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Brasil escolheu crescer pouco, diz Samuel Pessôa

Para o economista Samuel Pessôa, o próximo mandato presidencial terá um grande desafio: negociar com uma sociedade cada vez mais exigente uma forma de conter a inércia dos gastos públicos.

11/06/2014 09:53

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Brasil escolheu crescer pouco, diz Samuel Pessôa

Para economista da FGV e assessor de Aécio, política atual come um ponto percentual de crescimento por ano, mas a inércia dos gastos é difícil de ser contida

Para o economista Samuel Pessôa, o próximo mandato presidencial terá um grande desafio: negociar com uma sociedade cada vez mais exigente uma forma de conter a inércia dos gastos públicos.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e assessor de Aécio Neves, ele acredita que o país está chegando em um limite que se não for enfrentado, vai levar para inflação ou crise externa (ou os dois).

Em entrevista para EXAME.com, Pessôa apontou erros da política econômica atual e explicou por que é contra a desoneração permanente da folha da indústria (apoiada por seu candidato). Veja a seguir:

EXAME.com – Passamos de uma média decrescimento de 4% para 2%. A presidente diz que não sabe porque a economia anda tão lenta. Algum palpite?

Samuel Pessôa – Quebro esta perda de 2 pontos percentuais em 3 fatias: desaceleração da economia internacional (meio ponto), esgotamento do mercado de trabalho (meio ponto) e perda de eficiência em função da alteração de política econômica a partir de 2009 (um ponto).

EXAME.com – Qual é o fator mais importante dessa mudança de política?

Pessôa – É uma longa lista. Um é o aumento do papel do estado na alocação de investimento e no direcionamento do crescimento. O segundo é a piora dos fundamentos macroeconômicos. O terceiro, associado com esses, é um enorme aumento da discricionariedade – que sempre existe em algum nível, mas esse governo abusou.

O governo deixou de perseguir a meta de inflação e qualquer valor abaixo do teto virou aceitável. Houve uma redução forte e prematura do superávit primário. Houve uma perda de transparência nas contas públicas, com contabilidade criativa, mudança na forma com que os subsídios são computados e uso frequente de receitas não recorrentes.

Em resumo, uma piora quantitativa e qualitativa na política fiscal . Na política cambial, intervenções frequentes: não tem regra para acumular ou usar reserva, pra colocar ou tirar IOF, etc. Houve também um excesso de microgerenciamento sem muita racionalidade. Essadesoneração permanente da folha de salários, por exemplo, é ruim para o país.

EXAME.com – Por que?

Pessôa – Desonerar, em princípio, é bom. Mas a carga tributária brasileira não é excessiva: temos juros altos, superávit baixo, dívida pública que vai voltar a subir… não há espaço fiscal. E desoneração sem espaço gera problema, porque o mercado vê que isso vai fazer a dívida crescer numa bola de neve e começa a precificar risco-país.

Além disso, a forma de financiamento da Previdência deve ser nítida e clara. Você tem a receita que vem, como em qualquer lugar do mundo, de uma contribuição da folha dos trabalhadores ativos que financia os benefícios dos inativos. Quando você tira isso da folha e coloca em impostos gerais, esse vínculo é quebrado.

Além disso, trocou por imposto sobre faturamento, quando o país já caminhava para eliminar impostos em cascata. E não faz sentido estimular a demanda por trabalho em um momento de pleno emprego. Além de ser uma política discricionária e de alto custo: 0,5% do PIB.

EXAME.com – Há uma perda de controle fiscal, mas também demandas sociais crescentes. A sensação da sociedade é que a carga tributária é elevada e deveria ser capaz de sustentar um serviço público de qualidade. Como juntar as duas pontas?

Pessôa – Essa é a questão do próximo mandato. Quem assumir terá que negociar, caso a caso e com muita clareza, com a sociedade e o Congresso, mostrando as restrições. Mas vai ter que segurar gasto onde der, e vai machucar, e vai ter que controlar salário de funcionário público.

