A origem do atual Sistema Tributário Nacional remonta ao final da década dos anos 80, quando foram realizadas várias reformas estruturais no País por meio da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, visando modernizar tanto o sistema econômico quanto a estrutura federativa do Estado brasileiro.
No entanto, sem inovar com a estrutura dos tributos até então existentes, o Poder Constituinte preocupou-se tão somente com a organização sistêmica das normas constitucionais tributárias e da repartição de suas receitas. A única medida efetivamente positiva desse novo sistema veio por meio da desoneração das exportação de produtos e serviços.
Na prática, a manutenção da alta carga tributária e à ausência de normas constitucionais uniformes levaram ao surgimento da famosa “guerra fiscal” entre os Estados, inclusive, entre os Municípios. Autorizou-se a criação de inúmeras contribuições sociais e parafiscais e nada fez para reduzir os impactos tributários sobre o consumo e estabelecer uma justa tributação sobre operações com valor agregado, a exemplo do que é praticado no resto do mundo.
A má estruturação normativa-constitucional contribuiu também para à complexidade e proliferação das normas tributárias infraconstitucionais, onde a busca pela redução dos impactos tributários das cadeias produtivas e de setores considerados como relevantes ficaram fortemente dependentes da vontade política.
Com isto, desde os primeiros anos de vigência do Sistema Tributário Nacional busca-se uma verdadeira reforma tributária, pois na prática a Constituição Federal de 1988 manteve a alta carga tributária do país, contribuindo para o surgimento da guerra fiscal e da nossa atual complexidade normativa em matéria tributária.
No entanto, com o passar dos anos, muitas melhorias foram sendo realizadas no texto constitucional, no intuito de minimizar os impactos tributários e à guerra fiscal, como por exemplo: o regime tributário reduzido e simplificado do Simples Nacional; a substituição tributária e o diferencial de alíquota do ICMS; a sujeição à aprovação por Lei Complementar para a concessão de novos benefícios fiscais federais, estaduais e municipais; submissão à deliberação unânime de todos os Estados e o Distrito Federal para à concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS; à proibição de alíquota zero para o ISS dos Municípios, entre outras medidas.
Todavia, para o atual Congresso Nacional tais medidas não teriam sido suficientes para trazer o tão sonhado desenvolvimento econômico-social e reduzir a carga tributária brasileira.
Assim, foram propostos 2 (dois) Projetos de Emenda Constitucional visando trazer a tão almejada Reforma Tributária. Temos assim a PEC n. 45 de 2019, de iniciativa da Câmara dos Deputados Federais, e a PEC n. 110, de 2019, de iniciativa do Senado Federal.
Recentemente, após mais de 220 emendas apresentadas, na data de 07 de julho de 2023 a PEC 45 foi aprovada em primeiro e segundo turnos de votação na Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado Federal.
Na origem, a PEC 45/2019 era vaga e imprecisa. Sem ao menos indicar uma alíquota ou carga tributária estimada, propunha a simplificação e a unificação de tributos por meio de um imposto sobre valor agregado (IBS) , substituindo o ICMS, IPI e o ISS, prevendo ainda o fim dos benefícios fiscais regionais e locais, sob qualquer contexto ou fundamento.
Em razão disso, a PEC 110/2019 do Senado Federal passou a ganhar força, pois além de flexibilizar a concessão de benefícios fiscais, trazia em sua redação a previsão da tributação com base na seletividade do produto e do serviço, propondo a substituição do PIS, da COFINS e do IPI pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Mas após inúmeras alterações e melhoramentos houve uma convergência entre as PEC’s 45 e 110, especialmente, após forte cobrança de inúmeras entidades representativas de classes econômicas. Então, a PEC 45 retomou seu andamento e foi aprovada na Câmara dos Deputados.
Nesse momento, a PEC 45/2019 prevê a substituição do ICMS e do ISS pela criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), contendo a previsão de 3 (três) alíquotas bases (25%, 15% e zero). Traz a substituição do PIS, da COFINS e do IPI pela criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), mas sem uma definição de alíquota, e a União poderá ainda criar um imposto seletivo (IS) monofásico sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como o cigarro e os agrotóxicos.
