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Sociedade Simples e Sociedade Limitada: Parte 1: Teoria Geral das Sociedades

Dos diversos tipos societários previstos no nosso ordenamento, apenas três possuem importância econômica: a sociedade anônima, a limitada e a simples. Porém, somente os dois últimos são adequados aos empreendimentos de menor porte.

11/02/2014 00:44

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Sociedade Simples e Sociedade Limitada: Parte 1: Teoria Geral das Sociedades

Uma atividade negocial pode ser exercida tanto por um só indivíduo, quanto pela associação de pessoas. Este último caso é o objeto do nosso estudo o qual passaremos a analisar.

1- Conceito

Campinho[1] define sociedade como: O resultado da união de duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, que, voluntariamente, se obrigam a contribuir, de forma recíproca, com bens ou serviços, para o exercício proficiente de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados auferidos nesta exploração.

Não há divergência entre os doutrinadores quanto ao conceito de sociedade, nosso ordenamento também a conceitua no artigo 981 do Código Civil. Diz este artigo que: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”

2 - Natureza jurídica

Nosso Código Civil dispõe no art. 44 o seguinte: “São pessoas jurídicas de direito privado: (a) as associações; (b) as sociedades; (c) as fundações; (d) as organizações religiosas e (e) os partidos políticos.”

Pelo citado artigo podemos dizer que a sociedade é uma pessoa jurídica. O que significa ser uma pessoa jurídica?  Ensina Fabio Ulhoa Coelho[2] que sujeito de direito é conceito mais amplo que pessoa jurídica. Sujeito de direito são pessoas físicas, jurídicas e entes sem personalidade, tais como o espólio, a massa falida, o condomínio horizontal, o nascituro e outras.

Todos são aptos a contrair direitos e obrigações, no entanto, diz ele: Ao personalizar algo ou alguém, a ordem jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo ou alguém está apto a praticar. Em relação às pessoas, a ordem jurídica apenas delimita o proibido; a pessoa pode fazer tudo, salvo se houver proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados, não existe autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles expressamente definidos.

Sabendo que a sociedade é um ente personalizado, o que a distingue dos demais elencados no artigo 44?

Nas associações os fins são não-econômicos, art. 53.

As fundações só podem se constituir para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência, art. 62, parágrafo único.

Quanto às organizações religiosas e partidos políticos, não cabem maiores discussões. Logo o que diferencia os demais entes das sociedades é que nestas há fins econômicos e repartição do resultado entre os seus integrantes. Podemos então concluir que não mais existem sociedades sem fins lucrativos.

3- Efeitos da personalisação

Há consequências jurídicas que ocorre a partir da existência da pessoa jurídica, a principal delas é que, por força do artigo 44, II, do Código Civil, a sociedade é uma pessoa jurídica, e desta personalização decorrem três efeitos: (a) a titularidade obrigacional; (b) a titularidade processual e (c) a responsabilidade patrimonial.

Quando falamos em titularidade obrigacional, queremos dizer que nos negócios jurídicos praticados em decorrência do exercício da atividade, tais como a compra de insumos do fornecedor, a venda de mercadorias para o consumidor, o pagamento de tributo para o ente estatal, o pagamento de salário para os funcionários, entre outros, quem figura na relação jurídica é a sociedade e não os sócios.

A titularidade processual é a capacidade para participar de uma relação jurídica processual, isto é, nos processos relacionados às suas obrigações jurídicas, a parte legítima é a sociedade e não os sócios, se a demanda recair neste último haverá carência de ação por ilegitimidade da parte.

E, por último, a responsabilidade patrimonial é a não comunicação, em regra, com o patrimônio dos sócios.

4- Elementos

Os elementos que passaremos a analisar estão contidos no conceito de sociedade adotado pelo nosso Código Civil no artigo 981. São os seguintes: (a) ajuste de vontades; (b) pluralidade de pessoas; (c) obrigações recíprocas; (d) finalidade econômica e (e) partilha dos resultados.

