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Empreendedor individual: bom e simples, mas...

Lei de Microempreendedor Individual (MEI) tira 4,6 milhões da informalidade e dá acesso a direitos. Confira se opção atende sua atividade, saiba planejar a aposentadoria e cuidado com a “pejotização”

09/02/2015 08:13:40

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Empreendedor individual: bom e simples, mas...

Empreendedor individual: bom e simples, mas...

Com a lei que instituiu em 2009 a figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI) , o Brasil terminou 2014 com cerca de 4,6 milhões de trabalhadores autônomos que ingressaram na formalidade nestes cinco anos. Essas pessoas passaram a ser reconhecidas como pessoa jurídica, a pagar impostos em dia, a ter direitos previdenciários e, ao poder emitir nota fiscal – cada vez mais exigida por contratantes de serviços privados e do setor público –, abrem novas perspectivas de trabalho. A carga tributária é reduzida, e o prestador pode ainda ter acesso a bancarização e crédito.

Segundo a mais recente pesquisa do Sebrae sobre o perfil dos microempreendedores individuais, cerca de 88 mil pessoas em média aderem ao sistema por mês no país. “O nível de formalização obtido é excelente, essas pessoas estavam à margem da economia e se tornaram reconhecidas, podem oferecer nota fiscal e têm acesso a direitos”, avalia o economista Marcio Pochmann, colunista da Rede Brasil Atual. “As políticas de Estado para as empresas tradicionalmente focaram em organizações médias e grandes. É, portanto, recente esse foco em pequenas empresas e empresas individuais.”

Nos anos 1990, as políticas liberais ampliaram a precariedade das relações e das condições de trabalho. A terceirização, o subemprego e o desemprego foram as principais marcas desse período. Muitas pessoas eram contratadas à margem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ; outras, com poucas oportunidades de trabalho decente, com direitos respeitados e proteção social, optaram por investir no trabalho “por conta”. O Brasil entrou no século 21 com taxas de desemprego próximas dos 20% da população economicamente ativa nas regiões metropolitanas pesquisadas pelo Dieese e pela Fundação Seade, e com 60% de sua população ocupada na informalidade – portanto, sem nenhuma proteção social. “O segmento dos pequenos empreendedores, que constitui a maior parte do sistema produtivo, estava à margem da economia e do Estado”, lembra Pochmann.

De acordo com o Sebrae, os níveis de satisfação com a condição de MEI chegam a 94%, e 84% dos empreendedores mantêm expectativa de crescer nos negócios e superar o teto de faturamento do MEI, que é de R$ 60 mil por ano. “Vale a pena”, afirma a técnica de prevenção contra incêndio Cíntia Fel, que atua em Viamão (RS), município da região metropolitana de Porto Alegre. “Não tenho reclamação. Só vejo vantagem”, avalia José Edvaldo de Oliveira Costa, dono de um salão de beleza masculino em Juazeirinho, interior da Paraíba.

Pesquisa do IBGE mostra que o emprego formal atingiu o maior nível em dez anos, alcançando 58% da população ocupada, estimada em 95,4 milhões de pessoas, enquanto a quantidade de informais, ainda alta (40 milhões), caiu 10,1% (4,5 milhões a menos). Segundo o consultor Júlio César Durante, do Sebrae-SP, o número de adesões ao sistema torna-se ainda mais expressivo frente a esse recuo. “O que temos formalizado é bem expressivo, é uma política de longo prazo. Trata-se de um instrumento de desenvolvimento para o país”, afirma Durante, observando que passos fundamentais para o sucesso da formalização foram a inclusão do conceito de pequena empresa no Código Civil, em 2002, e o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – Lei 9.841, de 1999.

Aprimoramento

Durante observa que esses aparatos jurídicos evoluíram para o MEI, e depois foi preciso pensar em garantir facilidade de adesão. “No início, em julho de 2009, foram seis meses de adaptação de municípios, estados e dos próprios empreendedores para que a Receita Federal pudesse implementar o sistema. Hoje, a formalização pode acontecer em 15 minutos”, afirma.

