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Tributário

Solução de consulta SC Nº 92 da RFB distorce julgamento do STF sobre Funrural e induz as empresas rurais a erro

Em solução de consulta a Receita Federal afirma de forma equivocada que o FUNRURAL cobrado do adquirente da produção rural também foi declarado constitucional pelo STF no Recurso Extraordinário nº 718.874/RS

04/09/2018 14:00

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Solução de consulta SC Nº 92 da RFB distorce julgamento do STF sobre Funrural e induz as empresas rurais a erro

Solução de consulta SC Nº 92 da RFB distorce julgamento do STF sobre Funrural e induz as empresas rurais a erro

A Solução de Consulta (SC) COSIT nº 92, publicada em 20 de agosto de 2018, apresenta o entendimento oficial da Secretaria da Receita Federal sobre a cobrança do FUNRURAL contra as pessoas jurídicas que adquirem as mercadorias do produtor rural pessoa física. Essa posição já havia sido vislumbrada no Parecer Cosit nº 19, de 26 de setembro de 2017[1], e agora, com a SC nº 92/18,  o Fisco responde especificamente se a responsabilidade das empresas que compram do produtor rural foi extinta pela Resolução do Senado nº 15/2017, que suspendeu a eficácia de vários dispositivos da Lei nº 8.212/91 relacionados ao FUNRURAL.

 

Dentre os dispositivos suspensos está o inciso IV, do art. 30, da Lei nº 8.212/91, com redação dada pela Lei 9.528/97, que qualificou o adquirente da produção como sub-rogado pela obrigação do produtor rural – o que na prática significa que ele está obrigado a descontar e recolher o FUNRURAL do fornecedor quando pessoa física.

 

O contribuinte por certo lançou mão da consulta para entender por que a Receita Federal continuava a cobrar o FUNRURAL, já que o dispositivo que a autorizava a tanto tinha sido defenestrado pelo Senado desde setembro de 2017. E para esclarecer essa falta de base legal, a Receita Federal respondeu que a resolução efetivamente suspendia o dispositivo que trata da sub-rogação do adquirente. No entanto, essa suspensão só valia até a data em que foi promulgada a Lei nº 10.256/01.

 

“14. Desse modo, se faz necessário a presente interpretação, no sentido de esclarecer que a contribuição social do empregador rural pessoa física, incidente sobre o produto da comercialização da produção, está suspensa, nos termos da Resolução do Senado n.º 15, de 2017, tão somente em relação ao período anterior à Lei n.º 10.256, de 2001.”

 

A SC nº 92 poderia ter cessado nesse ponto e respondido o questionamento do contribuinte. Ocorre que ela foi além e acabou extrapolando os limites do questionamento feito pelo contribuinte, tentando disseminar a ideia falsa de que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 718.874/RS, teria aprovado o dever da empresa adquirente da produção rural reter/recolher o FUNRURAL.

 

“15. A dúvida exposta pela consulente é se o instituto da sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei n.º 8.212, de 1991, não mais existiria, em virtude dos efeitos da Resolução do Senado n.º 15, de 2017, que teria suspenso a sua execução. Ocorre que conforme relatado previamente, houve a declaração de constitucionalidade da contribuição social do empregador rural pessoa física através do RE n.º 718.874/RS. A dúvida a ser confrontada é se esta última decisão do STF se restringe a contribuição referida no art. 25 da Lei n.º 8.212, de 1991, não abarcando o instituto da sub-rogação.

 

Esse expediente de tentar limitar os efeitos da resolução a partir do que foi decidido no Recurso Extraordinário nº 718.874/RS é trágico, pois o STF não tratou da responsabilidade do adquirente por sub-rogação nesse caso. E esse tema não constou da tese fixada pela Corte Suprema em sede de repercussão geral.

 

No Recurso Extraordinário nº 718.874/RS foi firmada a seguinte tese: “é constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/01, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção.” Sem dúvida, o STF declarou a constitucionalidade do FUNRURAL enquanto contribuição social imposta ao produtor rural empregador pessoa física, mas daí não se pode depreender que essa mesma contribuição possa ser validamente cobrada de terceiro, que adquire a produção rural do contribuinte.

 

O fato de a contribuição imposta ao produtor empregador rural ser constitucional não implica na constitucionalidade da cobrança dessa contribuição contra o adquirente, que só foi tratada nos votos de três dos onze ministros. Contudo, essas opiniões expressadas nos votos isolados desses ministros não fazem repercussão geral e não obrigam as instâncias inferiores.

 

A tese de repercussão geral é aquela que está no acórdão, na decisão final firmada por todos os ministros, quando o Tribunal fala com uma só voz e expõe a sua posição, que servirá de orientação para os demais juízes e para a sociedade em geral.

 

Os excertos dos votos que trataram da sub-rogação citados na SC nº 92/18 tem grande potencial para desnortear os contribuintes, que em sua vasta maioria não possuem o treinamento jurídico necessário para ler de modo correto uma decisão judicial. A partir da leitura dos trechos dos votos pinçados pela Receita, o leitor leigo acabaria por concluir que o STF tratou da questão e definiu que a cobrança é válida, donde se sucederia uma segunda conclusão, de que não há mais espaço para discussão e o melhor é se resignar e pagar.

 

Em realidade, a obrigação do adquirente não foi analisada pelo STF e, na pior das hipóteses, desconsiderando os Recursos Extraordinários anteriores sobre o FUNRURAL, é seguro afirmar que ela está bem viva e a balança pende em favor dos contribuintes, especialmente quando se considera que, por uma exigência do art. 146, da Constituição Federal[2], seria necessária Lei Complementar para instituir um novo contribuinte por sub-rogação.

 

Toda manifestação fazendária que se propõe a interpretar leis para instruir os contribuintes precisa ser lida cum grano salis, pois é sempre uma interpretação inclinada à arrecadação, e à instituição de mais deveres e mais obrigações aos contribuintes. Contudo, a SC nº 92/18 foi além dessa inclinação interpretativa e efetivamente acabou por justificar-se a partir da distorção pura e simples do veredito do STF, tentando induzir o contribuinte a pensar que a discussão sobre a cobrança do FUNRURAL do adquirente estaria encerrada a favor do Fisco.

 

A nosso ver, esse expediente retira toda a legitimidade da SC nº 92/18 e a desqualifica enquanto fonte de orientação idônea aos contribuintes, que não deverão considera-la para medir suas chances de êxito em eventual impugnação à cobrança do FUNRURAL.



[1]Eis breve excerto extraído do referido Parecer:

"Conclusão

7. Com base nas exposições acima, conclui-se, portanto, que a resolução do Senado não pode suspender irrestritamente os incisos do art. 25 da Lei 8.212, de 1991, pois o STF já confirmou sua constitucionalidade, afastando qualquer questionamento em torno dos limites da declaração de inconstitucionalidade do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG.

8. Nessa linha, entende-se, que as contribuições previstas nos incisos I e II do art. 25 e a obrigação da empresa adquirente de reter tais contribuições, são devidas desde a entrada em vigor da Lei nº 10.256, de 2001. A Resolução do Senado nº 15/2017 não é capaz de gerar qualquer efeito sobre os fatos geradores ocorridos desde então. [...]"

[2] "Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;"

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