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Tributário

Conceito de serviço: expressão "qualquer natureza" empregado na Constituição Federal. Reflexão para conflitos atuais.

Como se define a prestação de serviço? A Constituição Federal traz de forma explícita tal conceito? De que forma o Direito Privado e o Judiciário tem colaborado com o tema e quais as opções existentes para dirimir os conflitos atuais?

27/03/2018 08:43

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Conceito de serviço: expressão

Conceito de serviço: expressão

Muitos estudiosos e notáveis do Direito, dedicaram-se ao estudo do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISSQN); destacadamente sobre as controvérsias que envolvem seu aspecto material: prestação de serviços.

Foram diversas as contribuições sobre os contornos que envolvem o conceito e o alcance do termo “prestação de serviços”:

i)             a prestação de serviço como uma obrigação de fazer;

ii)            o elemento da prestação de um esforço humano;

iii)           a transmissão de um bem imaterial;

iv)          a prestação do serviço como um negócio jurídico;

v)            um fazer mediante uma contraprestação (conteúdo econômico);

vi)          preponderância do “fazer”, sendo o “dar” um mero aspecto acessório; dentre outros.

Essas manifestações por estudiosos e especialistas, senão suficientes para pacificar o assunto, foram relevantes para o fomento das discussões sobre o termo, além de despertarem, principalmente naqueles que iniciam sua jornada na área fiscal/tributária, uma busca incessante pelo saber e por respostas sobre um tema que até hoje suscita dúvidas e insegurança jurídica aos contribuintes.

Vejamos algumas dessas definições:

  • Heleno Taveira Torres:

“Prestação de serviços designa uma obrigação de fazer, um negócio jurídico pelo qual uma parte se obrigue a realizar um ‘fazer’, a prestar um serviço, mediante o pagamento de contraprestação” (1).

  • José Eduardo Soares de Melo:

“O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a 'serviço, mas a uma 'prestação de serviço', compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de 'fazer', de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado” (2).

  • Aires Fernandino Barreto:

“[...] é lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Não é esforço desenvolvido em favor do próprio prestador, mas de terceiros” (3).

Por outro lado, no campo do Judiciário, tivemos embates entre Fisco e contribuintes, sobretudo no julgado do Recurso Extraordinário 116.121-3/SP, cujos debates trouxeram à baila raciocínios, argumentações e pontos de vista que deram novos contornos às discussões.

Um ponto comum entre todos que se prestam a discutir o conceito de prestação de serviço e o seu alcance para fins de incidência do ISS é o marco inicial de sua análise: a Constituição Federal.

E não poderia ser diferente. A Constituição Federal, Carta Magna, deve ser a referência primeira para a compreensão da materialidade de qualquer tributo:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Da leitura do artigo supracitado, cabe ressaltar duas condições:

1)   A competência para cobrança do ISS não alcançará os serviços compreendidos na competência do ICMS: transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;

2)   Ainda que a operação se enquadre como serviço, far-se-á necessária sua previsão na lei complementar. Do contrário, ainda que seja serviço, não haverá a tributação pelo ISS.

Porém, quanto ao conceito, a Constituição Federal não traz de forma explícita o que é serviço e gera no âmbito do direito tributário a discussão do alcance no texto constitucional da expressão “serviços de qualquer natureza”.

A partir disso, destaco duas linhas de pensamento que visam dar uma resposta à essa problemática.

A primeira à luz da ciência da hermenêutica jurídica, que segundo Carlos Maximiliano, “tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” (4).

Atenta-se à necessidade de uma interpretação sistemática e histórica da Constituição Federal.

A Segunda encontra lugar nos conceitos civilistas e presentes em outras ciências como a Economia, Contabilidade e Finanças, isso em razão do que prevê o art. 110 do Código Tributário Nacional:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Nesse contexto e para fins de uma resposta ao tema, é imprescindível salientar o julgado do Recurso extraordinário 116.121-3/SP (DJ de 25 de maio de 2001) que representou um marco jurídico para a solução do conflito.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acatou, por maioria de votos, com base no art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN), o conceito civilista de que o serviço era, de fato, uma obrigação de fazer.