4.1- O ajuste de vontades

A união de pessoas com o objetivo de realizar uma atividade econômica é um fato social. A partir do momento em que este fato é previsto na norma jurídica, e o é por força do art. 981, passa a ter o status de fato jurídico.

O contrato de sociedade é um acordo de vontades, não devemos confundi-lo com o instrumento de contrato, que é o documento que a lei exige para comprovar o acordo de vontades.

A Personalização da sociedade se inicia, nos termos dos arts. 45, 985 e 1.150 do Código Civil, com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.

Ato constitutivo é no dizer de Gladston Mamed[3]:

O primeiro elemento da dimensão escritural da pessoa jurídica. Este instrumento define as relações entre os membros da entidade e, portanto, arbitra os limites à atuação de cada qual, permitindo compor o regulamento pelo qual a pessoa jurídica resolverá seus ‘assuntos internos’.

Tanto a sociedade simples quanto a sociedade limitada constituem-se por meio de um contrato entre os sócios. Este contrato é disciplinado por normas empresariais e normas civis.

Fábio Ulhoa Coelho[4] exemplifica esta questão nos seguintes termos: Nos contratos em geral, a alteração das cláusulas estabelecidas de comum acordo não pode ocorrer sem a concordância manifesta de todos os contratantes; no contrato social, no entanto, a alteração pode dar-se, válida e eficazmente, por vontade de alguns dos contratantes (os representantes da maioria do capital social) . Disparidades desta ordem despertam na tecnologia societária a questão sobre a pertinência de se atribuir ao ato constitutivo da sociedade a natureza de um contrato.

O principal efeito do contrato social, conforme já debatido anteriormente, é a criação de um novo sujeito de direito, a pessoa jurídica da sociedade. Logo o contrato não faz nascer somente direitos e obrigações entre os sócios, gera também obrigações destes para com a sociedade, conforme veremos adiante.

Para ser válido, o contrato social deve atender aos requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, conforme dispõe o art. 104 do Código Civil, quais sejam: (a) agente capaz; (b) objeto lícito e (c) forma prescrita em lei.

Além destes requisitos, o contrato social ainda possui dois outros que podem ser denominados de requisitos específicos, que são: (a) a contribuição de todos os sócios para a formação da sociedade e (b) a participação de todos os sócios nos resultados sociais.

Para que a sociedade exista o contrato social deve atender a dois pressupostos: (a) a pluralidade de sócios e (b) a affectio societatis.

O primeiro pressuposto significa que sendo a sociedade constituída por contrato, há que se ter o entendimento de no mínimo duas pessoas, pois ninguém contrata consigo mesmo.

O segundo pressuposto é a disposição dos sócios em manter a sociedade, na falta desta disposição ela deverá ser dissolvida.

O que importa por ora é estabelecer a diferença prática entre os requisitos de validade e os pressupostos de existência. Os primeiros geram o efeito da invalidação do contrato ou de uma disposição contratual e os últimos conduzem à dissolução da sociedade.

A invalidação do contrato pode comprometer todos os efeitos entre os sócios decorrentes do contrato social, enquanto que a dissolução nunca importa a desconstituição dos efeitos pretéritos do contrato.

O contrato social se desdobra em cláusulas, estas podem ser classificadas em essenciais e acidentais. As primeiras estão previstas no art. 997 do Código Civil, e são indispensáveis ao registro no órgão competente, ao passo que as últimas dizem respeito às relações entre os sócios e sua ausência não obsta o arquivamento do contrato.

No caso de ausência das cláusulas essenciais o contrato social não poderá ser registrado e a sociedade estará irregular.

A forma adotada para o contrato social é a escrita, por instrumento público ou particular, art. 997 do Código Civil.