Assim, entre os principais impactos negativos sinalizados estão:
1) O aumento das desigualdades regionais e locais, por conta da extinção dos incentivos e benefícios fiscais dos Estados e dos Municípios. Não só os empregos estão em risco, como também os programas sociais e de desenvolvimento econômico, uma vez que a redução dos impostos por meio dos benefícios fiscais era contrabalanceada pela obrigação do pagamento de contribuições sociais e parafiscais. Dessa forma, sem incentivo fiscal, não haverá mais contribuição, prejudicando a continuidade e ampliação de projetos sociais, de assistência na área de educação, da saúde, infraestrutura e transporte, habitação, entre outros que eram fomentados por esses fundos. Com a Reforma Tributária haverá apenas um fundo federal com a atribuição de gerenciamento das receitas desses projetos regionais e locais, agora controlado pela União e provavelmente não entenderá as reais demandas locais, sob grande risco de se colocar interesses políticos à frente do desenvolvimento social de determinados municípios e Estados.
2) A perda da autonomia financeira dos Estados e dos Municípios. A PEC 45 poderá impactar drasticamente nas receitas dos Estados e Municípios e do próprio Distrito Federal, fazendo aumentar ainda mais dependência política desses entes federativos perante o governo federal;
3) Serviços que tinham a carga média efetiva entre 11,5% a 19% passarão a ser tributados em pelo menos 25%. Lembrando que a reforma tributária não irá contemplar a unificação do IRPJ e da CSLL, que continuarão incidindo respectivamente em 15% (IRPJ), e 9% a 32% (CSLL) sobre o lucro resultante das receitas dos serviços. Impactará principalmente sobre os serviços de todos os profissionais liberais que possuem tributação favorecida em relação aos demais setores econômicos.
4) Produtos atualmente isentos ou com tributação reduzida de ICMS, IPI, PIS e COFINS passarão a ser tributados minimamente em 25%. Haverá forte elevação do custo da cadeia de consumo, mesmo com a incidência do IBS apenas sobre o valor agregado. Nem todos os produtos incentivados ou tidos atualmente como essenciais serão albergados com os mesmos benefícios pela Reforma Tributária. Exemplo: carnes, produtos alimentícios, papel e celulose, defensivos agrícolas, passarão a ser tributados a 25% (ou mais, como no caso dos agrotóxicos). Mesmo que a PEC 45 tenha recentemente previsto um tratamento tributário favorecido do IBS a alguns produtos essenciais (redução de 60%), a carga média efetiva será drasticamente aumentada. (Ex.: a carne, atualmente com 2% de carga média efetiva no MT, irá para 15%; muitos outros produtos alimentícios isentos de IPI, PIS e COFINS passarão a ser tributados em 15% ou mais a depender do que for incluído na lei complementar);
5) Há insegurança jurídica ao outorgar à regulamentação das alíquotas e das regras de seletividade por meio de Lei Complementar posterior à aprovação da PEC. A PEC 45 não deixa claro qual será a efetiva carga tributária dos produtos e serviços. E pior, não há na PEC uma descrição clara e objetiva de quais produtos e serviços serão beneficiados ou sobretaxados, o que traz somente risco de desvio dos objetivos da reforma.
6) Aumento da carga tributária do ITCMD. Conhecido como imposto sobre a herança, a nova redação da PEC 45 determina que o ITCMD seja cobrado exclusivamente de modo progressivo e sobretaxado quando o patrimônios herdado estiver no exterior. Hoje, em alguns Estados a alíquota do imposto é fixa em 4% (SP) ou 5% (RJ), e existe pressão política do atual governo federal para que a alíquota máxima chegue a 20% (vinte por cento), sendo que nos Estados onde o ITCMD possui escalonamento a alíquota máxima é de 6% (GO) ou 8% (MT).