Em destaque votos dos seguintes Ministros:

  • Ministro Marco Aurélio:

“Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo em comento”. (Grifo nosso)

  • Ministro Celso de Mello:

[...] “eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. (Grifo nosso)


Não há dúvidas de que os votos acima referidos buscaram seu apoio nas definições constantes do Direito Privado e serviram à época para tentar dirimir os conflitos existentes entre o ISS e o ICMS.

A grande crítica para este conceito civilista é o de que nem mesmo o Código Civil possui um significado do que seja serviço, havendo, portanto, um conceito construído pela própria doutrina. 

Porém, o RE 116.121-3/SP trouxe outro argumento e conceito que diferente do sobredito, centrou-se no alcance do termo serviço resultante do próprio texto constitucional. E é esse conceito o âmago de nossa discussão.

No voto divergente, o Ministro Octavio Gallotti, dispôs em seu voto, que a Constituição Federal ao utilizar o termo de “qualquer natureza” não estaria o utilizando de forma ociosa ou sem função e que a este deveria se extrair algum efeito útil.

O ISS teria uma “incidência residual”, ou seja, a expressão “qualquer natureza” alcançaria todas as operações que não fossem tributadas pelo ICMS, com a intenção de que não houvesse operação que não fosse onerada por um desses dois impostos.

Forma de tributação que remonta à reforma tributária de 1965 (Emenda Constitucional 18/1965) que utilizou a expressão de “qualquer natureza” para alargar a compreensão do que seja serviço, desde que não colidisse com as operações tributadas pelo ICMS.

A EC 87/65 trouxera então um conceito mais amplo do termo serviço.

RE 116.121-3/SP:

“A incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, o que se tributa é a entrega de um bem móvel a terceiro, por determinado tempo, para seu uso e gozo, mediante remuneração. Como inexiste transferência da propriedade do bem material, pois o bem locado é restituído do dono, na locação de bens móveis não pode haver a incidência do ICM. O legislador não desejou que a locação de bens móveis deixasse de ser onerada. Daí colocá-lo no campo de incidência do único imposto (ISS) que poderia abranger a referida atividade”.

Delineado o entendimento externado por notáveis do direito sobre o alcance do termo serviço presente na própria Constituição Federal, qual seja, a “incidência residual” do ISS; transpomos a tese ora concebida para reflexão de temas atuais.

Seria a “incidência residual” do ISS, uma alternativa para solução dos entraves quanto à tributação dos bens digitais?

Em operações tidas como complexas que reúnem tanto obrigações de “fazer” como de “dar”, não tipificadas nas hipóteses de incidência do ICMS; caberia a incidência do ISS por se caracterizar como de qualquer natureza?

Particularmente, entendo que a legislação precisa se inovar/atualizar ao passo que surgem novas figuras jurídicas, novas formas de negócios, novas formas de se relacionar.

Em alguns países a revisão do sistema tributário está condicionada a periódica observação de novas práticas e inovações das relações jurídicas.

Contudo, não me causaria espanto se a tese da “incidência residual” do ISS fosse novamente suscitada e discutida no contexto atual.

Certo é que a falta de regulação/previsão às novas relações jurídicas, aguçam o desequilíbrio fiscal, visto que permitem a existência de atividades não oneradas, seja pelo ISS ou ICMS.

Carecemos, assim, de propostas urgentes para a solução desse conflito.

Escrito por: Wellington Santos

 

Notas:

(1)   TÔRRES, Heleno Taveira. Conceito de Estabelecimento Como critério de Solução de Conflitos no ISS.

(2)   DE MELO, José Eduardo Soares. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos.

(3)   BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei.

(4)   MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.

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