Por vezes, o contrato social necessita ser modificado para atender às necessidades da atividade ou dos sócios, por exemplo: o aporte de capital, a entrada de novos sócios, a mudança de sede social, a alteração da denominação social entre outras.  Para a realização destas alterações no contrato social, tanto das sociedades limitadas quanto das sociedades simples, os sócios deverão seguir rígidas formalidades, conforme veremos em momento oportuno.

Por exemplo: para a modificação do contrato social de uma sociedade simples, devem ser observadas as disposições do art. 999 do Código Civil. Outro ditame provém do parágrafo único deste mesmo artigo, é quanto à forma.

Deverá ser escrita, por instrumento público ou particular, independentemente de como se realizou o ato constitutivo. Por exemplo: se o ato constitutivo foi realizado por instrumento público, a alteração do contrato poderá ser feita mediante instrumento particular, ou, caso desejem os contratantes, continuar sendo feita por instrumento público.

Por fim, será necessário que o instrumento de alteração seja levado ao registro no órgão competente.

Quando o contrato não é levado ao registro, seja o instrumento de constituição, seja os atos alteradores, a sociedade estará irregular e será regida conforme as disposições dos artigos 986 ao 990 do Código Civil.

O órgão competente para registrar o contrato é o descrito no art. 1.150 que informa o seguinte:

O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

Pelo que dispõe o citado artigo, o novel legislador manteve um duplo regime jurídico, a exemplo do que ocorria nas legislações anteriores. As sociedades empresárias ficam vinculadas ao Registro Público de Empresas Mercantis e as sociedades simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Cada um dos registros possui normas distintas. O Registro Civil das Pessoas Jurídicas tem como principal norma reguladora a Lei 6.015/73, ao passo que o arcabouço normativo do Registro Público de Empresas Mercantis é a Lei 8.894/94.

No entanto, o mais importante do artigo 1.150 é a segunda parte. A ordem expressa é que a sociedade simples que adotar um dos tipos de sociedade empresária continua vinculada ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, contudo este órgão deverá observar que as normas aplicáveis para o registro desta sociedade são as do Registro Público de Empresas Mercantis.

4.2- A pluralidade dos sócios

Sócios são as pessoas físicas ou jurídicas contratantes da sociedade. Para haver sociedade é necessário um número mínimo de duas pessoas. A nossa legislação não prevê um limite máximo de participantes.

Para ingressar na sociedade, os interessados deverão observar certos requisitos legais. Vamos analisar três casos em especial: (a) os menores e os incapazes; (b) os legalmente impedidos e (c) a sociedade entre cônjuges.

Diz o art. 972 do Código Civil: “podem exercer atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.”

A questão da participação do menor não emancipado nas sociedades sempre despertou divergências na doutrina (a plena capacidade civil se adquire aos dezoito anos nos termos do art. 5º do código Civil), isto porque o Código Comercial vedava a participação destes em sociedade.

Para resolver principalmente problemas de sucessão causa mortis, a jurisprudência passou a admitir a participação destes, desde que: (a) estivessem devidamente assistidos ou representados, (b) não participassem da administração da sociedade e (c) o capital social estivesse integralmente realizado.

É possível que no curso da existência de uma sociedade, um dos sócios se torne incapaz, (por exemplo: casos de enfermidades, deficiência mental, ébrio habitual, viciados em tóxicos, pródigos) nestes casos a continuidade do exercício da atividade de empresário dependerá das formalidades previstas no art. 974 do Código Civil.

Os legalmente impedidos de exercerem a atividade de empresário não são os incapazes e sim pessoas em pleno gozo da vidacivil, mas que, por dever de ofício, sofrem restrições no direito de participar e/ou administrar a sociedade, estas limitações não têm previsão no Código Civil e sim em leis esparsas. Exemplo de pessoas legalmente impedidas são os magistrados, os funcionários públicos, militares, entre outros casos. É certo que normalmente as leis proibitivas admitem a participação das pessoas impedidas na qualidade de cotistas ou acionistas, mas não como administradores.