O sistema atualmente integra municípios, estados e União. “No estado de São Paulo, nos primeiros seis meses do MEI, de julho a dezembro de 2009, foram apenas 10 mil formalizações em um universo de 3,5 milhões de trabalhadores informais”, lembra. “O sistema era complexo e o candidato a MEI não tinha muito acesso a recursos de informática.” A partir de então, o cadastro passou a ser mais amigável. “No primeiro ano, chegamos a 270 mil formalizações no estado de São Paulo e registramos avanços com novas atividades e também a preocupação com a segurança”, diz o consultor.

Também surgiram formalizações fraudulentas e, por isso, passaram a ser exigidos documentos como título de eleitor e recibo do IRPF. Para tornar a adesão ao sistema atraente, o governo também tem divulgado que o candidato à formalização não necessita de assessoria contábil. Basta preencher o formulário no Portal do Empreendedor, que o sistema libera automaticamente o número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) – alguma intimidade com a era digital, portanto, é desejável.

“Legalmente, o MEI não precisa de assessoria contábil, mas algumas pessoas têm recorrido a esse apoio”, afirma o técnico em contabilidade Silva Leandro, de Viamão (RS). Segundo ele, o candidato dever ter segurança ao descrever as atividades a serem exercidas e também precisa saber digitar sem cometer erros. Se não escolher a atividade corretamente, corre o risco de prestar um serviço e depois emitir nota irregular. As atividades permitidas para o enquadramento como MEI podem ser consultadas no Portal do Empreendedor. No caso de vendedores ambulantes, é preciso também termo de permissão ou concessão da prefeitura local.

“Eu preciso de contador uma vez por ano para fazer a prestação de contas à Receita”, afirma José Edvaldo, de Juazeirinho, inscrito no MEI há quatro anos, com apoio do Sebrae de Campina Grande, a 88 quilômetros de sua cidade. Ele recebe em média 20 clientes por dia em seu salão aberto em 2009, e diz que aprendeu a profissão há 15 anos. “Nordestino tem de sobreviver à seca. Foram a dificuldade e a precisão que me fizeram aprender, foi tudo na prática.” Depois da formalização, Edvaldo tem investido continuamente em formação. “Em março, vou ao Rio e São Paulo fazer cursos de um mês para me aperfeiçoar. Fiz uma reforma no salão e ficou bem legal. Pretendo sempre melhorar.” Segundo ele, a cidade tem 11 cabeleireiros para 18 mil habitantes.

Questão de oportunidade

O empreendedor cultural Kleber Luís Gonçalves da Silva mantém um estúdio de gravação em Interlagos, zona sul de São Paulo, e diz ter conseguido obter o CNPJ sozinho. “Houve um período em que me enrolei. O primeiro ano foi mais difícil, eu nunca tinha feito nada parecido, como o IRPF, mas agora já virou rotina, não preciso de assessoria”, afirma. Kleber considerou a opção porque tinha em vista um contrato de trabalho curto e não valia a pena se comprometer via CLT.

“O MEI ajudou a viabilizar o investimento em um negócio próprio, um estúdio de música, que atende bandas interessadas em gravar. Mas a principal atividade são oficinas de música voltadas para jovens assistidos por ONGs sob determinação da Justiça”, conta. “Atualmente, tenho quatro oficinas no Capão Redondo (bairro no extremo sul paulistano). Levo o equipamento lá para ensinar produção e pré-produção. E no final vamos para o estúdio gravar. Tem funk, hip hop e, se não tem música, eles operam os equipamentos. Tudo se dá em função do estúdio. Eu sou contratado pelas ONGs, o trabalho passa por acompanhamento jurídico e fazemos a gestão das oficinas.”

No Rio Grande do Sul, a crescente demanda por regularização de edificações, em conformidade com as normas de segurança – depois do incêndio da boate Kiss, que em janeiro de 2013 matou 242 na cidade de Santa Maria – criou oportunidades para Cintia Fel. Em Viamão, ela aderiu ao sistema do MEI para formalizar sua atividade de consultoria em segurança. “Presto serviço para liberar alvará pelo Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI)”, afirma. “Se o cliente tem, por exemplo, um supermercado, precisa de alvará do Corpo de Bombeiros, projeto e certidão da prefeitura. A gente encaminha”, diz. “Meu marido tem uma empresa no ramo de segurança contra incêndio, mas não é MEI. A minha solução foi melhor do que ingressar na empresa do marido”, comenta. “Tenho os mesmos benefícios, mas pago imposto menor. Minha atividade envolve extintores, comércio, compra e revenda, o meu contador previu tudo isso. Tem várias atividades, e o MEI me dá cobertura.”

