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Trabalhista

A falácia do sistema previdenciário deficitário

A falácia da previdência deficitária começa quando querem impor a falsa e esdrúxula comparação de que a arrecadação mensal das contribuições dos sistemas previdenciários é menor do que o total mensal de pagamentos das aposentadorias.

13/01/2017 08:42:12

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A falácia do sistema previdenciário deficitário

São três os regimes do sistema previdenciário brasileiro a saber: Regime Geral da Previdência Social (RGPS), disponível para todos os contribuintes do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) ; o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que atende aos servidores públicos, municipais, estaduais e federais; e o Regime de Previdência Complementar (RPC), também chamado de Previdência Privada, por meio do qual o cidadão poderá recolher uma parcela mensal de recursos ao longo do tempo, visando obter uma renda futura.


Em qualquer hipótese restante, ressalvados os casos e situações especiais, para se obter uma aposentadoria nos termos da legislação vigente é necessária a presença de dois fatores básicos: idade e tempo de contribuição. Nesta ótica, como diz o ditado popular, ‘cada caso é um caso’.


A falácia da previdência deficitária começa quando querem impor a falsa e esdrúxula comparação de que a arrecadação mensal das contribuições dos sistemas previdenciários é menor do que o total mensal de pagamentos das aposentadorias. A comparação não pode ser feita desta forma, visto que cada aposentado somente passa a receber seu ‘benefício’ após recolher por anos a fio sua respectiva ‘contribuição’. Logo, a comparação deve ser feita com o total de toda a arrecadação das ‘contribuições’ transferidas aos cofres do Governo ao longo dos anos, devidamente capitalizados e não com a arrecadação um único mês de ‘contribuições’. A comparação em relação a um mês de arrecadação previdenciária é, no mínimo falaciosa, esdrúxula e absurda sob qualquer ângulo de abordagem. Só os mais bobos não vêm.


A partir de sua criação, houve um tempo em que a Previdência era absolutamente superavitária. Pode ser que a falácia do déficit tenha tido seu início marcado pelo desvio dos recursos financeiros acontecido ainda na era Vargas. Veja OLIVEIRA, J. A. de A.; TEIXEIRA, S. M. (Im)previdência social: 60 anos de história da previdência noBrasil. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1989:

Desta maneira, dado o grande montante de recursos mobilizados e o tamanho de suas reservas investidas, a Previdência Social foi se transformando, aos poucos num dos mais importantes ‘sócios’ da União e das empresas semi-estatais que Vargas fez nascer. Em poucas palavras, a Previdência tornou-se um importante mecanismo de acumulação financeira em mãos do Estado, graças ao regime de capitalização. (Oliveira;Teixeiras .p.142).
[...]
Foi assim que, nos anos 30 e 40, recursos financeiros da Previdência foram aplicados na criação de empresas estatais ou mistas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Nacional de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Hidroelétrica do Vale do São Francisco, etc. Também nos anos 50 os recursos previdenciários foram utilizados na construção de Brasília e talvez, mais recentemente, nos anos 70, tenham sido usados na construção da Ponte Rio-Niterói e da Transamazônica, como comentam os jornais. (Idem, p. 280)sic.
No mesmo sentido também se manifesta BATICH, M. Previdência do trabalhador: uma trajetória inesperada. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.18, n. 3, p. 33-40, jul./set. 2004:

Os recursos previdenciários, que na primeira metade do século XX já haviam sido largamente utilizados em investimentos que favoreciam o empresariado industrial brasileiro, durante a ditadura também serviram para alimentar o ideal de construção de um "Brasil grande". Assim, a previdência financiou a construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica e usinas nucleares de Angra dos Reis. Estes empreendimentos, somados aos recursos da previdência que foram utilizados inclusive para a construção de Brasília, segundo cálculos da professora da UFMG, Eli Gurgel, equivaliam a 69,7% do PIB, em 1997 (UNAFISCO- -SINDICAL, 2003). E, como ocorreu com os recursos utilizados no início do século para propiciar a industrialização do país, o dinheiro utilizado nunca voltou para os cofres da previdência (Batich, 2004, p. 35).