A sociedade entre cônjuges sofreu a proibição imposta pelo art. 977 do Código Civil quando o regime de bens for o da comunhão universal ou o regime da separação obrigatória. Tavares Borba[5] critica o preceito:

Com relação à comunhão universal, especialmente se a participação for em sociedade anônima ou em sociedade limitada, cujos aportes de capital guardam a conotação de investimento, a proibição estabelecida não deverá resistir ao esforço interpretativo da doutrina e jurisprudência, que certamente concluirão por assentar que a limitação apenas se aplica às sociedades de pessoas, porquanto, nas sociedades de capital, o que importa é a aglutinação de capitais, que no caso, estaria atendida, e a pluralidade dos sócios, que também a toda evidência, estaria preenchida.

Além dos requisitos para ingressar na sociedade, é mister ressaltar que no Brasil não há previsão de sociedade unipessoal, salvo a subsidiária integral prevista no art. 251 da LSA.

No entanto, no transcurso da vida social, pode a sociedade ficar com apenas um único sócio. Por exemplo: na sociedade de apenas dois sócios, um deles falece, ou, ocorre algum dos casos de incapacidade já mencionados acima.

O caminho natural é a dissolução, mas, prestigiando a importância social da empresa, o art. 1.033, IV, prevê a possibilidade da continuidade da sociedade, com apenas um sócio, pelo prazo de até 180 dias.

Este dispositivo inserido no capítulo da sociedade simples também pode ser aproveitado pelas limitadas, mesmo naquelas de regência supletiva das anônimas, isto porque sendo a limitada sociedade contratual, as regras de constituição e dissolução não podem ser compatíveis com as sociedades institucionais. Nesta esteira está José Campinho[6] e Fábio Ulhoa Coelho[7].

4.3- Obrigações recíprocas

As obrigações recíprocas contidas no conceito do artigo 981 do Código Civil se referem ao dever que os sócios assumem para a formação do capital social.

O capital social é, no dizer de Tavares Borba[8], “a cifra correspondente ao valor dos bens que os sócios transferiram ou se obrigaram a transferir à sociedade.”

Os sócios devem contribuir com bens ou serviços, a depender do tipo societário adotado, para que a atividade possa cumprir sua função social.

A contribuição é um dever jurídico, isto quer dizer que os sócios prometem transferir do seu patrimônio pessoal uma determinada quantia para a sociedade, caso a promessa não se concretize, esta pode cobrar-lhes o devido pela via judicial ou extrajudicial.

O capital social é fracionado em cotas. Cota é a entrada de valores com o qual os sócios contribuem para a formação do capital social. Quando a cota é realizada, há uma transferência de propriedade, o que fazia parte do patrimônio do sócio passa a integrar o patrimônio social, salvo disposição em contrário e de forma expressa, a exemplo do que informa Sérgio Campinho[9] sobre a integralização com permissão temporária de uma patente.

A natureza jurídica da cota é apontada na doutrina como um direito patrimonial e pessoal. É patrimonial em razão do crédito pelo lucro e partilha na liquidação final, e é pessoal porque o titular possui o direito de deliberar, fiscalizar e de preferência na subscrição para o aumento de capital.

As cotas não são títulos de crédito, conforme ocorre com as ações da sociedade anônima.

Pela sistemática do Código, vedou-se à sociedade limitada e à sociedade simples adquirir suas próprias cotas.

No art. 1.057, está disposto que o sócio está autorizado a ceder suas cotas a quem seja sócio ou a estranho ao corpo social. No art. 1.058, está disposto que as cotas do sócio remisso podem ser tomadas para si pelos sócios ou transferidas a terceiros não sócios.

