Já discutimos anteriormente, neste espaço, sobre a desconfiança e a potencial crise de superprodução que atinge a China. Uma das principais razões de a demanda do país ter decaído de forma incisiva é que três quartos dos ativos dos chineses estão, de algum modo, vinculados ao setor imobiliário, seja por meio de imóveis, seja por meio de produtos financeiros atrelados à área. Com isso, a percepção de riqueza da população está diretamente relacionada ao valor das propriedades.
Para se ter uma ideia do impacto da crise sobre essa percepção, em julho deste ano, os valores de venda de imóveis residenciais ficaram 45% abaixo da média dos últimos quatro anos. Esse cenário faz com que os chineses se sintam mais pobres e, consequentemente, aumentem a poupança, reduzindo o consumo para compensar a perda de riqueza percebida. A solução ideal para essa situação seria um forte plano de recuperação do setor — porém essa medida não está nos planos do governo de Xi Jinping.
A estratégia é reorientar o motor da economia para as energias renováveis e o setor de tecnologia. Contudo, embora o governo tenha adotado estímulos pontuais, sobretudo em termos monetários (mediante subsídios às empresas), os dados de produção continuam a superar os de consumo, gerando um claro excedente produtivo. Em um contexto mundial cada vez mais protecionista, essa disparidade pode se tornar um problema.
Nas últimas semanas, o governo chinês anunciou uma série de pacotes de estímulo econômico, o que, inicialmente, gerou grande otimismo quanto ao futuro do país. O mercado chegou a acreditar que esses estímulos beneficiariam de forma direta o setor imobiliário e promoveriam demanda interna, resultando em euforia e altas expectativas entre os investidores. Mas uma análise mais detalhada revela que as tão esperadas medidas não passaram de uma normalização do sistema financeiro, com o objetivo de evitar uma crise maior.
O foco esteve em destinar recursos para ajustar as contas dos governos locais e estimular a Bolsa de Valores, sem um direcionamento claro para incentivar diretamente a demanda. O modelo de longo prazo, por sua vez, que visa substituir o setor imobiliário e de infraestrutura por tecnologia e energia limpa como motores de crescimento, foi mantido, com a meta de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 4% e 5%.
A preocupação com as contas dos governos locais não é recente, uma vez que vêm sendo sobrecarregados, além de enfrentarem dificuldades com as chamadas hidden debts, que se referem, principalmente, às obrigações financeiras não declaradas oficialmente, em geral associadas a veículos de financiamento de governos locais. Essas dívidas se mostram uma fonte crescente de preocupação para as autoridades chinesas, pois representam riscos significativos para a estabilidade financeira do país.
Dessa forma, o governo do gigante asiático elaborou um programa para reduzir os riscos de uma grande crise, ainda que tenha apresentado o pacote como se fosse um amplo estímulo à economia. Ademais, a transição econômica da China parece ser irreversível, com a expectativa de se manter um crescimento estável do PIB, ao mesmo tempo que se evita maior instabilidade.