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As exportações e o cipoal tributário

A boa gestão tributária indica que modificações na incidência de tributos não deve ocorrer a esmo

18/09/2014 08:51

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As exportações e o cipoal tributário

O governo acaba de anunciar novos incentivos à indústria, faltando apenas dezessete dias para a primeira rodada da eleição presidencial. Assim, a medida foi interpretada como a derradeira tentativa de tornar a senhora presidente Dilma Rousseff mais confiável aos empresários. Muitas medidas já foram tomadas anteriormente com o mesmo propósito. O que surpreende no caso das novas é que se procura afetar as expectativas dos dirigentes de mais de seis milhões de estabelecimentos com uma "bondade" que, potencialmente, beneficiaria apenas 18 mil deles, os que exportam.

As novas medidas ou serão inócuas, do ponto de vista dos objetivos almejados, ou, o que é mais correto dizer, tentam corrigir parcialmente erros anteriores cometidos pelo próprio governo. No centro delas está a redução do imposto de renda aplicado sobre o lucro auferido pelas empresas nacionais, obtidos em suas vendas para o exterior. A alíquota do imposto, anteriormente de 5%, cai agora para 3%.

Não é uma medida errada. As mercadorias exportadas sofrem a incidência de um "tributo" mais perverso, o Custo Brasil. Esse tipo de gravame tem diversas dimensões. Uma delas é o aumento de custos decorrente da infraestrutura, carcomida por anos de abandono. Cada empresa é atingida de forma diferente, mas nenhuma dela escapa. Outra dimensão é o conjunto de tributos que incidem sobre as diversas etapas do processo produtivo dos bens exportados e que não são rebatidos na exportação.

Com relação a esses últimos impostos, o governo anunciou que estará alterando o programa Reintegra, para reduzir a penalização dos produtos enviados ao exterior.

O programa consiste justamente de uma forma de devolver uma pequena parcela da carga tributária cumulativa que remanesce na exportação. Anteriormente, era devido pelo governo ao exportador um percentual do valor exportado como compensação pela perda de competitividade do produto. Esse percentual variava de 0% a 3%, dependendo da estimativa feita pelo próprio governo do percentual de valorização do câmbio. Agora, o percentual torna-se fixo e equivale a 3% do valor exportado.

Se o leitor acha complicada a justificativa para a devolução, está coberto de razão. As dificuldades são várias. Primeiro, porque fica-se com a impressão de que o câmbio está e estará sempre valorizado em 3%. É difícil imaginar que isso ocorra. De fato, o que valoriza o câmbio, com percentuais variados, é a atuação do Banco Central no mercado de divisas.

Faz já algum tempo que o BC vem atuando nesse mercado para reduzir a flutuação da taxa cambial. Ao fazê-lo, impediu que o real se desvalorizasse e com isso reduziu a rentabilidade das exportações. Segundo, porque ao justificar a introdução de um subsídio compensatório da valorização do câmbio, corteja o risco de uma reclamação na Organização Mundial do Comércio (OMC), interposta por qualquer país-membro da organização que se signa prejudicado pela medida.

Pelas regras da OMC, os 3% poderiam ser considerados um subsídio às exportações e, portanto, contrário às suas regras de "comércio leal" ("fair trade"). Se isso vier a ocorrer, o país que se provasse prejudicado poderia solicitar penalidades contra o Brasil.

Além disso, abre-se um novo vazadouro nas contas fiscais. O governo, nos últimos quatro anos, criou e ampliou toda a sorte de programas de incentivo aos "campeões nacionais" com base em reduções e isenções tributárias aos setores beneficiados. Essas manobras reduziram a arrecadação líquida dos tributos e acabarão por exigir aumento da carga tributária para compensar seus efeitos colaterais.

É desanimador que o governo venha agora, a pouco mais de duas semanas da eleição, criar um factoide de incentivo tributário. Se o objetivo é apenas eleitoral, não convencerá ninguém e tirará pouco proveito do que anunciou.

A boa gestão tributária indica que modificações na incidência de tributos não deve ocorrer a esmo, de forma seletiva e fora de um programa completo de alteração no quadro dos impostos. Mudanças caso a caso criam incertezas e têm efeitos distributivos entre os contribuintes, muitas vezes difíceis de quantificar pelo próprio governo que as introduziu. É certo que a penalização da atividade exportadora já vinha há muito demandando do governo medidas corretivas. Mas a solução encontrada não é satisfatória.

Para compensar a valorização do câmbio o meio mais eficaz é retirar do Banco Central sua atuação diária do mercado de divisas. Isso porque temos um regime de câmbio flutuante, em que intervenções do BC somente se justificam diante de oscilações graves e imprevistas. A microgestão que vem sendo praticada teve como consequências apenas a valorização cambial e a penalização dos exportadores.

Tributar o lucro auferido nas vendas ao mercado externo é contrário a décadas de política econômica voltada para propiciar aos exportadores brasileiros condições de igualdade competitiva com exportadores estrangeiros. Pretende-se corrigir o erro de origem dessa tributação, mas a fórmula encontrada é insatisfatória.

O resumo da ópera é simples: a política econômica na área do comércio deixa a desejar, como ocorre também em outras da atividade empresarial. Os remendos agora propostos para corrigir erros passados não atingirão os objetivos desejados de recuperar a boa imagem da candidatura presidencial no meio empresarial. De quebra, tornam ainda mais confuso o cipoal tributário com que convivemos.

Vai ser difícil ao novo governo que tomar posse em janeiro do próximo ano desatar os nós criados pelo casuísmo da política econômica recente. Esse cipoal é parte da herança que a nova administração receberá e a ela caberá fazer voltar a racionalidade ao nosso sistema tributário.

Por Roberto Fendt

Fonte: Diário do Comércio - SP

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