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Ganhos de eficiência

30/09/2008 00:00

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Ganhos de eficiência

A contabilidade brasileira passa por uma reviravolta. Com a Lei 11.638, que, após sete anos de discussão, foi aprovada em dezembro de 2007, os balanços das companhias de grande porte vão mudar radicalmente já a partir do fechamento de 2008. O objetivo da lei é modernizar as demonstrações financeiras, em consonância com as normas internacionais (IFRS, na sigla em inglês), que atualmente são adotadas em mais de 100 países, e fazer com que elas reflitam a realidade econômica das empresas. "Estamos diante de uma revolução na linguagem corporativa", afirma Fábio Cajazeira, sócio da PricewaterhouseCoopers, líder de um grupo de 350 profissionais (prestes a dobrar) que estão ajudando as empresas a implementar as mudanças.

Será obrigatório, por exemplo, apurar os fluxos de caixa, um indicador essencial da liquidez das companhias. Outro demonstrativo compulsório será a Demonstração de Valor Adicionado, que dá um retrato da riqueza gerada, de que forma ela é distribuída (entre empregados, governo, acionistas, credores) e quanto fica retido na empresa.

Conceitualmente, a mudança mais importante é a adoção de um modelo baseado no valor justo dos ativos e passivos. A avaliação do valor justo pode tornar-se bastante complexa, mas o objetivo é que chegue o mais próximo possível da situação, de fato, da empresa. "No Brasil, tudo era avaliado pelo custo histórico", afirma Sérgio Romani, sócio da Ernst & Young. Com o uso do custo histórico, as demonstrações contábeis ficavam logo defasadas. Só serviam para o Fisco.

"A credibilidade da contabilidade vai aumentar muito", afirma Eliseu Martins, presidente do conselho curador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis (Fipecafi). Com informações de melhor qualidade, espera-se que os investidores entendam melhor as demonstrações contábeis, o que pode trazer reduções no custo de capital. "Vai ficar mais fácil para o investidor ler e confiar nos balanços das empresas", diz Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). "As ações das empresas vão se valorizar", acredita Antonio Carlos Colângelo Luz, diretor técnico da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitalis (Apimec).

Não é só isso. Com uma contabilidade mais confiável, as empresas têm potencial para expandir seu mercado de atuação, ao ganhar clientes e fornecedores que antes tinham receio de estabelecer relações comerciais, por não terem um retrato fiel do parceiro. Ou então, que o faziam, com uma compensação no preço. "Vai diminuir não só o custo de capital como também o custo de transações", afirma Martins, que recentemente foi convidado para ser diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Martins é também vice-coordenador técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entidade que está auxiliando a CVM na regulamentação da nova lei.

Outro benefício será a melhoria da gestão interna das empresas, acredita Martins. Na Europa, que liderou o movimento de adoção do IFRS, em 2005, isso parece ter acontecido. De acordo com pesquisa encomendada pela União Européia ao Institute of Chartered Accountants in England and Wales (ICAEW), 25% de 162 elaboradores de balanços nas empresas afirmaram que, após apenas um ano de adoção das normas, havia mudado a condução estratégica como um todo. Cerca de 60% disseram usar o IFRS para controles internos.

Mas nem tudo é róseo no cenário. As empresas estão tendo que arcar com custos para implantar as mudanças. Isso significa contratar consultores, treinar os especialistas internos e mudar sistemas. Não há ainda no Brasil uma boa estimativa dessa carga. Na União Européia, segundo o estudo da ICAEW, as companhias com ações em bolsa gastaram 0,31% do faturamento para preparar o primeiro IFRS e 0,05% para fazer os subseqüentes, no caso daquelas com faturamento inferior a 500 milhões de euros. Quanto maior o porte, menor o percentual. Para aquelas com faturamento superior a 5 bilhões de euros, o custo para o primeiro IFRS foi de 0,05% do faturamento e, para os posteriores, de 0,008% do faturamento.

Apesar de, para as companhias abertas brasileiras, a Lei 11.638 não ser propriamente uma novidade - elas já seriam obrigadas, por conta dos órgãos reguladores, a seguir as normas internacionais nos seus balanços consolidados a partir de 2010 - nem todas estão se preparando adequadamente. "Muitas não estão dando nem pelota", afirma Martins.

