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Passando o chapéu

Governos estaduais e prefeituras pegam carona no Refis federal e oferecem desconto para contribuintes inadimplentes. O objetivo é reforçar o caixa público

02/09/2014 09:39

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Passando o chapéu

Passando o chapéu

É raro ver um prejuízo de quase R$ 15 bilhões ser encarado com naturalidade por investidores. Mas quando a Vale anunciou essa perda ao mercado, no final de 2013, suas ações até subiram. Não que mercados tolerem resultados negativos. A conta encerrava um passivo tributário bilionário que gerava incertezas aos negócios e tirava o sono de executivos e acionistas da companhia. Na ocasião, a reabertura de um Refis, sigla para Programa de Recuperação Fiscal, permitiu à empresa parcelar com desconto os impostos não pagos no passado – a maior parte deles questionada pela companhia na Justiça.

O benefício concedido pela União tinha como contrapartida o pagamento à vista de uma parte da dívida, engordando os cofres públicos em meio à perda de ritmo na arrecadação. O episódio da mineradora deu tão certo que o governo federal resolveu repetir a dose neste ano, e foi copiado por ao menos 13 Estados e seis municípios, que estão incentivando seus contribuintes a “zerar” suas pendências tributárias. O quadro de baixo crescimento do PIB bate com rapidez na arrecadação de tributos.

E os programas de parcelamento especial, com descontos de até 100% de multas e juros ao devedor, são uma forma eficaz encontrada pelos governos para fazer frente à pressão nos caixas públicos. “Quando o cenário econômico caminha para um viés mais recessivo, as equipes são acionadas para avaliar alternativas para a arrecadação”, afirma Érika Yamada, diretora de arrecadação da Fazenda estadual paulista. “O parcelamento incentivado é uma solução para conseguir um aumento.” Segundo Érika, os dados da arrecadação têm decepcionado nos últimos meses e há uma preocupação com o segundo semestre.

“Num momento de maior crise, o primeiro custo que se posterga são os impostos, pois, se a empresa não pagar os fornecedores, para de funcionar.” A abertura de Refis começou em 2000, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi repetida em ao menos duas oportunidades pela União, em 2003 e 2006, no governo Lula, quase sempre com extensões de prazo. O último havia sido criado em 2009, pelo que recebeu o apelido de Refis da Crise. Na prorrogação mais recente, até agosto, passou a se chamar Refis da Copa, com previsão de engordar em R$ 18 bilhões o orçamento federal deste ano.

Nos Estados e municípios, o potencial também é bilionário, graças aos programas instalados por regiões de peso, como São Paulo, do tucano Geraldo Alckmin, e Rio de Janeiro, do peemedebista Luiz Fernando Pezão, ambos candidatos à reeleição. Só nos cofres paulistas, a previsão é de que o programa de parcelamento do ICMS levante R$ 24 bilhões, ao todo, dos quais quase R$ 8 bilhões concentrados no período entre maio de 2013 e agosto deste ano. A cifra equivale a quase um mês da arrecadação corrente do Estado com o tributo.

Da mesma forma, o governo do Espírito Santo espera um reforço de R$ 200 milhões. Entre as prefeituras, o mais relevante deve ser o programa de São Paulo, ainda em aprovação. A referência é a última edição do parcelamento, de 2011, que gerou R$ 1,2 bilhão em receitas. Se bem-sucedido, o programa será um alívio para o prefeito petista Fernando Haddad, que ainda não conseguiu renegociar a dívida paulistana com o governo federal. A prática de passar o chapéu entre os contribuintes, através de Refis em todas as esferas da administração pública, é alvo de críticas. Ao recorrer com mais frequência aos recursos extraordinários para fechar suas contas, os governantes são acusados de afrouxar o rigor com o controle dos gastos.

O modelo também costuma ser visto por técnicos como um incentivo à inadimplência no pagamento corrente de impostos. A discórdia entre a gestão política e o corpo técnico ficou evidente em 2013. Em uma das prorrogações do Refis, funcionários da Receita criticaram claramente o programa e confrontaram o Executivo e o Legislativo dizendo ser contra o parcelamento e os descontos. Alegaram ainda motivação política na decisão pela abertura. A própria presidenta Dilma Rousseff já se posicionou contra a medida. Em maio de 2013, ela justificou o veto a um pedido de reabertura de prazo feito pelo Congresso alegando que a medida “privilegiaria a inadimplência e implicaria iniquidade” com os que pagaram em dia os débitos.

Os motivos alegados por Dilma foram constatados por Santa Catarina, que decidiu abandonar a prática que já lhe rendeu cerca de R$ 300 milhões extras no passado. “A Fazenda aboliu os programas de anistia fiscal por julgar que acabaram por estimular uma cultura de inadimplência”, diz Carlos Molin, diretor de Administração Tributária do Estado. Para o professor de direito tributário da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, Edmundo de Medeiros, a adoção frequente desses programas favorece a inadimplência. “Como não se consegue equalizar a carga tributária, criam-se os Refis”, diz o professor.

“É uma aspirina para matar um câncer.” Apesar disso, Medeiros recomenda a adesão ao programa e diz que cerca de 70% dos clientes de seu escritório ingressaram tanto em Refis estaduais como no federal. Segundo ele, há até empresas que buscam empréstimo para ingressar nos programas. O anúncio da adesão feito pela BM&F Bovespa, na semana passada, dá uma ideia dos descontos no Refis. Uma cobrança de impostos de R$ 123 milhões gerada numa oferta de ações em 2007 foi reduzida quase pela metade. Tais exemplos podem até colocar o Refis como uma forma de alívio tópico para as empresas, mas não deixa de ser um sinal de quanto ainda é preciso avançar na gestão de recursos públicos. Em todos os níveis da Federação.

Por: Gabriel Baldocchi

Fonte: Isto É Dinheiro

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