Uma das principais modificações introduzidas pelas normas internacionais adotados no Brasil nos últimos anos consiste na desvinculação entre a emissão de documentos fiscais e o reconhecimento de receitas derivadas de contratos com clientes. A partir do advento do Pronunciamento Técnico CPC 47 é necessário observar o item 02, que diz: “O princípio básico deste pronunciamento consiste em que a entidade deve reconhecer receitas para descrever a transferência de bens ou serviços prometidos a clientes no valor que reflita a contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca desses bens ou serviços”. De acordo com o enunciado do item 31 do Pronunciamento Técnico CPC 47, a entidade deve reconhecer uma receita quando satisfizer a obrigação de despenho que consista no dever de entregar (transferir) um bem ou serviço. O texto é claro ao dizer que: “A entidade deve reconhecer receitas quando (ou à medida que) a entidade satisfizer à obrigação de desempenho ao transferir o bem ou o serviço (ou seja, um ativo) prometido ao cliente. O ativo é considerado transferido quando (ou à medida que) o cliente obtiver o controle desse ativo”. O cumprimento da obrigação de desempenho, portanto, impõe o reconhecimento da receita e, ao mesmo tempo, atrai a incidência da regra sobre o regime de competência.
A entidade satisfaz uma obrigação quando cumpre o que contratou, e, por isso, adquire o direito de receber a contraprestação contratada de modo definitivo ainda que o preço final (o montante da contraprestação a que terá direito) esteja por ser determinado. Em algumas circunstâncias será necessário esmiuçar as condições da venda para determinar o momento em que a obrigação é cumprida e os efeitos das estipulações acerca do modo, do tempo e do lugar da entrega. Assim, por exemplo, uma entidade pode contratar a venda para ser entregue no seu estabelecimento, no estabelecimento do cliente ou, ainda, no de terceira pessoa, com utilização de veículo próprio ou de transportador independente. Enfim, é imprescindível ter prova de que o cliente aceitou o produto e isto pode ser feito de acordo com as condições de contratação em que é lícita a estipulação de um prazo para manifestação que, se não ocorrer, caracteriza o aceite tácito por parte do cliente, na forma do item 38 do Pronunciamento Técnico CPC 47.
A receita surge quando a entidade cumpre o dever jurídico que consiste em transferir bens ou serviços ao cliente, o que pode ocorrer imediatamente ou ao longo de um período de tempo. Há cumprimento imediato na venda feita por um estabelecimento comercial onde as mercadorias à venda podem ser levadas pelo comprador; diferente consequência ocorre no contrato de execução diferida, como ocorre nos casos em que a obrigação de desempenho consista na construção de uma grande obra (um prédio, uma plataforma de petróleo, um sistema de extração de minérios e etc.); em tais circunstâncias, a entrega (o cumprimento da obrigação) só ocorre depois que a obra for concluída; todavia, é possível que as partes tenham contratado que o cumprimento das obrigações de desempenho seja aferido em etapas, de acordo com o progresso da obra e de modo a garantir a entidade o direito incondicional de receber uma contraprestação. Em tais casos, parcelas da receita global devem ser reconhecidas ao longo do tempo de acordo com o estágio de execução das obras, na forma dos itens 39 e 40 do Pronunciamento Técnico CPC 47; se, no entanto, a obrigação consiste em entregar um imóvel pronto, a receita só deve ser reconhecida quando houver a entrega do bem contratado, de modo que o adquirente passe a controlar o ativo.
O Pronunciamento Técnico CPC 47 não é suficientemente claro a respeito do que deve ser feito nos casos em que a obrigação de desempenho é cumprida imediatamente, mas a receita correspondente só se tornará ganha com o passar do tempo (pro rata temporis). É o que ocorre, por exemplo, num contrato de empréstimo bancário, onde a obrigação de desempenho da instituição financeira é entregar o montante do dinheiro emprestado que será devolvido futuramente acrescido de juros e outros encargos contratados para pagamento ao longo do período do empréstimo. A receita, nestes casos, deve ser reconhecida tão somente quando a mutuante (a que empresta o dinheiro) obtiver um direito incondicional de receber a remuneração na forma do pactuado entre as partes. O mesmo critério – com as devidas mudanças – deve ser adotado nos contratos de locação em que a locadora transfere para o locatário o bem e adquire o direito de perceber alugueres com o passar do tempo em que o locatário frui os benefícios econômicos dos bens locados.