Essa conta está no limite de fechar e há uma tendência vegetativa de crescimento do gasto em uma velocidade maior do que o crescimento do PIB. E isso gera inflação, ou crise externa, ou os dois. O déficit externo em conta corrente já está em 4% do PIB.

EXAME.com – A inflação bate em 6,5% mesmo com juros de 11%. Enquanto isso, Aécio dizque dá pra reduzir o teto para 5,5% e Campos diz que em alguns anos poderíamos ter 3% de meta. Essas propostas são realistas? Não exigiriam um ajuste duro demais?

Pessôa – A gente estava a caminho disso. Até 2008, os juros estavam caindo e a inflação estava na meta. Mas em 2009, Mantega e sua equipe viram uma oportunidade de mudar a política econômica, e aí entra a questão ideológica que qual livro de economia você estudou.

Mantega estudou o livro que não foi aquele que a maior parte dos economistas estudaram, um meio estranho. E implementou as medidas que aquele livro dizia. Em 2009, algumas deram certo nas circunstâncias de uma crise profunda, mas repetir o diagnóstico nos próximos anos gerou uma serie de desequilíbrios. Não foi uma alteração que o povo pediu, foi essencialmente por motivos ideológicos.

EXAME.com – Na indústria, por exemplo: devemos temer a desindustrialização? Precisamos de política industrial?

Pessôa –  Há uma tendência internacional de redução da indústria no PIB em função do progresso tecnológico, que faz com que o preço dos bens industriais caia relativamente. No Brasil, temos outro problema: quem poupa pouco, tem menos indústria, porque quem consome muito, demanda muito serviço. A sociedade, estruturalmente, escolheu ter pouca indústria. Temos que reconhecer esse limite.

Política de desenvolvimento sempre precisa, mas a atual é desastrosa. Precisamos de muito menos. O BNDES empresta para setores tradicionais bem estabelecidos que poderiam se financiar no mercado privado. A nossa indústria automobilística recebe subsídios pesados há 60 anos! Não faz sentido, é inacreditável.

Toda política de subsídio público tem que ter objetivo, prazo, critérios para avaliação e regra de saída. Tudo que esse governo não faz e a Coreia do Sul fez muito bem, porque obedeceu a esses princípios.

EXAME.com – Sobre o salário mínimo: a produtividade não acompanhou a alta real, mas é uma política popular com efeitos claros sobre a redução da pobreza e da desigualdade. Como conciliar?

Pessôa –  O salário mínimo afeta o mercado de trabalho, mas o desemprego está baixo: não está causando problema aí. Mas ele indexa boa parte dos benefícios previdenciários e sociais – ou seja, tem impacto benéfico sobre a sociedade mas piora as contas públicas.

Costumo dizer que a sociedade brasileira tem escolhido crescer pouco. Não precisa ser para sempre, e há oscilações por causa da política econômica, mas o contrato social que a gente tem hoje requer o aumento do gasto numa velocidade maior que o PIB, e portanto um aumento da carga tributária, como ocorreu nos últimos 20 anos. Não estou falando nenhuma novidade.

Estamos no limite, mas minha impressão da conversa eleitoral é que a sociedade ainda vê por bem o aumento dos gastos. É preciso uma agenda de gestão, o que soa indolor mas não é. Ajusta critério de seguro-desemprego ou o que for: muita gente vai ficar de fora e vai ficar brava. Vamos precisar de alguém com muita qualidade política, ou vamos pra uma espiral inflacionária, como já vimos muitas vezes.

EXAME.com – Os grandes eventos esportivos foram vendidos como estímulo econômico, mas o país deve crescer só 1,5% em pleno ano da Copa. O que deu errado?

Pessôa – Sempre achei as projeções irrealistas. O Lula acertou muito, mas no fim começou a errar, e esse é um exemplo. Não é que o Brasil não pode, tanto pode que está fazendo, e acho que vai dar tudo certo. Mas foi muito caro e você destinou para alguns fins recursos que tinham outras prioridades. Não era o momento. Mas torço dia e noite para o Brasil ganhar a Copa.

Fonte: Exame

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