x

Análise tributária

A tributação nos contratos de revenue share na indústria de games

O presente artigo trata da forma como os contratos de revenue share, modelo bastante usado na indústria de games, são analisados sob a óptica tributária.

22/04/2021 18:00:01

  • compartilhe no facebook
  • compartilhe no twitter
  • compartilhe no linkedin
  • compartilhe no whatsapp
A tributação nos contratos de revenue share na indústria de games

A tributação nos contratos de revenue share na indústria de games Foto: EVG Culture/PhotoMIX Company

Jogos eletrônicos são produtos compostos por uma miríade de criações diferentes: argumento literário/enredo, artes gráficas, trilha e efeitos sonoros, animações, mecânicas de jogabilidade, códigos, etc. Não suficiente essa rica combinação, diversas são as plataformas em que jogos eletrônicos podem ser explorados (PC, Playstation, Xbox, Nintendo Switch, iOs, Android, etc.), sendo usualmente necessária a realização de adequações no software do jogo para que ele rode em cada sistema diferente.

Finalizado o game, ainda é preciso publicá-lo e vendê-lo, expertise que depende tanto das habilidades comerciais e do conhecimento da dinâmica desse mercado, quanto da qualidade do produto desenvolvido. Nesta etapa, as chamadas publishers ou publicadoras exercem papel essencial e, em especial para desenvolvedoras que não possuem uma estrutura operacional capaz de absorver essas atividades.

Por tal razão, não raro os estúdios de desenvolvimento de jogos eletrônicos, que muitas vezes são especializados em determinados elementos desses produtos criativos ou em partes do processo de exploração comercial de um game, celebram parcerias com outras empresas e profissionais para que cada um contribua com a sua especialidade em um projeto específico. Em grande parte dos casos, a figura contratual escolhida para esse negócio é o Contrato de Revenue Share, também chamado de contrato de repartição de receitas, divisão de lucros, etc.

O propósito desse contrato, fortemente inspirado por experiências estrangeiras na indústria de games (como o uso do termo em inglês revenue share/sharing propriamente indica), é que cada participante do projeto contribua com sua expertise mediante o aporte horas técnicas de sua equipe, ativos de seu portfolio (licenças, códigos, etc.), dentre outras possíveis contribuições (aporte financeiro, divulgação na mídia, acesso a lojas virtuais, gerenciamento da comunidade do jogo, etc.). Em contrapartida, define-se que cada um dos participantes receberá uma parte das receitas/lucros auferidos com a exploração comercial do game.

Pensando superficialmente, os contratos de revenue sharing parecem algo muito fácil de ser concebido (desde que todos concordem na participação que cada um terá na receita do projeto), mas, na prática, e principalmente no mundo jurídico, nada é tão fácil quanto parece.

O primeiro empecilho é que esse contrato, de natureza tipicamente civil-empresarial, não encontra nenhuma previsão legal, o que não significa, obviamente, que ele não possa existir. Pelo contrário, o próprio Código Civil diz em seu art. 425 é permitido às partes “estipular contratos atípicos”.

Neste contexto, a ausência de uma tipificação específica traz, pelo mesmo motivo, benefícios e riscos a essas modalidades contratuais atípicas. Dentro dos aspectos negativos, está a ausência de uma segurança jurídica maior na estipulação das obrigações e responsabilidades das partes – neste caso, em especial quando tratamos de um acerto onde os lucros da operação serão divididos entre as partes, muitos questionamentos surgirão. Por outro lado, a ausência de um formato típico confere maior autonomia às partes na celebração dos termos do contrato, o que é especialmente reforçado quando consideramos o que a recente Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.784/2019) prega em seu artigo 3º1.

Hoje, portanto, é possível dizer que o cenário legal brasileiro é bastante propício para que contratos atípicos sejam celebrados no certamente empresarial, como é o caso de um acordo de revenue share. O problema, todavia, está no aceite de determinada modelagem contratual pelo Estado, especialmente pelas autoridades fiscais (vide o que diz o art. 123 do Código Tributário Nacional2).