7) Previsão de regra de transição complexa e com oneração excessiva da carga tributária. Isto porque o IBS e a CBS serão implementados conjuntamente, em uma transição que perdurará entre 2026 a 2032. Em 2026, a CBS começará a ser cobrada a uma alíquota de 0,9%, e o IBS a um percentual de 0,1%. Em 2027, serão extintas a cobrança do PIS e da COFINS e reduzidas a zero as alíquotas do IPI, Nesse mesmo ano de 2027 a CBS passará a ter alíquota cheia, que ainda será calculada pelo TCU e fixada pelo Senado Federal.
E pior. Até 2028, o ICMS, o ISS e o IBS irão coexistir, sem nenhuma modificação nas alíquotas dos dois tributos antigos. A partir de 2029, as alíquotas do ICMS e do ISS serão gradualmente reduzidas, à razão de 1/10 por ano, até a extinção desses impostos. Em paralelo, as alíquotas do IBS serão definidas pelo Senado, com base em um cenário traçado pelo TCU e a partir de subsídios do Conselho Federativo e dos entes federados. Veja-se aqui o tamanho da insegurança jurídica!
Além disso, a migração da tributação no destino do produto e não na origem só acontecerá em 2033, depois que a transição dos outros tributos tiver sido concluída, ou seja, a principal e a única medida útil contra a guerra fiscal será a última a ser implementada.
Mas positivamente, qual ou quais os impactos a PEC 45 poderá trazer?
Ponto positivo aceito por todos reside na simplificação da apuração e no recolhimento dos tributos. Claro, isto somente após o fim do período de transição, estimado para início de 2033. Ademais, indica-se como positiva as seguintes situações ou medidas:
1) A manutenção da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional. Assim como no Simples Nacional, que será integralmente mantido, a Reforma tributária irá trazer para todos a unificação das legislações tributárias e dos tributos por meio do IBS, que será calculado com base no valor agregado ao produto ou serviço em cada etapa, reduzindo os efeitos da tributação em cascata do atual ICMS, que incide inclusive sobre o valor do próprio imposto destacado;
2) Tributação sobre valor agregado e no destino. A Reforma Tributária irá acabar com as regras de substituição tributária (ST) . Ao prever a tributação do IBS sobre o destino busca-se acabar com a fatídica guerra fiscal entre os Estados e entre os Municípios;
3) Redução da carga tributária sobre produtos supérfluos e não essenciais. Setores produtivos de bens supérfluos (ex.: cosméticos, linha pet, refrigerantes, brinquedos, eletrônicos, etc.) e de bens não essenciais (ex.: produtos de limpeza, equipamentos, ferramentas, artigos de cama e mesa, móveis e eletrodomésticos, etc.) poderão ter suas alíquotas efetivas reduzidas para 25%. Dependendo da localidade tais setores sofrem atualmente uma carga tributária de mais de 35% só a título de ICMS e IPI.
4) Serviços e produtos essenciais terão as alíquotas do IBS reduzidas em 60%. Serviços de saúde e educação, transporte coletivo (particular), produtos agropecuários in natura e alimentos destinados ao consumo humano e atividades artísticas, como produções culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais terão as alíquotas do IBS de 15%. (Porém, existem produtos agropecuários e alimentos que terão na verdade aumento da carga tributária, a exemplo, dos farelos de soja, milho e mandioca, os óleos em geral, o extrato de tomate, o café, o algodão, a madeira, etc.);
5) Produtor rural pessoa física e jurídica poderão ficar isentos do IBS e do CBS e terão direito a crédito presumido. Trata-se de uma das últimas alterações feitas na PEC 45 após grande pressão dos setores agropecuários. Tal medida visa anular o aumento da carga tributária das cadeias produtivas do agronegócio. No entanto, ficarão de fora desta isenção as atividades agropecuárias e agroindustriais exploradas por pessoas físicas e jurídicas quando o faturamento anual for superior a R$3,6 milhões, como bem observou a FPA (Frente Parlamentar do Agropecuária). Portanto, tais isenções irão alcançar apenas os pequenos produtores rurais. Estima-se ainda um aumento na pressão pelas exportações, uma vez que tais operações continuarão isentas, o que pode trazer risco da falta de produtos e do aumento dos preços no mercado interno. Além disso, ficou mantido o direito ao crédito presumido, inclusive, nas operações com produtores não contribuintes, mas tudo a ser definido em lei complementar;
6) Isenção de produtos da cesta básica e cashback do IBS para a população de baixa renda. Os itens da cesta básica também estarão sujeitos à alíquota zero do IBS e da CBS. Para isso, será criada por lei complementar um programa denominado Cesta Básica Nacional de Alimentos. Ademais, a versão final do texto deixou aberta à possibilidade de criação de um “cashback” do imposto sobre o consumo (IBS) para a população de baixa renda, o que será regulamentado por lei posterior.
