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Societário

A primeira lei das S/As*, de 1860, já tinha como principal função um maior controle do Império sobre o mercado.

No Brasil, desde a época do Império, a principal preocupação do governo sempre foi a de controlar o mercado e é uma pena que este mesmo pensamento esteja presente ate os dias atuais.

05/09/2018 13:54:18

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A primeira lei das S/As*, de 1860, já tinha como principal função um maior controle do Império sobre o mercado.

A primeira lei das S/As*, de 1860, já tinha como principal função um maior controle do Império sobre o mercado.

Sabemos que a primeira lei brasileira que realmente discorreu mais profundamente sobre as sociedades por ações foi o Decreto-Lei Nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, porem existe uma lei ainda mais antiga que já trazia em seu texto algumas regulamentações sobre o tema. É verdade que a lei 1.083 de 1860 trata de maneira breve e superficialmente as sociedades anônimas, mas levando em consideração a raridade e a inovação que era este arranjo empresarial para a época podemos tratar com razoável confiabilidade esta lei como a primeira lei das S/As do Brasil.

Cabe lembrar que uma lei não surge apenas da mente dos legisladores, ela é criada por diversas circunstancias que vão desde a vontade popular até a pressão dos grupos de interesse e a lei 1.083 não é diferente, antes de começar a analisá-la é necessário entender um pouco do contexto da época.

Para não alongar muito o texto e tirar o foco do objetivo deste texto buscarei explicar da forma mais breve possível, mas sem perder a clareza, os acontecimentos que levaram o governo a editar esta lei.

Nesta época a economia brasileira tinha como grande motor a agricultura, esta toda movida a trabalho escravo. Em 1850 foi promulgada uma lei que proibia o comercio negreiro no Brasil e isso fez com os comerciantes de escravos, que possuíam um grande capital, tivessem que procurar outro investimento. Um ano após esta lei foi criado o “Banco do Commercio e da Indústria do Brasil”, posteriormente rebatizado de Banco do Brasil, banco que atraiu boa parte dos ex-comerciantes de escravos e passou a ser um dos principais financiadores da industrialização e da infra-estrutura brasileira.

O sucesso atingido pelo banco projetou o seu principal acionista, Irineu Evangelista de Souza, futuro Barão de Mauá, e esses novos ares trazidos pelo progresso econômico causavam grande preocupação aos defensores da forma de governo até então constituída, o Império.

Preocupados com o atual momento eles, orientados nos bastidores pelo próprio imperador, criaram uma onda de boataria contra o banco e contra o mercado financeiro que ocasionou uma corrida para sacar dinheiro da entidade e forçou o Barão a negocia a entrega do banco ao governo como uma forma de salva-lo da falência.

Para evitar uma nova empreitada que enveredasse por este mesmo caminho o governo determinou que as sociedades anônimas somente poderiam funcionar quando os seus estatutos tivessem a aprovação do governo imperial. Para escapar desta regulamentação o Barão de Mauá recorre a uma brecha encontrada no código comercial de 1850 e cria uma sociedade em comandita com capital dividido em ações ao portador e de livre negociação.

É na esteira desses acontecimentos que o governo edita e promulga a lei 1.083 de 1860 a fim de ter um controle maior sobre as sociedades anônimas brasileira.

Em uma observação inicial o que mais chama a atenção na lei 1.083 é o seu tamanho em reduzido para a finalidade que lhe foi atribuída. A lei tem apenas oito artigos, em comparação o Decreto-Lei 2.627 possuía 180 artigos, e continha “providencias sobre os Bancos de emissão, meio circulante e diversas Companhias e Sociedades”.

Uma característica que esta legislação tem em especial é o controle e poder que ela dá ao governo para interferir nas empresas, outro fator a ser notado é que já no 1º artigo a lei estabelece um lastro entre os títulos bancários e o ouro.

Art. 1º Nenhum dos Bancos creados por Decretos do Poder Executivo poderá emittir, sob a fórma de notas ou bilhetes ao portador, quantia superior ao termo médio de sua emissão operada no decurso do primeiro semestre do corrente anno, emquanto não estiver habilitado para realisar em ouro o pagamento de suas notas; excepto se, além do fundo disponível ou de garantia e das outras condições estabelecidas nos respectivos estatutos, tiver em caixa parte de seu capital equivalente ao excesso do dito termo médio de emissão, e fôr esta parte representada por moeda de ouro ou barras do mesmo metal do toque de vinte dous quilates, ou por barras de prata de onze dinheiros na relação fixada pelo art. 3º do Decreto nº 1.721 de 5 de Fevereiro de 1856, com tanto que o valor destas não exceda á quarta parte do da moeda e barras de ouro.

(TEXTO ORIGINAL)

Ainda no art. 1º o sétimo parágrafo estabelece que em cada banco criado por decreto haverá um fiscal nomeado pelo governo e pago pelo próprio banco que terá como função:

 1º Fiscalisar todas as operações do Banco e as deliberações de seu Conselho Administrativo, e da Assembléa Geral dos Accionistas, e suspender a execução das que fôrem contrarias aos estatutos e á presente Lei, dando immediatamente conta ao Governo para que este decida se devem ser ou não executadas.

2º Assistir, quando julgar conveniente, ás sessões da Assembléa Geral dos Accionistas, ás do Conselho Administrativo e de suas Commissões, e dar parecer sobre qualquer materia sujeita á sua deliberação.

3º Assistir ao recenseamento das caixas do Banco, e exigi-lo quando julgar conveniente.

4º Examinar a escripturação do Banco todas as vezes que fôr a bem do interesse publico.

(TEXTO ORIGINAL)

O art. 2º traz que:

Art. 2º Na organisação e regimen das Companhias e Sociedades Anonymas, assim civis como mercantis, observar-se-hão as seguintes disposições:

§ 5º Em quanto o Governo não declarar constituida huma Companhia ou Sociedade Anonyma, não se poderá emittir, sob qualquer pretexto, titulo algum, cautela, promessa de acções, ou declaração de qualquer natureza, que possa certificar a qualidade de accionista; e ainda depois de constituida, suas acções não serão negociaveis, nem poderão ser cotadas, sem que esteja realisado hum quarto do seu valor.

§ 9º Os gerentes ou directores das Companhias ou Sociedades Anonymas, de que trata o § 1º deste artigo, serão obrigados a publicar e remetter ao Governo, nos prazos e pelo modo estabelecidos nos seus Regulamentos, os balanços, demonstrações e documentos que por estes forem determinados, sob pena de multa de 100$ a 1:000$000 por cada falta ou omissão.

§ 11. Os directores ou membros da gerencia ou administração dos Bancos serão substituidos annualmente na quinta parte. A antiguidade, e, no caso de igual antiguidade, a sorte regulará a substituição.

§ 12. Não serão admittidos votos por procuração para a eleição de directores ou membros da gerencia ou administração dos Bancos.

Apenas por estes fragmentos da lei podemos notar o nível de controle que ela entrega ao governo não apenas na abertura da empresa, mas também na ditando normas sobre a escolha da diretoria e obrigando-as a enviar os demonstrativos.

Hoje quando olhamos quantidade de obrigações assessorias que possuímos e o nível de interferência governamental nas empresas (não apenas através dos tributos, mas também das regulamentações) não conseguimos observar onde este modelo de Estado interventor e controlador teve inicio no Brasil, mas com certeza a lei 1.083 foi um grande marco.

Por fim, a nós somente resta lamentar que o Estado utilize grande parte de seus recursos para fiscalizar e controlar as empresas e o mercado ao invés de se concentrar nas prioridades e em fazê-las de uma maneira digna para atender a população que necessita.

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