Usualmente, dentro desse modelo de repartição de lucros, bastante explorado no mercado de indie games, uma das empresas participantes fica responsável pelo recebimento dos valores atinentes à comercialização do jogo. É essa pessoa jurídica, portanto, que fatura (e tributa) a receita oriunda da exploração daquele produto. A questão que surge é sobre o repasse do share a cada uma das partes que integram o contrato: trata-se de distribuição de lucros ou de remuneração por um serviço? A pergunta se torna relevante, pois lucros são isentos de tributação pelo Imposto de Renda, enquanto a prestação de serviços não (além de estar sujeita ao respectivo imposto municipal - ISS).

Os lucros distribuídos, analisados sob a óptica jurídica, são tidos como uma remuneração paga aos sócios de uma empresa pelos aportes/investimentos feitos no negócio. Ou seja, lucros somente podem ser pagos àqueles que compõem o quadro societário de uma sociedade empresarial – o que afastaria uma “repartição de lucros” literal entre empresas participantes de um projeto no formato de revenue share. A título de exemplo, vejam que a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de empresas, uma forma de bonificação paga aos funcionários pelo atingimento de determinadas metas e de lucros na operação, são tributados pelo Imposto de Renda3.

Logo, à primeira vista, para a operacionalização tributária de contratos atípicos de revenue share, os caminhos seriam os seguintes:

(i) uma empresa fatura e tributa as receitas de exploração comercial do jogo, realizando o repasse dos valores às outras partes do contrato por meio da contratação de serviços ou pelo licenciamento de ativos destas (as quais terão que tributar tal receita conforme a operação declarada); ou

(ii) todas as empresas do contrato faturam e tributam o valor relativo a sua participação específica nas receitas do projeto, emitindo uma nota fiscal cada ao comprador do game;

Na primeira opção poderá haver uma maior carga tributária, enquanto na segunda um ônus considerável de gestão contábil (sem contar em eventual óbice operacional de eventuais plataformas de comercialização de games, que podem exigir que apenas uma empresa figure como vendedora do produto).

Engana-se, todavia, quem pensa que esses caminhos tornam inviável a operação de um contrato do tipo – o que definirá isso será o potencial do projeto a ser explorado. O que importa, todavia, é ter em mente esses cenários para que, na negociação do contrato de revenue share, esses custos (fiscais e/ou operacionais) sejam considerados pelas partes para a definição do modelo a ser seguido, bem como para a definição do share e da responsabilidade de cada um dos participantes.

O contrato de revenue share é o único modelo contratual útil para um negócio com essas características? Não. Existem algumas figuras jurídicas típicas que podem ser consideradas para projetos desse tipo, como o consórcio empresarial4 e a sociedade por propósito específico (SPE)5. Tratam-se, todavia, de formatos que demandam um grau maior de envolvimento e investimento, sendo opções mais relevantes para projetos de maior dimensão (e, ainda assim, suas vantagens são discutíveis em comparação à implementação de um modelo de revenue share bem desenhado).

O contrato de revenue share para o desenvolvimento e exploração comercial de jogos eletrônicos é, sem dúvida, um formato aceito pelo nosso ordenamento legal. Contudo, quando falamos dos seu tratamento tributário, é importante considerar que não haverá, literalmente, uma distribuição de lucros entre as partes contratantes.

1Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;

2 Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

3 Decreto 9580/2018: Art. 683. As importâncias recebidas pelos trabalhadores a título de participação nos lucros ou nos resultados das empresas serão tributadas exclusivamente na fonte, separadamente dos demais rendimentos recebidos, no ano do recebimento ou do crédito, com base nas seguintes tabelas progressivas e não integrarão a base de cálculo do imposto sobre a renda devido pelo beneficiário na declaração de ajuste anual(...)

4Lei nº 6404/1976: Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

5Lei complementar nº 123/2006: Art.56. As microempresas ou as empresas de pequeno porte poderão realizar negócios de compra e venda de bens e serviços para os mercados nacional e internacional, por meio de sociedade de propósito específico, nos termos e condições estabelecidos pelo Poder Executivo federal

Leia mais sobre

O artigo enviado pelo autor, devidamente assinado, não reflete, necessariamente, a opinião institucional do Portal Contábeis.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS

ARTICULISTAS CONTÁBEIS

VER TODOS

O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.