Pois então aí está um possível prelúdio das ‘pedaladas’. Por quase um século os recursos da Previdência foram usados para fins diversos às suas finalidades e, ainda assim, por serem verdadeiramente superavitários, vieram resistindo bravamente aos ataques das aves de rapina que o vilipendiaram. Na realidade, o Estado, entenda-se Governo Federal, ao se apoderar das finanças do sistema previdenciário, tornou-se devedor dos trabalhadores que depositaram por anos a fio suas economias e confiança neste sistema. Ocorre que até aonde se tem notícia, os rombos praticados sempre foram de mão única, pois jamais tiveram retorno. Agora, além dos surripiadores de altos escalões dos três poderes, outros tentam lançar a pecha da culpa nos cidadãos brasileiros a partir de uma falácia absurda, sem eira e nem beira. Insistem que os cidadãos brasileiros são os que devem pagar a conta do chamado ‘rombo previdenciário’. Lamentável.

É possível demonstrar com toda clareza matemática que o sistema previdenciário, em tempo algum foi ou é deficitário. Ao contrário, é absolutamente superavitário. Segue, então, um breve ensaio hipotético onde se equacionam tempo de contribuição e percentuais incidentes sobre os salários usados para fins de aposentadoria. As conclusões são surpreendentes.


Exemplo 1 – Considere-se um salário de R$1 mil. Sobre ele o valor da ‘contribuição’ será de 8%, resultando em R$80. Admita-se agora a capitalização deste valor mensal a partir de juros compostos com uma taxa de 1,05% (Taxa Selic, a mesma usada pelo Governo Federal em suas operações financeira). Ao final de 30 anos este contribuinte seria proprietário de um capital de R$319.702,89 – isso mesmo. Tomando por base esta mesma taxa de capitalização, este cidadão teria um rendimento mensal de R$3.356,88. Entretanto, nos termos das normas e legislação vigente, ao final de 30 anos, este mesmo cidadão contribuinte não teria uma aposentadoria nem mesmo no valor de R$1 mil. Ora, diriam alguns menos avisados: mas tem a inflação e assim o salário irá mudar. Isto é claro, mas em qualquer hipótese, a mudança seria sempre a maior, e como os valores aqui dispostos são tomados percentualmente, os resultados finais também sempre seriam a maior. De mais a mais, conforme colocado ao início, estamos tratando aqui de um breve ensaio hipotético.


Exemplo 2 – Nos termos da proposta de reforma previdenciária que está em tramitação pela nossa Casa Legislativa, se este mesmo cidadão quisesse receber de aposentadoria o seu salário integral de R$1 mil, então ele teria que contribuir por 49 anos, ou seja, 588 meses. Ocorre que se a mesma contribuição inicial de R$80 fosse capitalizada nas mesmas circunstâncias do exemplo anterior, então, ao final da sua capitalização, este feliz contribuinte seria proprietário de um capital de R$3.534.438,27 – acredite se quiser. Esse valor, com a mesma taxa de capitalização, lhe proporcionaria um rendimento mensal de R$37.111,60.


Adiante, alguns exemplos estarrecedores. Não fosse o positivismo da realidade matemática, o que vem a seguir seria no mínimo inacreditável. Até agora esta exposição tratou de um possível cidadão com um salário de R$1 mil e uma ‘contribuição’ de R$80. Ocorre que além dos 8% subtraídos do salário do cidadão, os cofres previdenciários se locupletam também com o recolhimento mensal compulsório patronal de 20% sobre a folha salarial. Desta forma, o salário do contribuinte, em última análise, é a única fonte geratriz dos valores daí advindos. Assim, a contribuição total relativa ao salário deste cidadão passará a ser de R$280/mês. O equacionamento deste valor nos mesmo moldes dos exemplos 1 e 2 anteriores são os seguintes:


Exemplo 3 – Considere o mesmo salário de R$1 mil sobre o qual, na realidade, incidem a título de ‘contribuição’: 8% recolhido do empregado mais 20% do empregador, totalizando, R$280 recolhidos mês a mês para os cofres do Governo. Capitalizando este valor mensal a partir da taxa de 1,05% (Taxa Selic), resultaria, ao final de 30 anos, um capital de R$1.118.960,12. Com a mesma taxa de capitalização, este cidadão/salário faria jus então a um rendimento mensal de R$11.749,08.Entretanto, ao final de 30 anos, nos termos das normas e legislação vigente, este cidadão não receberia sequer R$ 1 mil de aposentadoria.


