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A Ética na escola: oportunidade de refletir sobre a formação de novos profissionais

14/06/2005 00:00

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A Ética na escola: oportunidade de refletir sobre a formação de novos profissionais

A proposta de ministrar a disciplina Legislação e Ética Profissional no curso de Ciências Contábeis pareceu-me, a princípio, uma espécie de aventura rumo ao desconhecido. Sentia-me numa expedição à alma dos alunos e consequentemente também à minha, com possibilidades de descobertas, boas ou más.

Nesse turbilhão de emoções, ficava para mim uma certeza de que a busca do conceito do que é Ética, num momento em que a mídia tem divulgado tanto o tema, sendo esta confundida até mesmo com falta de educação, ou como conhecemos na linguagem popular "falta de bons modos", poderia influenciar no desenvolvimento da disciplina.

Assim, prefiro sempre falar sobre ética sem trazer, inicialmente, conceitos prontos. Busco sempre a reflexão, até porque a ética como veremos, está intrinsecamente ligada aos nossos valores pessoais, e consequentemente, para termos uma sociedade ética, dependemos de quanto temos de "bons valores" em cada um de nós.

Para Aristóteles, a grande figura da filosofia quando falamos em ética, a virtude seria o grande carro-chefe do comportamento ético, ele nos diz:

 "nosso objetivo é tornar-nos homens bons, ou alcançar o grau mais elevado do bem humano. Este bem é a felicidade; e a felicidade consiste na atividade da alma de acordo com a virtude" (Ética a Nicômaco).

É óbvio, que no momento atual, precisamos refletir no que nos concerne a ser ético ou antiético, considerando que os nossos valores intrínsecos podem ir de encontro a códigos de ética institucionalizados, por grupos que fogem ao nosso conceito de "virtude" citado por Aristóteles.

Como exemplo, num país onde a prática do aborto seja permitida pelo Conselho de Medicina e pela legislação do país, o profissional de medicina que lá esteja não será antiético, nem ilegal, ao fazê-la, no entanto, os seus valores morais podem não permitir que a pratique. Isso vale para qualquer situação no campo da deontologia (ética baseada em direito e dever, ligada aos códigos das diversas instituições).

Os atos humanos podem ser classificados como morais, legais ou éticos. Na verdade, em alguns momentos confundimos. Porém quando refletimos podemos perceber que nem todo ato legal é ético, por exemplo, e vice versa. Assim, podemos nos encontrar diante de situações onde para não sermos antiéticos, teríamos que passar por cima de leis. Como diz o Renato Janine, "Foi assim, por exemplo, com o nazismo e sempre será com todas as formas de ditadura. É assim, também quando a desigualdade ou a injustiça impera".

Nas aulas que tenho ministrado, percebo um conflito "velado" entre as pessoas. Por um lado ser ético invoca uma espécie de "status" e todos o querem ter. Mas, quando o assunto é se dar bem, observamos que a relação custo x benefício (próprio), fala mais alto. Como exemplo, em função de tirar uma nota boa na avaliação, o aluno apropria-se das idéias de outros. Seja do colega ao lado, seja do autor do livro utilizado para a cola.

Assim, percebemos um pouco da chamada "dupla moral brasileira", considerando que sempre que podemos, usamos os nossos amigos para não pegar fila nos bancos, nos consultórios médicos, nas portarias de show etc. Quantos não pagam propinas para conseguir liberação de mercadorias ou evitar multas?. Quantas vezes não compramos produtos de contrabando? Como disse a professora Bárbara Borges, em uma de suas palestras: "Tênue fica então a fronteira que separa o oportunismo da corrupção, num movimento muitas vezes transposto de forma insensível".

Ética é predominantemente fruto da convivência humana. Com seus códigos formais ou informais, facultativos ou coercitivos, a sociedade impõe regras que ao deixar de serem seguidas, nem sempre de forma pública, submete o indivíduo a um conflito de interesses, porque até mesmo a sua liberdade pode ser tirada (neste momento com a ajuda da lei).

Por isso, penso eu, o que estamos produzindo na faculdade? Pessoas que adquirem um grau de bacharelado e atingem um novo "status quo"? Tenho certeza de que isso é muito pouco, pois o que estamos buscando é formar profissionais essencialmente éticos, com uma nova visão de mundo, onde o respeito passa a ser a palavra chave.

