculiar (CC de 1916, art. 18/ CC 2002, arts. 45 e 985).

Por conseguinte, quer seja contratual, quer seja institucional, a personalidade jurídica da sociedade empresária começa com o registro, cujos efeitos retroagem à data do ato constitutivo. Em outras palavras, somente com o arquivamento de seu ato constitutivo (contrato ou estatuto, conforme o caso) no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (Junta Comercial), a sociedade empresária adquire personalidade jurídica, quer dizer, o direito ser, positivamente, no mundo jurídico.[6]

Ainda contribuindo, Luiz Guilherme Loureiro, assenta a seguinte lição:

Como consequência da personalidade jurídica da sociedade, temos os seguintes resultados:

  • a entidade tem vontade própria, capacidade de querer, embora sua vontade seja manifestada por intermédio de quem legalmente a represente;
  • o seu patrimônio é próprio e independente daquele dos associados e constitui a garantia dos credores;
  • os bens particulares dos sócios ou associados, consequentemente não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais, salvo quando o sócio prestou alguma garantia ao respectivo pagamento (v.g., figura como avalista ou fiador da pessoa jurídica). É a chamada responsabilidade subsidiária;
  • a entidade exercita a atividade para a qual foi constituída sob um nome social que lhe é próprio, tendo um domicílio seu, embora possa manter filiais ou sucursais;
  • pode fazer parte de outra sociedade ou associação, como sócia, mesmo coma função de administrador ou gerente, nos termos da lei;
  • os débitos e créditos dos sócios são independentes e não se confundem com os da sociedade, razão pela qual não se admite que nem os sócios nem a sociedade, possam opor compensação perante terceiros.[7]

 

DO REGISTRO IRREGULAR

Em virtude da atividade desenvolvida junto às empresas de contabilidade e auditoria ou mesmo em departamentos internos, o Dr. Natal Moro Frigi já deparou-se e ainda depara-se com situações em que empresas que deveriam estar registradas no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas e no entanto estão registradas na Junta Comercial.

Em muitos casos destes registros equivocados, dar-se pelo custo cobrado pela Junta comercial e o valor cobrado pelo cartório. No Distrito Federal por exemplo, o custa para arquivamento dos atos constitutivos cobrado pela junta comercial é de R$ 55,00 enquanto que o registro em no cartório é em torno de R$ 375,00.

Com ressalva ao parágrafo único do art. 45 do CC, a empresa que deveria ser registrada no cartório e foi registrada na junta comercial, não esta devidamente constituída, ou melhor dizendo, não adquiriu a personalidade jurídica, não beneficiando-se da previsão do art. 985 do CC.

Vamos agora nos colocarmos na seguinte situação: empresa prestadora de serviços de engenharia, registra-se na junta comercial, do Estado em que possui sede. Após o registro, participa de processo licitatório para prestação de serviços de engenharia e sai vencedora, entretanto o segundo colocado argumenta que a vencedora não possui prerrogativas de contrair direitos e obrigações, tendo em vista o seu irregular registro.

No caso hipotético, o segundo colocado esta amparado na norma de que o primeiro colocado não possui personalidade jurídica para contrair direitos e obrigações. Neste caso, não estamos a falar de perda de personalidade jurídica, pois o que ocorrera é a não aquisição da personalidade. Restando desta forma a desclassificação do primeiro colocado, causando prejuízo para o mesmo, decorrente de um simples registro irregular.

 

DA PERDA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Adquirida a personalidade, esta prerrogativa não é perpétua. A pessoa jurídica deve sempre estar condizente com os diplomas legais e estatutários para que não haja a sua perda.

 O CDC – Código de defesa do consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, prevê a desconsideração da personalidade jurídica, quando a empresa age em desconformidade com seu estatuto. Vejamos o art. 28:

  Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

        § 1° (Vetado).

        § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

        § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

        § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

        § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O legislador com esta previsão trouxe maior proteção dos direito do consumidor. Leonardo de Medeiros Garcia leciona:

O CDC foi o primeiro dispositivo legal a se referir à desconsideração da personalidade jurídica. Posteriormente, foi inserida em outras leis: art. 18 da Lei nº 8.884/1994 (Lei do CADE); art. 4º da Lei  9.605 de 12.02.98 (dispõe sobre as sanções derivadas de danos ao meio ambiente) e art. 50 do Novo Código Civil.

O CDC, ao acolher a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) teve o intuito propiciar a máxima proteção ao consumidor, estipulando de forma expressa e ampla a possibilidade de a pessoa jurídica ser desconsiderada no caso concreto, afetando assim o patrimônio dos sócios. Importa salientar que o instituto da desconsideração será episódico, casual, ou seja; somente ocorrerá no caso concreto e ser avaliado pelo juiz.[8]

Posteriormente ao enunciado pelo CDC, o Código Civil de 2002, em seu art. 50, trouxe a previsão da desconstituição da personalidade jurídica.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.[9]

Em interpretação ao art. 50 do Código Civil, Silmara J. Chinellato nos presta a seguinte lição:

A desconsideração da personalidade jurídica não é novidade no Direito brasileiro, pois já fora agasalhada nas seguintes leis: art. 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho; art. 135, III, do Código Tributário Nacional; art. 10 do Decreto nº 3.708/19 (Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada); art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Mais recentemente também o foi na Lei Antitruste (Lei nº 8.884/94) e na Lei do Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98). A origem histórica e os fundamentos de tal prática encontra-se no ensaio pioneiro de (1969) de Rubens Requião in RT 410/12-24.

A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, quando declarada pelo juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público, é casuística e temporária. Não importa a extinção da pessoa jurídica, com o previsto no Projeto do Código Civil. Quando decretada, terá efeitos apenas ao caso concreto, no qual os efeitos patrimoniais atingirão os bens particulares dos administradores ou sócios. A extinção compulsória e definitiva da pessoa jurídica se dá por meio de despersonalização, por via judicial.[10]

Em resumo, a desconstituição da personalidade jurídica dar-se-á em conformidade com a previsão dos artigos 28 do Código de defesa do Consumidor e 50 do Código Civil. Ressalta-se que a perada da personalidade é aplicada ao caso concreto.

No exemplo mencionado, a pessoa jurídica registrada em órgão que não é o correto, a mesma não chegou a adquirir a personalidade, e com por este motivo não tem a prerrogativa de firmar compromissos (direitos e obrigações) e seus constituidores e administradores respondem como pessoas físicas.

É de bom alvitre, que as empresas que foram registradas nas Juntas Comercias, sejam transferidos seus registros paras os Cartórios de Registros de Pessoas Jurídicas, para não correrem riscos de serem excluídas de processos licitatórios e ou responsabilização de sócios e ou administradores e consequentemente seus patrimônios.   

    
Críticas, sugestões e elogios serão bem vindas: [email protected]

 


[1] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 95.

[2] BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro.

[3] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 46.

[4] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 153.

[5] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 696.

[6] JÚNIOR, W. F. (2006). Manual de Direito Comercial (7ª ed.). São Paulo.: Atlas. p.163.

[7] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 155.

[8] GARCIA, L. d. (2008). Dirieto do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência (4ª ed.). Niterói - RJ: Impetus. p. 179.

[9] BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro.

[10] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 50.

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