x

E aí, sr. Contador, preparado para o futuro?

28/05/2006 00:00:00

  • compartilhe no facebook
  • compartilhe no twitter
  • compartilhe no linkedin
  • compartilhe no whatsapp
E aí, sr. Contador, preparado para o futuro?

Se nada for feito, o Contador, no futuro, poderá vir a ser um mero analista de informação, um intermediário entre o profissional que elabora softwares e os usuários da informação contábil. Torcerá para que as leis societárias e fiscais sejam alteradas a todo momento para "ajudar" na criação de novos softwares. É verdade, sobrarão os Contadores responsáveis pelo levantamento das peças contábeis na empresa, os quais se encarregarão de assiná-las, assumindo a paternidade de um produto que já vem pronto, perfeito e acabado, fruto de uma leve pressão na tecla "enter" de qualquer PC.

Ora, se "fazer" a Contabilidade é trabalho da tecnologia, sobra-nos apenas entendê-la. Mas, cuidado! nos cursos de graduação de Administração e Economia, a ciência contábil é disciplina essencial. O que falar dos cursos de pós-graduação ? São Engenheiros, Advogados, Estatísticos e uma série enorme de outros profissionais, todos interessados em entender a Contabilidade e não em fazê-la. E aí, Sr. Contador ? Bombásticas nossas afirmações? Talvez, mas no mínimo, devemos pensar muito bem a respeito do assunto, não que tenhamos uma visão apocalíptica para o futuro do Contador, não, longe disso. No entanto, é preciso enfatizar a enorme diferença entre produzir informações contábeis e entendê-las. Para o leigo em Contabilidade, a coisa funciona mais ou menos assim: quem produz a informação é o Contador, mas quem a entende é o economista, o engenheiro, o administrador e até mesmo os jornalistas. Aonde queremos chegar com esta herética conclusão? Vejamos: O rigor contábil, a exatidão do empate entre os totais das aplicações de recursos e das origens de recursos, a singeleza do respeito à álgebra, produzida pela equação do balanço, gera nos usuários da informação contábil, principalmente em nós Contadores, uma sensação, eu diria, de euforia. Mas isto é apenas produção de informações, nada que um bom software não consiga "rodar", nada que um bom plano de contas não consiga esclarecer, nada que um bom manual de explicações sobre função e funcionamento das contas não consiga resolver. Em resumo, a produção de informações pode ser efetuada por "alguém" que tenha apenas conhecimentos de Contabilidade, que tenha formação contábil, sem ser um Contador.

Nós sabemos, os leigos não, que vivemos num país onde as leis societárias e fiscais ditam regras nem sempre compatíveis com o que preconiza os princípios da ciência contábil, contribuindo para o surgimento de "contabilidades" aparentemente distintas, a fiscal, a societária e a gerencial. Que produzem as figuras concomitantes do "lucro contábil e prejuízo fiscal" ou "prejuízo contábil e lucro fiscal", propiciando uma dicotomia difícil de ser entendida pelo leigo. Analisando estes fatos sob um enfoque estritamente ético, sabemos que não é tênue a diferença entre erros involuntários (erro mesmo) e erros voluntários (fraude), mas é tênue a diferença de critérios e regras para a produção dos números da Contabilidade. Veja os casos mundiais de fraudes em que a ciência contábil acaba sendo maculada: Enron, Wordcom e mais recentemente a Parmalat.

Seja pela subjetividade do cálculo das despesas geradas pelo Conservadorismo ou, em outras palavras, demonstrar os valores que são efetivamente recebíveis, seja pela interpretação do que é obsoletismo em estoques e os critérios para avaliá-los, seja pela aplicabilidade dos conceitos do que é Caixa e do que é Competência, seja pela mensuração dos ativos ao custo menos depreciação, muito embora, se a empresa interrompesse suas atividades num dado momento, o valor real daqueles ativos poderia ser completamente diferente, enfim, poderíamos enumerar aqui um rol enorme de fatos que propiciariam números maiores ou menores, segundo a "vontade do freguês", quer dizer do usuário da informação contábil. Detalhes técnicos da Contabilidade, o leigo desconhece mas percebe que o número produzido sofreu, digamos, uma certa flexibilização ou, numa linguagem bem menos eufemizada, a percepção é a de que o número foi manipulado. Assim, se critérios e regras interpretados de forma diferente, mas legítimas , produzem números distintos, imaginem então, quando os fatos contábeis são reconhecidos sem documentação idônea, quando o postulado da Entidade é desconsiderado, quando não há nem mesmo documentação característica do fato contábil. Pronto! temos um caldo perfeito para o total descrédito da nossa profissão junto à sociedade.

Fraudes sempre ocorrerão em qualquer profissão. Cadeia para qualquer profissional que cometer atos ilícitos, contudo a percepção da sociedade é a de que as peças contábeis são sempre um festival de números que foram manipulados. E quem "paga o pato"? O produtor do número: O Contador.

É essa visão de "fazedor e refazedor" de números que necessita ser banida. É uma ótica alimentada constantemente pela imprensa e, infelizmente, por alguns profissionais da nossa classe, fazendo com que a imagem do Contador seja, para dizermos o mínimo, apenas a de um "preenchedor de formulários" ou a de um "guardião de livros" exigidos pelas autoridades governamentais.

Todas estas questões precisam ser debatidas pelos profissionais da Contabilidade num fórum circulante e permanente de idéias para que a sociedade como um todo perceba que o alcance informativo da Contabilidade é dependente de uma série de regras que precisam e devem ser respeitadas. Mais ainda: indicar junto à imprensa especializada e à imprensa em geral as discordâncias acadêmicas da classe contábil ante a situações de dubiedades interpretativas. Ou então que estejamos preparados para assistir passivamente que outros profissionais ocupem um espaço que naturalmente seria do Contador, que outros profissionais venham à imprensa dizer que o Balanço não expressa a realidade da empresa, que estejamos preparados para assistir ao "desfile da banda", quando na verdade podemos ser, se quisermos, o maestro dela.

Sem algum corporativismo, não há melhor profissional do que o Contador para a gestão financeira de uma empresa, para a controladoria, tesouraria, orçamento e planejamento, sabem por quê? Porque não se toma uma decisão, em qualquer empresa, sem se estar com um relatório produzido pela Contabilidade à frente. Pois é... Não fomos formados apenas para produzir números, mas fundamentalmente para entendê-los, criticá-los e informá-los. A sociedade não tem a mínima idéia do que é levantar peças contábeis numa profusão de regras, normas e leis, algumas criadas, não pelos Contadores, registre-se.

Em qualquer época, as informações para a tomada de decisão sempre estiveram calcadas num binômio: velocidade e qualidade. Num mundo global, é uma questão de sobrevivência. Preparemo-nos pois para o momento em que a tecnologia igualará todas as empresas. Preparemo-nos para o momento em que haverá universalidade dos princípios contábeis, onde tais princípios, além de fundamentais e geralmente aceitos, serão globais e as leis de cada país seguirão também um padrão universal, com pouca ou nenhuma margem para subjetividades. E aí, Sr. Contador, preparado para o futuro?

Prof. Raimundo Aben Athar
Universidade Candido Mendes
Fundação Getúlio Vargas
[email protected].

Leia mais sobre

O artigo enviado pelo autor, devidamente assinado, não reflete, necessariamente, a opinião institucional do Portal Contábeis.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS

ARTICULISTAS CONTÁBEIS

VER TODOS

O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.