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Tiros no peito

Preparem-se: 2014 apenas começou, mas a nossa presidente já disse a que veio. Atacando os números ruins da economia com a espada da guerra psicológica, ela vai antecipando o debate e se posicionando na defensiva.

08/01/2014 07:02:40

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Tiros no peito

Para um governo que, sempre que possível, faz questão de alardear boas notícias, em geral acompanhadas do bordão "nunca antes neste país", a leitura das manchetes recentes dos jornais deve estar provocando urticárias, azias e outras doenças associadas ao desgosto.

As vendas no Natal foram as piores em treze anos. Ou seja, retornamos ao ano de 2003, quando a economia brasileira ainda tentava se reorganizar do vendaval de 2002 – muito dele provocado pelo medo que uma gestão petista despertava nos mercados.

Em outras palavras, a conta do modelo de crescimento baseado no estímulo ao consumo enfim chegou. Com crédito contido, inflação em alta e famílias sobreendividadas, não se poderia esperar outro resultado, com o consumidor menos voltado para as compras e mais cuidadoso para não se tornar inadimplente, valendo-se do décimo terceiro salário para reduzir suas dívidas ou, mesmo, para garantir dias melhores no futuro, poupando o salário extra.

Na mesma sintonia, a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) deu sua contribuição para as estatísticas ruins de 2013, com seu índice de ações regredindo mais de 15 pontos percentuais no ano que mal terminou. Como comparação, veja-se que no mesmo período a Bolsa de Nova York subiu mais de 25%, e o mercado de ações japonês cresceu 55%, sendo destaque mundial.

O fim de ano foi, infelizmente, pródigo em más notícias, especialmente para a combalida classe média, que recebeu dois tiros no peito. O primeiro deles foi a correção da tabela de desconto do imposto de renda em 4,5%, abaixoda inflação. Isso significa que os assalariados estarão deixando, na fonte, mais impostos retidos.

O segundo tiro no coração da classe média atinge o recém conquistado sonho das viagens internacionais: os cartões de débito também pagarão IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 6,38%, equiparando a situação àquela já enfrentada por aqueles que usam o cartão de crédito para pagar suas despesas no exterior. Estima-se em mais de trezentos milhões de reais, a arrecadação extra em razão da mudança da alíquota do IOF, que também atingirá quem faz saques em moeda estrangeira no exterior.

A fúria arrecadatória tem motivo: é necessário recuperar a credibilidade perdida junto ao mercado, e quem pagará essa conta seremos todos nós. Um estudo dos economistas José Roberto R. Afonso e Érica Diniz, do Instituto Brasileiro de Economia (Fundação Getúlio Vargas), sobre quanto o governo gastará, em 2014, com desonerações fiscais e subsídios, chegou ao impressionanteresultado de mais de trezentos bilhões de reais.

Essa rubrica, que deixa a cargo do governo a escolha de quais setores da economia serão beneficiados e que acabam gerando mais distorção, é, sozinha, superior aos gastos com Educação e Saúde, os quais, somados,atingirãopouco menos de duzentos bilhões de reais em 2014.

O impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, por seu lado,atingiu a cifra recorde de R$ 1.700.000.000.000,00 – um trilhão e setecentos bilhões de reais no ano passado, cerca de duzentos bilhões de reais mais que no ano anterior. Pois bem, mesmo com toda essa dinheirama arrecadada na forma de impostos, o governo não foi capaz de produzir credibilidade, a moeda que mais nos falta no momento!

O superávit primário(economia antes do pagamento dos juros da dívida) que já foi fixado em 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto), teve suas regras alteradas para expurgar os investimentos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Depois, foi reduzido para 2,3%, mas também não conseguimos atingir esta nova meta, sendo necessária uma lei para retirar, do governo federal, a obrigação de cobrir eventual descumprimento das metas de superavit, por parte dos estados e municípios. Ou seja, a meta deixou de ser de todos e passou a ser somente da União.

A cada momento em que se mostra impossível o cumprimento da meta, mudam-se as regras do jogo. E assim, de mudança em mudança, nossa credibilidade dança, com perdão da fraca rima...

Como forma de tentar acalmar os "nervosinhos" do mercado, nossa maior autoridade econômica antecipou a divulgação do resultado primário do governo federal em 2013. Alcançamos cerca de setenta e cinco bilhões de reais, o que deve significar algo em torno de 1,5% do PIB. Na prática, o valor divulgado é incapaz de cobrir o gasto com os juros da dívida nacional.

Curioso é que quem tentava "acalmar os nervosinhos" não conseguia, contudo, disfarçar seu próprio nervosismo, incomodado por perguntas da imprensa acerca das condições pelas quais o superávit foi alcançado. É que este só foi obtido com receitas extraordinárias, do tipo once-for-all, ou seja, não vão se repetir no futuro.

Assim, se descontarmos os valores obtidos com a venda do Campo de Libra, no pré-sal, e os recursos recebidos por conta do Refis, programa de arrecadação de créditos atrasados, o superávit despencaria quase à metade, ou algo em torno de 0,7% do PIB. Haja fragilidade! Haja tensão!

As contas externas também se mostraram frágeis: a balança comercial brasileira fechou no azul, por conta da "contabilidade criativa, que "exportou" plataformas de petróleo ao longo do ano. O saldo da balança, pouco superior a 2,5 bilhões de dólares, é o pior resultado dos últimos 13 anos, além de ser 86% inferior ao jámaquiado número de 2012.

Todos esses indicadores, somados a vários outros, reforçam a ideia de que está por um fio o rebaixamento das notas do País pelas agências de classificação de risco. Como austeridade não combina com o calendário eleitoral, é de se esperar que para compensar a gastança patrocinada pelas eleições, de novo a conta caia sobre nós, mortais contribuintes. Isso explica a correção a menor da tabela do Imposto de Renda, por exemplo.

O governo deve anunciar, nos próximos dias, a taxa de crescimento do PIB. O número, em si, pouco importará, pois estimativas já anteciparam um resultado bem modesto. Também será informada, em breve, a taxa de inflação do ano passado. Assim como os números do PIB, sua importância será relativa, porque o represamento dos preços controlados maquiará a inflação real.

Preparem-se: 2014 apenas começou, mas a nossa presidente já disse a que veio. Atacando os números ruins da economia com a espada da guerra psicológica, ela vai antecipando o debate e se posicionando na defensiva, ato típico de quem não quer correr riscos maiores, às vésperas de um decisivo embate eleitoral.

Fonte: Diário do Comércio – SP

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