Além destes dispositivos concernentes à sociedade limitada, também o art. 1.031, §1º, estatui que o capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

Sobre o assunto assevera José Campinho[10]:

Daí se tem que a razão da regra é o fato de a sociedade não poder ser titular das quotas, mas, no caso em foco, somente os sócios, os quais, suprindo o respectivo valor, evitariam a diminuição do capital social. Se a sociedade pudesse se tornar titular das quotas pertencentes ao sócio retirante, excluído ou falecido, nada impediria que, tomando ditas quotas para si, e fazendo uso de reservas especiais ou lucros acumulados, evitasse a redução do capital, solução esta, entretanto, não tutelada pela lei.[...] Mesmo no caso de aplicação subsidiária da lei das S/A à sociedade limitada, decorrente de expressa previsão contida no contrato social, a outra conclusão não se pode chegar. Como existe um regramento sistêmico da matéria no Capítulo próprio da sociedade limitada, não há que se invocar a regra da alínea b, do §1º, do art. 30 da Lei 6.404/76 para legitimar a aquisição, posto que para a situação não há necessidade de se buscar regra supletiva. [...] O Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC adotou para a matéria o entendimento que temos sustentado desde a primeira edição desta obra, consagrando não poder a sociedade limitada adquirir suas próprias quotas. É o que se infere da Instrução Normativa nº. 98, de 23 de dezembro de 2003, que aprovou o Manual de Atos de Registro da Sociedade Limitada, ao dispor em seu item 3.2.10.1: ‘A aquisição de quotas pela própria sociedade já não mais está autorizada pelo novo Código Civil’

Tanto a sociedade limitada quanto a sociedade simples permitem a cessão das cotas, cada qual com regras próprias. Na sociedade simples o art. 1.003 prevê que a cessão só poderá ser realizada com o consentimento unânime dos sócios e a respectiva modificação do contrato social.

Na limitada a cessão depende do que for estipulado no contrato social, sendo este omisso, a regra a ser adotada é a do art. 1.057, que dispõe que a cessão é livre para os sócios e condicionada à aprovação de ¼ do capital social para terceiros.

Assevera, com propriedade, José Campinho[11]: Não nos sensibiliza a permissão da cessão a quem seja sócio, independente da anuência dos demais. A medida poderá vir a desequilibrar a participação inicial do capital dos cotistas, o que, em certos tipos de sociedade, causará abalo nas relações internas dos sócios, podendo levar à quebra da unidade desejada. [...] Em virtude do regramento legal, em nossa opinião deficiente, recomenda-se aos sócios que regulamentem, minudentemente, a cessão das quotas em cláusula especial. O contrato social deverá, pois, a fim de evitar dúvidas e incertezas geradoras de querelas sociais, ter disposições bem claras e precisas a respeito, disciplinando convenientemente a transferência de quotas, explicitando se o regime é da liberdade plena da cessão, ou da condicionada a decisão unânime do cotista ou à maioria representativa do capital social, podendo-se, ainda, criar, em determinado casos, um quorum intermediário, dois terços, por exemplo. Mesmo no regime da livre cessão, devem os sócios estabelecer se haverá a preferência dos demais sócios para a aquisição das quotas em igualdade de condições com terceiros, ficando o modo de exercitar essa preferência.

Ainda em relação às limitadas, o parágrafo único do art. 1.057 estipula que o instrumento da cessão deverá ser averbado para que haja eficácia perante a sociedade e terceiros, logo o que se infere é que na limitada não é necessário a modificação do contrato para a eficácia da cessão, basta que o instrumento da cessão seja averbada.

Na sociedade simples, conforme mencionamos, a modificação do contrato social é imprescindível para a eficácia do ato.

A cota poderá ser objeto de caução, caso o contrato permita.

A penhorabilidade da cota sempre foi assunto divergente no seio da doutrina, no atual código ganhou contornos diferentes. Mesmo que o contrato não permita a cessão de cotas, estas poderão ser levadas a hasta pública. No entanto, a sociedade, na qualidade de terceira pessoa interessada, poderá valer-se do instituto processual da remição para reafirmar sua condição de sociedade de pessoas e arrematar as cotas do sócio devedor.