Exemplo 4 – De acordo com a proposta de reforma previdenciária em tramitação, se este mesmo cidadão quisesse uma aposentadoria integral igual ao seu salário de R$1 mil, teria então que contribuir por 49 anos, ou seja 588 meses. A contribuição mensal de R$280, relativa aos valores recolhidos aos cofres públicos por empregado e empregador, capitalizada nas mesmas circunstâncias do exemplo anterior, ao final apresentará um capital de R$12. 370.533,94, com rendimento mensal de R$129.890,61. Inacreditável, não é?

A remuneração de uma aposentadoria deveria ser simplesmente o retorno financeiro de uma capitalização equacionada a partir de juros composto, ou seja, o conhecido cálculo juros sobre juros onde o valor de cada mês subsequente captura o valor existente no mês imediatamente anterior. Toda esta operação pode ser resumida de acordo com uma sistemática de procedimentos que se inicia quando, ao final do primeiro mês, é recolhido um percentual sobre o salário do cidadão. No final do 2º mês, o valor recolhido será acrescido do percentual de capitalização e a ele será somado o recolhimento mensal previdenciário relativo a este novo mês de salário. Esta sistemática se repete nos meses subsequentes, formando-se assim um montante capitalizado. Estas operações podem ser melhor observadas através do quadro a seguir. O mesmo foi elaborado a partir de um salário de R$1 mil e um percentual de capitalização de 1,05%, ou seja, aproximadamente o valor mensal da Taxa Selic atual.

Sistemática da evolução do capital com aplicação de juros compostos
Mês Capital início do mês Juros1 Capital no final do mês
1 0 0 R$80
2 R$80 R$80 x 1,05% = R$0,84 R$80,84+ R$80 = R$160,84
3 R$160,84 R$160,84 x 1,05 % = R$1,69 R$1,69 + R$160,84 + R$80 = R$242,53
4 R$242,53 R$242,53 x 1,05 % = R$2,55

R$2,55 + R$242,53 + R$80 =

R$325,08

1Operados com até oito casas decimais e arredondados em duas casas decimais para melhor visualização.


 Trata-se, portanto, de uma operação repetitiva e relativamente simples ser trabalhada em uma Planilha Eletrônica. Por outro lado, é possível também o uso de fórmulas matemáticas para definição de valores envolvidos nos cálculos de juros compostos, por exemplo:

M_a= C_m x (〖(1+Tc)〗^n-1)/Tc
Onde:
Ma = Montante acumulado;
Cm = Contribuição mensal;
TC = Taxa de capitalização;
n = número de depósitos mensais.

Antigamente, quando se desejava conferir determinado gasto, dizia-se que a conta deveria ser feita na ponta do lápis. E aí vieram então as calculadoras de bolso. No início, uma maquininha somente com as quatro operações. Era um luxo ter uma destas. Depois, vieram as chamadas de calculadoras científicas, que, de tão sofisticadas, tinham que ser direcionadas a profissionais específicos: algumas para engenheiros, outras para uso dos contabilistas, economistas e administradores de empresas. Vieram, então, os computadores pessoais com programas específicos, para se efetuarem cálculos, sendo o mais notório as planilhas eletrônicas. Dos PCs de mesa aos Notebooks foi só um passo. Com o advento da Internet e da comunicação digital, os celulares tomaram conta de tudo e de todos e é claro que as incríveis maquininhas de comunicação não poderiam deixar de agregar também poderosas calculadoras. Então, em plena era tecnológica, fica muito mais fácil aferir contas, principalmente aquelas que são compulsoriamente impostas aos cidadãos.

Atualmente, para se fazer juízo de valor daquilo que está sendo descontado do seu salário, basta pesquisar na internet sobre as expressões matemáticas que definem a capitalização financeira dos descontos ou então lançar mão das referidas planilhas eletrônicas usando a sistemática anteriormente exposta. Experimente e ficará sabendo a realidade financeira da ‘contribuição para seguridade social’, que, mensalmente, independente da sua vontade, é descontada do seu salário e que em futuro incerto, quem sabe, lhe permitirá alcançar a almejada e merecida aposentadoria, mas que não deveria ser considerado como ‘benefício’ para aqueles que não é dado de ‘mãos beijadas’.