Nesse contexto o papel de cada um de nós é imprescindível no sentido de que, independentemente de nossas limitações, possamos trazer à tona a "práxis" da ética e não deixá-la apenas nos discursos e livros das prateleiras.

O poder de transformação do meio acadêmico é inquestionável e se nós, principalmente os professores, não trouxermos essa prática para a convivência diária, temo pelo futuro de nosso país. Afinal não é raro ouvirmos tristes notícias onde o comportamento antiético é utilizado para adquirir poder, prestígio e riqueza.

Se a nossa consciência individual é que forma a coletiva, e se essa já vem podre, o que vamos esperar dessa coletividade? Trago para uma reflexão.

Não quero parecer piegas ou religioso, não se trata disso, falo porque a nossa sobrevivência depende, sem nenhuma dúvida, do desenvolvimento de uma consciência ética, que independe de raça, credo, opção sexual ou outras variantes, depende sim, da formação do caráter, de entendermos que algumas vezes precisamos abrir mão de algo em favor da coletividade, que o ter não pode se sobrepor ao ser, principalmente ao ser gente. "Para se ter uma consciência ética é preciso: acreditar em valores, ter a capacidade de refletir e possuir senso de comunidade (Ramos, 2003)".

Hoje já temos como requisito no meio empresarial que o profissional seja ético, ainda que um tanto embaçado, esse conceito vem sendo divulgado, principalmente com os profissionais de contabilidade, que, no novo código civil, tiverem destaque, quando, no artigo 1.177, da lei 10.406/02, no seu parágrafo único, explicita:


"No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos".

Nos Estados Unidos, por exemplo, que foi palco dos grandes escândalos, causados por publicações de informações contábeis fraudulentas, assinadas, obviamente, por profissionais antiéticos, foi publicada uma Lei, a Sabarnes-Oxley, no intuito de coibir atos da espécie, ou seja, um comportamento antes antiético, passou, também, a ser ilegal.

No Brasil as entidades que vivenciam a profissão contábil (CFC, CVM, IBRACON) têm discutido exaustivamente como imprimir o conceito ético na profissão. Quando relembramos que para sermos antiéticos, duas variáveis são apresentadas, que são a oportunidade do ato e a relação custo x benefício, na área contábil essas variáveis aparecem de forma intensa e habitual, seja na "venda" da famosa DECORE, seja na escrita fraudulenta no intuito de se pagar menos imposto, entre outros fatos.

Daí resgatamos os conceitos de ética da convicção e da ética da responsabilidade, preconizados por Max Weber, quando relacionou ética e política. Será que os fins justificam os meios? Vamos todos, claro que sem que ninguém saiba, usufruirmos de prerrogativas escusas porque o governo é corrupto? Por que determinada empresa lucra demais? Por que é injusto um trabalhador pagar mais Imposto de Renda na Fonte do que o possuidor de uma grande fortuna?Não seria por isso que ficamos instalados nesse sistema podre que se retro alimenta das nossas fraquezas éticas?

Cabe lembrar que um movimento vem sendo observado em todo o mundo. Empresas podem quebrar, caso se utilize de práticas antiéticas (trabalho infantil, poluição do meio ambiente, "maquiagem" de balanços etc...) e outras consideradas éticas e socialmente responsáveis podem ter as suas ações valorizadas nas bolsas.

É uma mudança que vem sendo imposta principalmente por organizações não governamentais que buscam "aquela virtude" preconizada por Aristóteles, que é a nossa busca incessante em sermos pessoas "do bem", ou seja, "conscientemente éticos".

Assim, apesar de ter dito não gostar muito de conceituar ética, vou finalizar com um conceito que considero super "bacana" e muito atual do Sr. Jean - François Chanlat, eminente pesquisador mundial no campo da ética. Para ele, a ética:

"...é uma nova arte de viver que devemos inventar. Fundamentada ao nível individual no tríplice respeito:

  • respeito por si mesmo;

  • respeito pelos outros e pelas instituições;

  • respeito pelo coletivo (num franco interesse pelas pessoas, pela coletividade e pela ecologia)".

 


Carlos Alberto Nascimento
Contador, Economista, Especialista em Gestão de Negócios
Professor da Unisulbahia Faculdades Integradas
[email protected]

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