Abordei aqui mesmo em algumas oportunidades o quão difícil seriam as discussões que nos esperam na segunda parte da reforma tributária, que, tudo indica, será objeto de debate e aprovação no próximo ano.
Também citei que, se nada for concluído em 2025, o ano seguinte será de eleição para presidente, deputados e senadores e, óbvio, questões polêmicas serão, a todo custo, retiradas do caminho de nossas excelências.
Se a primeira parte da reforma está dando todo esse trabalho e, como era de se esperar, enorme dificuldade de consenso, o que esperar da segunda?
Os ânimos, sem nenhuma dúvida, estarão muito mais acirrados, porque a parte da reforma que vai tratar da renda e do patrimônio acertará em cheio a parte mais sensível do corpo daqueles que continuarão a defender que a reforma não reforme nada: os seus bolsos.
A razão é muito simples: nossos ilustres representantes, a despeito dos doces discursos de campanha, afinal o voto dos menos favorecidos tem o mesmo valor do voto do bilionário, estarão lá para dificultar pautas que, de fato, possam atacar o nosso maior problema social, decorrente da injustiça fiscal, nossa vergonhosa distribuição de renda e desigualdade social.
Costumo dizer que temos uma carga tributária belga com uma distribuição de renda africana. E quando digo isso não faço apenas um jogo de palavras. O Brasil está entre as dez piores distribuições de renda do mundo. Todos os demais países piores que a gente são africanos. E Botsuana está na nossa frente.
No Índice de Gini, que varia de 0 a 1 – quanto maior o número, maior a desigualdade – os números de 2023 nos colocam com o índice 0,518, o mesmo de 2022. Os dados foram divulgados recentemente pelo IBGE.
Além do Gini, o mais conhecido indicador de desigualdade, temos o Índice de Palma, que correlaciona a riqueza do país nas mãos dos 10% mais ricos com a dos 40% mais pobres.
Nesta medição, o número foi 3,6 vezes em 2022 e 2023, confirmando a manutenção da desigualdade atestada pelo Índice de Gini. Entendendo melhor esse indicador, o Índice de Palma, significa que os 10% mais ricos detiveram 3,6 vezes a riqueza dos 40% mais pobres.
Outro número advindo das pesquisas do IBGE, através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), diz respeito à concentração de renda dos 1% mais ricos em relação aos 5% mais pobres. Neste recorte, temos a renda dos 1% mais ricos correspondente a 164 vezes a renda dos 5% mais pobres.
Por isso que sempre defendi a busca de uma mudança em nossa matriz tributária, que é invertida em relação ao mundo desenvolvido. Enquanto países desenvolvidos, com altos IDHs e baixos índices de Gini, têm 60% de sua arrecadação tributária através de tributação progressiva e 40% da regressiva, o Brasil faz exatamente o contrário.
Para quem não está muito acostumado com a terminologia, a tributação regressiva é aquela fixa, que cobra igualmente os desiguais. Os tributos sobre o consumo são exemplos dos regressivos ou indiretos. Já os tributos progressivos ou diretos, como é o caso do Imposto de Renda da Pessoa Física, levam em conta princípios como o respeito à capacidade contributiva, ao não confisco e à isonomia. Em resumo, a base da tributação progressiva é cobrar mais de quem ganha mais e menos ou nada de quem ganha menos.
E já que falei em isonomia, gosto de reforçar que tratamento isonômico não é tratar a todos igualmente, mas aos desiguais na justa proporção de suas desigualdades.
Por todos esses números e argumentos, é que não vejo outro caminho para a justiça social que não seja através da justiça fiscal. Sendo assim, torço para que nossas excelências levem essa premissa quando forem discutir a reforma tributária em relação ao patrimônio e renda.