 Está claro que até mesmo por uma questão de cidadania é possível compreender o viés de raciocínio propagado que enfatiza a nobreza da ‘contribuição solidária’. Muito bonito e pertinente, mesmo que o fabuloso La Fontaine, a muito tempo, já nos tenha ensinado com ‘A Cigarra e a Formiga’ que existe um outro lado a ser observado nesta moeda, principalmente nos tempos atuais. Na realidade, o salário do aposentado é, ou deveria ser, tão somente do retorno do dinheiro que o próprio cidadão deixou depositado em confiança nos cofres do governo. Quando o gerente de uma empreitada não cumpre o contrato ou mesmo quando trai a confiança de quem o colocou nesta posição, o mais prudente então é procurar outra opção para gerenciar um patrimônio que, em última análise, é de sua propriedade. Face ao exposto, segue então, uma breve sugestão para a PEC 287/2016 que trata da Reforma de Previdência, em especial altera os artigos 37, 40, 149, 167, 195, 201 e 203 da Constituição, para dispor sobre a Previdência Social, estabelecendo ainda regras de transição e dá outras providências

Art.xx O desconto previdenciário que incide sobre o salário do cidadão brasileiro será facultativo para aquele que:

I – Comprovar anualmente que está inscrito em um plano de Previdência Privada através de declaração e extrato de evolução da capitalização de suas mensalidades, recolhidas mês a mês;

II - Comprovar, semestralmente, com declaração e detalhamento de pagamentos, que está inscrito em um plano de saúde com benefícios extensível à toda sua família.

§ 1º Nos termos do inciso I, em qualquer hipótese, a renda futura/aposentadoria programada oferecida pelo plano de Previdência Privada não poderá ser inferior à média dos últimos 36 salários ou de seus últimos ganhos no mesmo tempo, comprovados com cópias dos respectivos contracheques ou declarações de imposto de renda ou outras documentações desde que aceitas e homologadas pelo Ministério do Trabalho.

§ 2º Nos termos do inciso II, em qualquer hipótese, deverá garantir no mínimo atendimento médico, hospitalar bem como exames laboratoriais, nos mesmos níveis oferecidos pelo sistema público de saúde.

§ 3º O valor do salário do cidadão que optar pelo previsto no caput não se integrará ao montante da folha salarial sobre a qual incide o desconto patronal recolhido mensalmente para o sistema previdenciário compulsório ficando o empregador isento deste ônus.

Justificativa: direito de livre escolha fundamentado nos argumentos colocados anteriormente.

Não sou historiador, jurista e muito menos legislador. Sou um simples Professor da Educação Básica Profissional aposentado. Assim, os termos dos dispositivos sugerido podem conter equívocos textuais ou estruturais, mas não se esconde por detrás de nenhuma ideologia política. Pode ser que de imediato alguns mais afoitos tentarão tarjar a presente proposta de neoliberal. Não é. O Governo, através de seus poderes constituídos, sempre terá a prerrogativa de ajustar adequadamente a realidade dos sistemas previdenciários à luz da realidade.

Inadmissível é tentarem insistir na falácia ora aqui desmistificada sem nada fazer ou opinar. O que está posto neste artigo configura-se tão somente como possível abertura para a perspectiva do direito de livre, escolha ligada à vinculação individual aos sistemas previdenciários brasileiros disponíveis. Esta é a intenção: não menos, não mais. Pode ser que se qualquer dispositivo legal fosse criado nesta direção, possivelmente, seria muito bem aceito por todos aqueles que, nestas alturas dos acontecimentos, já estão cansados e calejados de tutelas compulsórias, aproveitadoras, oportunistas e nocivas.

Autor: Azelino César de Lima. É professor e mestre em Educação pelo CESJF. Especialista em Psicopedagogia. Foi professor da UFJF, do CTU e do Colégio Politécnico Pio XII.

Fonte: Diario Regional Juiz de Fora

 

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