Em ramo completamente diferente, o educador social Gelson Salvador aderiu ao sistema há três anos. Ele desenvolve trabalhos de artes plásticas com foco em grafite e promove oficinas de arte em instituições públicas e privadas da zona sul de São Paulo. “O MEI tem vantagens sobre o recibo de pagamento autônomo (RPA). A tributação é bem menor”, avalia. “Sou formado em artes visuais e posso dar aula no sistema formal dentro de escolas. Meu trabalho com os adolescentes é voltado para o grafite.” O educador também cria projetos de estamparia e serigrafia: “Chegamos a criar uma marca e faço trabalhos comerciais com grafite. Eu pego briefing do cliente e desenvolvo a ideia comercial. Atuo também no Projeto Pixote, com oficinas voltadas para crianças e no Instituto Santa Lúcia, para adolescentes.”

Atenção para aposentadoria e ‘pejotização’

A figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI) é um tipo de enquadramento específico na lei do Simples, que atende pessoas com faturamento máximo de R$ 60 mil por ano. O sistema foi instituído pela Lei Complementar nº 128, de dezembro de 2008, prevendo isenção de impostos como IR, PIS, Cofins, IPI e CSLL.

O contribuinte recolhe valor fixo mensal correspondente a 5% do salário mínimo, a título de contribuição para o INSS, que no caso do valor vigente desde 1º de janeiro (R$ 788) corresponde a R$ 39,40, além de R$ 1 para ICMS e R$ 5 para ISS, dependendo do ramo de atividade. Se o MEI for exclusivamente voltado ao comércio, a contribuição mensal é de R$ 40,40; se envolver serviços, o pagamento é de R$ 44,40; e para quem atua com comércio e serviço, a contribuição é de R$ 45,40.

O interessado deve verificar se sua atividade está prevista nas regras do MEI. Desde 1º de janeiro, o governo ampliou as atividades que podem aderir, incluindo cuidadores de animais, diaristas, guarda-costas, instaladores e reparadores de cofres, trancas e travas de segurança, piscineiros, seguranças independentes, profissionais de transporte intermunicipal de passageiros sob frete em região metropolitana, de transporte intermunicipal e interestadual por navegação fluvial e vigilante independente.

O optante passa a ter acesso a direitos como auxílio-doença ou acidente que o impossibilitem de exercer temporariamente a atividade declarada em seu registro. Mas seu recolhimento mensal não conta como tempo de contribuição para efeito de aposentadoria (30 anos para mulheres com idade mínima de 48, e 35 anos para homens, com idade mínima de 53). Garante apenas aposentadoria por idade, do homem aos 65 anos e da mulher aos 60, com benefício no valor de um salário mínimo. Para que a opção conte como tempo de serviço, é preciso complementar a contribuição com 15% do salário mínimo, o que atualmente representa R$ 118,20 a mais.

Outro risco do sistema está relacionado à “pejotização” – quando o profissional presta serviço para uma empresa como pessoa jurídica, mas na prática tem vínculo empregatício. O MEI que é submetido a essa situação pode procurar a Justiça do Trabalho e requerer direitos como férias, 13º salário, Fundo de Garantia e outros previstos em acordo coletivo.

Segundo o juiz Renato Sabino, do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região (que abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista), existem muitos processos em consequência da “pejotização”, pedindo reconhecimento de vínculo empregatício. “Empresas que antes contratavam empregados com carteira assinada exigem que a pessoa crie uma ‘empresa’ para prestar o mesmo serviço que prestaria como contratada”, afirma. Para ele, a facilidade em se obter um CNPJ também pode facilitar esse tipo de fraude – comum sobretudo entre profissionais qualificados, como nas áreas de tecnologia, artes e comunicação. “O impacto que vejo é negativo no mundo do trabalho, porque as pessoas saíram de uma informalidade em algumas situações, mas em outras estão enquadradas indevidamente e a relação, ainda assim, é precarizada, com redução de direitos trabalhistas.”

Fonte: rede brasil atual

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