4.4- Finalidades econômicas

Como já salientado, a sociedade se distingue da associação e da fundação por estar voltada à finalidade econômica. Finalidade econômica é a atividade que está voltada para atender ao mercado, busca-se a produção de riquezas e o auferimento das vantagens correspondentes. Não se destina ao mercado, por exemplo, a produção de bens para consumo próprio.

4.5- Partilha dos resultados

A partilha dos resultados é outro traço que diferencia as sociedades das fundações e associações. O art. 1.008 do Código Civil estabelece a nulidade de cláusula contratual que exclui qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.

5- Espécies de sociedades

Estabelece o art. 982 o seguinte: Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples as demais. Parágrafo Único. Independentemente do objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Analisando o artigo 982, podemos chegar a algumas conclusões. A primeira delas é que há duas espécies de sociedade, a empresária e a simples. A segunda é que a definição de sociedade empresária deve ser tomada, na acepção do código, conjugando os conceitos de empresário previsto no art. 966 e de sociedade previsto no art. 981. E, por fim, a definição de

sociedade simples se dá por exclusão, esta é a que exerce atividade não empresarial.

Por sua vez informa o art. 966: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”

A doutrina[12] vem se debatendo sobre o melhor critério para a definição de sociedade empresária e simples e também qual seria o elemento diferenciador entre elas.

O ponto de partida para o deslinde da questão é o art. 966, por este artigo podemos concluir que a sociedade empresária se caracteriza quando estão presentes os seguintes elementos: (a) atividade exercida por pessoa jurídica; (b) profissionalidade; (c) economicidade e (d) organicidade.

A profissionalidade não se refere a uma qualidade pessoal do empresário, e sim ao modo com que se exerce a empresa. É a intenção do empresário em exercê-la de maneira estável. É a habitualidade do exercício da empresa.

Economicidade se refere à criação de riquezas, é a atividade dirigida ao mercado, isto é, deve ser destinada à satisfação de necessidades alheias, em contraste com a produção para uso próprio.

Organicidade é o traço característico da atividade empresária, ou seja, é por este elemento que distinguimos se uma sociedade é empresária ou simples.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho[13], a atividade é organizada quando nela se encontram articulados pelo empresário os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia.

Portanto, se há organicidade estamos diante da sociedade empresária, se não, a sociedade é simples.

Em regra, não é a natureza da atividade que define se a sociedade é empresária ou não-empresária e sim o modo como é explorada. Repetindo o que já foi dito anteriormente, se a atividade é explorada com articulação dos fatores de produção estamos diante da sociedade empresária, caso não se encontre na atividade explorada articulados os fatores de produção, estamos diante de uma sociedade simples.

Porém existem as seguintes exceções consignadas no parágrafo único do art. 982, quais sejam: as sociedades por ações serão sempre empresárias mesmo que não articulem os fatores de produção, ao passo que as cooperativas serão sempre simples, ainda que operem suas atividades de forma a articular os fatores de produção.

Em suma, pode-se determinar se uma atividade é empresária ou simples por dois critérios: o primeiro é quanto ao modo como a atividade é explorada e o segundo é a forma de atuação adotada, neste segundo caso, se a atividade adota a forma de sociedade anônima será sempre empresária e, por outro lado, se adota a forma de cooperativa será sempre simples. Há outras exceções expressas, onde não importa como a atividade é explorada, é o exemplo das sociedades de advogados que por lei será sempre simples.