Em situação mais delicada estão as empresas limitadas, que, apesar dos benefícios potenciais, nunca tiveram que elaborar balanços, nem contratar auditores independentes. A Lei 11.638 abarca todas as empresas com faturamento acima de R$ 240 milhões ou receita bruta superior a R$ 300 milhões, sejam elas fechadas ou abertas. "Cerca de um quarto das empresas brasileiras vão passar a ser auditadas", diz Charles Krieck, sócio da KPMG. Mas, para as limitadas, não será obrigatória a publicação das demonstrações - decisão que gerou bastante polêmica quando a lei foi aprovada.

Nem sempre as empresas sairão em vantagem com a adoção do IFRS. Muitas empresas podem sofrer com diminuição dos ativos ou aumento dos passivos. No caso das construtoras, pelo IFRS, a receita só é reconhecida na entrega do prédio, e não na venda, como ocorre hoje. Outro exemplo são empresas que fazem muitas operações de leasing. Antes, as despesas com leasing só iam para a conta de resultado. Agora, os bens comprados por sistema de leasing farão parte do ativo, e, em contrapartida, a dívida vai aparecer no passivo. "Muitas empresas estão reclamando porque vão mostrar um ativo que não foi pago", afirma Martins. Na visão de Colângelo, isso não trará mudanças significativas na avaliação dos analistas, pois já se costuma dar um desconto para aquelas que abusam do leasing.

O diretor da Apimec não acredita que haverá um disparate tão grande nos balanços, em relação à situação atual. "Talvez até tenha, mas vão ser exceções à regra". No primeiro ano da adoção do IFRS na Europa, surgiram algumas surpresas. Entre as favoráveis, o lucro da Alcatel e da Telecom Itália mais que dobrou. Entre as desfavoráveis, o resultado da Deutsche Telekom foi dois terços inferior ao apurado pelas normas antigas, e a dívida da Fiat dobrou.

No caso de piorar a relação entre ativos e passivos, muitas empresas podem ter mais dificuldade em conseguir linhas acessíveis de financiamento. Se isso acontecer, a expectativa de redução no custo de capital irá por água abaixo. Isso porque os empréstimos costumam incluir convenants, compromissos estabelecidos com credores que incluem, por exemplo, uma relação definida entre ativos e passivos. "Se essa relação passar de 1,5 para 1,2, a empresa não vai atender mais os pré-requisitos do financiamento e terá que partir para a renegociação", avalia Krieck.

Apesar das polêmicas, a maior parte dos conhecedores de contabilidade prefere o modelo do IFRS, baseado em princípios. "O modelo atual, baseado em regras, fica sempre defasado. Sempre que surge um novo instrumento, é necessária uma nova regra", diz Cajazeira. Mas como avaliar o valor justo de uma floresta, por exemplo? "Isso dá muita margem a erro", acredita Romani, da Ernst & Young. Os ativos e passivos devem ser trazidos a valor presente. A que taxa? Qual o custo de oportunidade da empresa? "Vai ser um desafio aplicar esses conceitos", afirma Marco Sanchez, da BDO Trevisan. Há muita subjetividade nesses cálculos. Mas não quer dizer que o mundo de regras seja, ao contrário, objetivo. "Criar algo objetivo num mundo subjetivo é querer tapar o sol com a peneira, fica mais deformado ainda", acredita Martins. "O balanço tem que ser a cara da gestão da empresa."

Para que os bons prognósticos se confirmem, no entanto, são necessários alguns pré-requisitos. Em primeiro lugar, as informações precisam ser divulgadas de tal forma que quem as leia entenda os pressupostos do julgamento da empresa e possa questioná-los. Em segundo lugar, é preciso que, em caso de desvios, quem fez e aprovou o balanço seja punido. Em terceiro lugar, os profissionais brasileiros estão acostumados a seguir regrinhas. "Vai ser um desafio muito grande preparar os especialistas em contabilidade", afirma Krieck, da KPMG. Por fim, a capacidade de julgamento depende da conduta moral dos envolvidos: empresa, auditores, analistas e investidores. "O mundo financeiro está baseado na confiança entre as partes", diz Martins. Conforme se pode verificar no exemplo norte-americano, há momentos em que esta confiança desaparece.

Fonte: Valor Econômico

Enviado por: Rogério César

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