Há uma crítica ao Brasil por ter historicamente uma taxa de poupança muito baixa, mesmo em anos de bonança e de crédito barato. Essa questão é cultural e pode ser vista também no mundo empresarial brasileiro. As empresas não poupam e muitas delas sequer sabem gerenciar seus fluxos de caixa. Como consequência, buscam apoio no mercado financeiro não para financiar a sua expansão, inovação ou compra de equipamentos, mas sim para tapar buracos no caixa e pagar despesas correntes, como folha de pagamento e insumos; ou seja, custear a própria operação.
O que deveria ser uma medida pontual adentra as entranhas da estrutura financeira da empresa e não sai mais. Como resultado, os juros legitimamente cobrados pelas instituições financeiras (esse é o seu produto), as multas pesadíssimas em cima dos impostos (atrasados) e os acessórios cobrados junto às dívidas com os fornecedores acabam com a margem e qualquer possibilidade de lucro na maioria dos casos. Entra-se em um espiral de crise onde o empresário compra, no máximo, matéria-prima à vista, paga a folha de pagamentos com dias de atraso, não paga os acessórios trabalhistas e os impostos e tenta renegociar a dívida com bancos e factorings, de olho em uma nova linha de crédito e capital de giro para amanhã.
A saída é a Recuperação Judicial? Depende. A empresa que decidir pela moratória junto aos seus credores, utilizando-se do processo de recuperação judicial, deve fazer uma análise prévia de premissas que impactarão diretamente no sucesso do seu plano de pagamento e no convencimento dos seus credores. É necessário um caixa mínimo para os primeiros seis meses da operação, período, em média, complicado para quebrar o ceticismo dos credores e aprovar o plano de pagamento. Além disso, tem de convencer fornecedores a continuar fornecendo produtos e serviços essenciais à operação. O prazo de 180 dias da suspensão das ações judiciais passa rápido. Por isso, é essencial ter um plano de contingenciamento para evitar penhoras sobre caixa e leilões indesejados. Contabilidade regular, transparência nas operações e comunicação com o mercado são medidas fundamentais neste momento. Qualquer indício de fraude, supostos desvios de bens ou malabarismos societários pode colocar todo plano a perder, com a consequente decretação da falência.
Se for possível, monte um time vencedor para encarar esse desafio nas áreas gerencial, contábil, jurídica e financeira. Uma empresa com indicadores negativos e problemas estruturais há anos tem praticamente só dois meses para apresentar uma solução efetiva que, desta vez, convença seus credores. Abra a mente empresarial para alternativas e solução dos problemas, não só trabalhando com a hipótese de parcelamentos e deságios sobre a dívida. Arrendamento, venda de unidades, busca de um private equity ou investidores, conversão de dívida em ações podem ser algumas das alternativas interessantes. Leve os números e indicadores objetivos para a assembleia de credores e "venda" o projeto de recuperação com garra e alma.
A decisão de ingressar com o processo de recuperação judicial é crítica e deve prever diversas variáveis que podem levar a empresa à quebra. Há casos em que a companhia não tem condições e estrutura mínima para suportar esse procedimento, mesmo que seus benefícios sejam tentadores. A venda da companhia por valores abaixo das expectativas iniciais, mas mais perto da atual realidade da crise pode ser uma saída. Muitas vezes o empresário e seus familiares ficam reticentes, convictos que a situação vai melhorar. Certamente eles e um ou dois funcionários de mais de 30 anos de empresa estarão ali para apagar a luz, provavelmente junto com o oficial de justiça que estiver cumprindo a ordem do juiz de falências determinando o lacre e fechamento do estabelecimento.
A decisão pela falência é o fim? Para maioria dos empresários, sim. Uma tragédia na trajetória empresarial. Mas, em alguns casos, faz parte da estratégia do negócio. Falir não é crime. É um instituto legal utilizado para preservação do patrimônio da empresa e dos interesses dos credores, no momento de sua liquidação. O próprio patrimônio pessoal dos falidos é preservado e em princípio só responderá se houver crimes falimentares devidamente comprovados.
A gestão da crise é uma ciência, cujo conhecimento e prática devem ser aprofundados, ainda mais em um país com regramento legal confuso e tortuoso como no Brasil. Muitas vezes o remédio de um não serve para o outro, pois a mesma doença exige tratamentos diferentes.
Por Fabrício Nedel Scalzilli
Fonte: DCI-SP