Gladston Mamed[14] vem corroborar com o entendimento acima exposto exemplificando:

“Não é simplesmente a existência de uma organização, ou o trabalho voltado para produção de riqueza, a marca caracterizadora da empresa, mas a forma como se desenvolvem suas atividades, a forma pela qual existe e se posta no mercado. [...] Essas atividades são caracterizadas como empresariais por sua arquitetura, pela forma de serem combinadas, suplantando a atuação assistemática, excessivamente identificada com a pessoa do agente (daquele que atua). [...] As atividades empresariais são realizadas de forma impessoal, por uma complexa estrutura de pessoas e equipamentos, seguindo rotinas próprias, voltadas à realização dos fins sociais. [...] As sociedades simples são todas aquelas cujas atividades, por força de lei (ex vi legis, como ocorre com a sociedade de advogados), ou em virtude da vontade de seus sócios (ex-voluntate), recusa a organização empresarial de suas atividades, optando por uma organização pessoal, simples, fora da lógica do mercado.”

Visto o conceito de sociedade empresária, passamos a analisar a sociedade simples. O direito positivo brasileiro ao adotar a “Teoria da Empresa” passa a dar tratamento diferenciado às atividades segundo sua “importância econômica”, desta forma reservou um regramento próprio para as atividades de menor vulto.

São quatro as hipóteses de atividades não-empresariais: (a) atividades econômicas sem organização dos fatores de produção, art. 982, 2ª parte; (b) atividades dos profissionais intelectuais, art. 966, parágrafo único; (c) atividade rural não inscrita no Registro Público de Empresas, art. 984 e (d) cooperativas, art. 982, parágrafo único, 2ª parte.

Para Fábio Ulhoa Coelho[15], a sociedade simples cumpre três importantes funções: (a) é um tipo societário adequado aos pequenos negócios em razão da simplicidade e agilidade, (b) é o tipo societário cujas regras são utilizadas subsidiariamente pelas sociedades limitadas,
sociedades em nome coletivo, cooperativas, e sociedades em comandita, e (c) além de tipo societário e modelo geral, é uma categoria de sociedade. Em outras palavras: em sentido estrito designa um tipo societário, em sentido lato designa a categoria de sociedades não-empresárias.

Em sentido contrário à Coelho e Mamed, Campinho defende que não é o modo pelo qual se explora a atividade o elemento diferenciador, e sim o objeto e a forma.

Segundo o ilustre doutrinador, a sociedade que tem por objeto as atividades de indústria, comércio e serviços serão sempre empresárias enquanto que as sociedades simples só existem se estiverem expressa autorização legal como por exemplo as cooperativas, sociedades que exploram atividade rural e a sociedade de advogados.

6- Tipos societários

Nosso ordenamento adotou o princípio da tipicidade societária, segundo este princípio só é possível constituir uma sociedade segundo os estritos preceitos previstos na lei.

Cada tipo societário possui regras próprias, não se pode adotar um tipo misto. Explico: não se poderia constituir uma sociedade limitada que emita debêntures, pois esta possibilidade é própria da sociedade anônima. Esta afirmativa advém da interpretação do art. 983 do Código Civil. O desrespeito a estas regras implicará em nulidade do registro.

Conforme o art. 983, a sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos artigos 1.039 ao 1.092, e a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um destes tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhes são próprias.

A sociedade empresária pode adotar as seguintes formas societárias (tipos societários): (a) Sociedade em Nome Coletivo, art. 1.039 ao 1.044; (b) Sociedade em Comandita Simples, art. 1.045 ao 1.051; (c) Sociedade Limitada, art. 1.052 ao 1.087; (d) Sociedade Anônima, art. 1.088 ao 1.089 e (e) Sociedade em Comandita por Ações, art. 1.090 ao 1.092.

Adotando a interpretação literal do artigo 983[16] [17], admite-se ser possível as seguintes variantes de sociedade simples: (a) sociedade simples em nome coletivo; (b) sociedade simples emcomandita simples; (c) sociedade simples limitada; (d) sociedade simples em comandita por ações e (e) sociedade simples anônima.

Ressalta-se desde logo que a doutrina não é unânime quanto à interpretação deste artigo. Para Gladston Mamed[18], a sociedade simples não poderia adotar a forma de sociedade anônima e sociedade em comandita por ações, em virtude de que, conforme dispõe o parágrafo único do art. 982, estes tipos são caracterizadores de empresa.