Medicamentos, dispositivos médicos e produtos e serviços para o Programa Universidade para Todos (Prouni) terão alíquota zero. O transporte público e serviços de “reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística” também terão isenção do IBS e CBS.
7) A criação de um Conselho Federativo do IBS. Este Conselho estabelecerá regras uniformes e equitativas regionalmente, visando combater as desigualdades regionais e locais. Este modelo já funciona atualmente no âmbito dos Estados e do Distrito Federal por meio do CONFAZ, que tem se mostrado fundamental para o controle da guerra fiscal.
8) Criação de 2 (dois) Fundos: o Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais e o Fundo de Desenvolvimento Regional. O primeiro será constituído por aportes feitos pela União, com valores que se iniciam em R$ 8 bilhões em 2025, aumentando gradativamente até R$ 32 bilhões em 2028. A partir de então os valores vão se reduzindo, chegando a R$ 8 bilhões em 2032, momento em que o fundo será extinto. Já o Fundo de Desenvolvimento Regional terá aportes iniciais de R$ 8 bilhões anuais a partir de 2029, chegando a R$ 40 bilhões a partir de 2033. O valor continuará o mesmo a partir de então, com correção pelo IPCA-E.
Veja-se que apesar de todo esse cenário de medidas e com mais de 220 emendas a proposta atual da Reforma Tributária carrega ainda consigo dúvidas e incertezas sobre inúmeros pontos, especialmente, sobre a efetiva redução da carga tributária sobre bens de consumo e serviços, que afetam não apenas o preço, mas a competitividade do mercado interno brasileiros, como também a geração de empregos e à manutenção da renda e do crescimento econômico.
Os setores da indústria, do comércio e dos serviços perdem benefícios fiscais importantíssimos para o desenvolvimento econômico-social regional e local. A própria redução da carga tributária nesses casos representa estímulo ao crescimento econômico, fazendo o dinheiro circular. Acabar com a estrutura e a dinâmica desses benefícios seria um retrocesso econômico e social muito grande do qual esses dois novos e simplórios fundos federais não conseguirão suprir, dada a enorme quantidade de atividades sociais, da saúde, educação, esporte, habitação, infraestrutura, etc. que precisam continuar sendo atendidas regionalmente.
Além disso, é preciso haver um melhor detalhamento e clareza das regras do IBS, do CBS e do Imposto Seletivo (IS) da União. Esclarecer previamente quais serão os itens, de fato, da cesta básica que serão beneficiados com a isenção, à medida que a composição desta pode mudar de região para região. É preciso esclarecer se será toda a cadeia produtiva daquele determinado produto ou insumo que será beneficiado com redução dos 60%. Estabelecer um rol de bens e serviços essenciais e não essenciais, quais seriam os bens nocivos que serão sobretaxados. Sequer existe uma minuta da lei complementar regulamentadora da reforma tributária.
Portanto, até o presente momento às emendas a PEC 45 mostraram-se como meras promessas e intenções políticas, sem qualquer vinculação clara e objetiva, colocando em risco a segurança jurídica e o desenvolvimento econômico e social do País. Não que a Reforma Tributária seja dispensável, pelo contrário, é comum a todos a grande necessidade da simplificação e unificação do sistema de apuração e recolhimento de tributos, bem como necessário fim da complexidade das normas tributárias. No entanto, o costumeiro ímpeto arrecadatório de todos os governos passados somado a esta falta de clareza dos legisladores colocam em xeque alguns dos efeitos positivos indicados da atual proposta de Reforma Tributária.