O resultado fiscal de fevereiro ilustra o enorme entrave para a política fiscal representado pela queda da arrecadação na esteira da forte desaceleração da economia. Os dados de Raul Velloso, especialista em contas públicas, mostram a natureza do drama: as despesas já estão caindo, mas o recuo das receitas corre na frente.
Em termos reais, o crescimento acumulado em 12 meses da despesa federal primária caiu de 6,1% em dezembro para 4,5% em janeiro, e 4,6% em fevereiro. É o menor ritmo desde meados de 2012. Na verdade, a grande freada anterior nos gastos reais do governo federal foi em 2011, primeiro ano do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando a alta foi de apenas 3,3%, depois de um crescimento real de 9,4% em 2010.
O problema agora é que a receita continua piorando. O contraste com 2011 é interessante. Naquele ano, a forte contenção das despesas reais foi acompanhada por uma desaceleração bem mais leve das receitas reais: de 11% em 2010 para 9,9% em 2011 (os números de Velloso se limitam a impostos e contribuições, que são a receita tributária propriamente dita, e a fonte mais segura e estável da arrecadação). O superávit primário em 2011 ficou em 3,1% do PIB, e, embora o nível tenha se mantido quase igual ao de 2010 (3%), houve um avanço significativo do esforço fiscal efetivo (excluindo-se receitas não recorrentes e ‘descontos’ da meta) de um ponto porcentual do PIB – de 1,4% para 2,4%.
Em 2015, a situação da receita em termos reais é muito mais grave. No acumulado em 12 meses, houve crescimento de 4,2% até dezembro de 2013, um ritmo que se manteve com algumas flutuações até setembro de 2014, quando estava em 4%. A partir daí, porém, a receita despencou, e entrou em terreno negativo no acumulado em 12 meses a partir de dezembro, quando foi registrado -1%. A queda se acentuou para -1,5% em janeiro e -1,6% em fevereiro. O número de fevereiro de 2015 é o pior desde janeiro de 2010, quando a arrecadação sofria o impacto pleno do ano de 2009, auge da crise global.
Numa aritmética muito simplificada, a diferença entre o ritmo real de crescimento da despesa primária e da receita tributária acumuladas em 12 meses do governo federal em fevereiro de 2015 foi de 6,2 pontos porcentuais – é a maior desde janeiro de 2005, com exceção de novembro de 2012 (quando atingiu 6,4) e do período do auge da política anticíclica pós-crise global, entre maio de 2009 e junho de 2010. O pico da diferença foi em dezembro de 2009, quando atingiu 13,9 pontos porcentuais.
“Para que o ajuste dê certo, essas taxas de crescimento da receita e da despesa vão ter que se igualar”, diz Velloso. O economista considera que ainda está muito cedo no ano para se ter uma visão melhor sobre os rumos fiscais, que só virá a partir do contingenciamento orçamentário que, em sua opinião, terá que ser “brutal”.
“Tem a retirada de desonerações, novas medidas do lado da receita, é possível até ter esperança de algum crescimento da economia no segundo semestre, mas será no lado dos gastos não obrigatórios que eles vão ter que acabar fechando a conta, com um corte gigantesco, que vai pegar tanto investimentos quanto despesas correntes”, prevê Velloso. ([email protected])
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 1/4/15, quarta-feira.
Fonte: Estado de S.Paulo