Posição também adotada por Tavares Borba[19] e Arnold Wald[20].

7- Efeitos da aquisição da condição de empresária ou simples pela sociedade

É importante compreendermos que nosso ordenamento prevê dois regimes jurídicos distintos, um para as atividades negociais de menor expressão e outro para as atividades de vulto econômico.

A sociedade que exerce atividade de vulto econômico é denominada de sociedade empresária, esta qualificação gera os seguintes efeitos: (a) Está sujeita ao Registro Público das Empresas Mercantis, art. 1.150; (b) submete-se à Lei de Falências, art. 2.037 e (c) deve manter escrituração especial, art. 1.179 e 1.180.

Quando a sociedade se qualifica como simples os efeitos são diversos dos da sociedade empresária. Nos casos de impontualidade, as sociedades simples não estão sujeitas às regras da falência e sim às normas da insolvência civil previstas no Código de Processo Civil, artigos 748 e seguintes.

A sociedade simples que adota o tipo de empresária, não perde sua condição de simples, é regulada pelas regras do tipo adotado, no entanto, supletivamente, a regra aplicável é a da sociedade simples.

8- Classificação das sociedades

São três as classificações mais importantes: (a) quanto à responsabilidade dos sócios; (b) quanto à condição pessoal dos sócios e (c) quanto à natureza dos atos constitutivos.

A primeira classificação se refere à responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Deve-se ressaltar que a sociedade, que é pessoa jurídica, sempre responde ilimitadamente pelas suas obrigações, no entanto, dependendo do tipo societário, os sócios respondem limitada ou ilimitadamente pelas dívidas contraídas por aquela.

Nas sociedades de responsabilidade limitada os sócios, em regra, só respondem pelas contribuições ao capital.

Nas sociedades de responsabilidade ilimitada os sócios respondem pelas dívidas sociais de forma pessoal, subsidiária, ilimitada e solidária.

Nas sociedades mistas há sócios de responsabilidade limitada convivendo com outros sócios de responsabilidade ilimitada.

A segunda classificação refere-se à condição pessoal dos sócios. Divide-se em sociedades de pessoas e sociedades de capital. Nas primeiras a qualidade pessoal dos sócios é fundamental para a atividade, ao passo que nas sociedades de capital a qualidade pessoal do sócio é secundária, a principal é a contribuição que ele faz para a formação do capital social.

Esta classificação é importante para o deslinde de questões como sucessão e penhora das cotas sociais.

A última classificação se refere à natureza dos atos constitutivos, divide-se em sociedades contratuais e institucionais. Nas primeiras o ato constitutivo é um contrato, enquanto que nas sociedades institucionais o ato constitutivo é um estatuto.

[1] CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 36.

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 2., p. 10.

[3] MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias., v. 2. São Paulo: Atlas, 2004., p. 63.

[4] COELHO, Curso de direito comercial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 2., p. 373.

[5] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 37.

[6] CAMPINHO, op. cit., p. 215.

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 2., p. 377.

[8] BORBA, Direito Societário…,op. cit., p. 51.

[9] CAMPINHO., op. cit., p. 84.

[10] Ibidem, p. 177.

[11] Ibidem, p. 181.

[12] TOMAZETTI, op. cit., p. 5.

[13] COELHO, Parecer..., op. cit., p. 7.

[14] MAMED, op. cit., p. 282.

[15] Ibidem, p. 11.

[16] CAMPINHO, op. cit., p. 54.

[17] REALE, Miguel. A sociedade Simples e a Empresária no Código Civil. São Paulo, Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/socse.htmAcesso em: 21 jun. 2005. p.2.

[18] MAMED, op. cit., p. 283.

[19] BORBA, José Edwaldo Tavares.Direito societário..., op.cit., pág. 10.

[20]WALD, op. cit., p. 10.

 

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