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ECONOMIA

Cortes de gastos e reforma tributária: impacto nos negócios

Anúncio do governo impacta mercado e gera incertezas para o futuro da economia.

08/01/2025 18:30

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Cortes de gastos e reforma tributária: impacto nos negócios

Cortes de gastos e reforma tributária: impacto nos negócios Foto: andibreit/Pixabay

Desde 2023, com a eleição do presidente Lula, uma mudança significativa acompanhou os ânimos de investidores, especialistas, críticos e fomentadores da política nacional. No cenário global, de modo impactante, acontecimentos como a ampliação dos conflitos entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina e, por razões tarifárias comerciais, EUA e China (uma "nova guerra fria" nos negócios) trouxeram incertezas à jornada produtiva.

Em 27 de novembro e após dois meses de discussões internas do governo, o Ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, anunciou um pacote de cortes de gastos em um esforço para resgatar a estrutura fiscal do país. Além disso, Haddad anunciou a proposta do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma reforma do imposto de renda.

Nos dias subsequentes, Haddad e outros cinco ministros deram detalhes sobre essas medidas. O pacote não foi bem recebido pelos agentes do mercado, com o real brasileiro atingindo uma desvalorização recorde em relação ao dólar americano.

O enfraquecimento do arcabouço fiscal (acaliado em março/2023 e aprovado pelo Congresso em agosto/2023) trazem à cronologia, instabilidade adicional.

Problema Fiscal Estrutural

Em 1994, o Brasil implementou um dos programas de estabilização monetária mais bem-sucedidos entre os países em desenvolvimento desde o fim da Guerra Fria. O chamado Plano Real encerrou a luta multianual do país contra a hiperinflação e criou a oportunidade para mais reformas econômicas, crescimento e criação de empregos. As moedas anteriores desvalorizavam-se rapidamente e a população sofria com drásticos reajustes nos preços dos itens básicos.

Com a inflação sob controle, o problema fiscal estrutural do Brasil ganhou destaque. Anos de hiperinflação criaram um incentivo para gastos descontrolados pelos governos federal, estaduais e locais, e geraram endividamento crônico.

A primeira tentativa de resolver o problema fiscal ocorreu entre 1999 e 2010, quando diferentes administrações adotaram uma política econômica de três frentes: superávit fiscal primário, metas de inflação e taxa de câmbio flutuante. No entanto, essa política bem-sucedida foi revertida em 2011 e, eventualmente, levou a uma recessão induzida pelo governo que reduziu o PIB do Brasil em 8,1% entre 2014 e 2016.

O impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff e, mais tarde, a indicação de um ministro "liberal" para a Economia (Paulo Guedes, durante a gestão Bolsonaro) foram empreendimentos cujo arranjo era fazer "as pazes" com o mercado. Uma segunda tentativa foi feita entre 2016 e 2022, com a aprovação de uma regra de teto de gastos que limitava os gastos com base no crescimento da inflação. O teto, combinado com um retorno à política econômica dos anos 2000, estabilizou a economia brasileira, mas se tornou cada vez mais impopular devido à sua rigidez fiscal percebida. Com o tempo, o governo do então presidente Jair Bolsonaro e o Congresso aprovaram uma série de exceções à regra que acabaram corroendo a confiança dos participantes do mercado nessa política.

Em 2023, uma terceira tentativa foi feita com o novo arcabouço fiscal. Os defensores argumentam que o arcabouço ajudará o Brasil a garantir futuros superávits fiscais primários, controlar a dívida pública e permitir estímulos fiscais durante crises econômicas, garantindo que os gastos só possam crescer dentro de uma certa faixa. Os críticos, no entanto, argumentam que o arcabouço cria um piso de gastos, o que significa que o governo federal continuará a gastar mesmo em um cenário de desaceleração econômica ou recessão, agravando assim o endividamento crônico.

O que significa cortar gastos públicos?

Ao longo de 2024, a pressão aumentou sobre o governo Lula para abordar os gastos porque o ajuste fiscal focado única ou amplamente no aumento da receita era visto como irrealista e insustentável. Portanto, os anúncios recentes incluíram um pacote de cortes de gastos e o esboço de uma reforma do imposto de renda.

O governo Lula estima que os cortes de gastos anunciados por Haddad economizarão aproximadamente R$ 330 bilhões (US$ 55 bilhões) de 2025 a 2030, com pouco menos de R$ 72 bilhões (US$ 12 bilhões) nos últimos dois anos do atual governo (2025 e 2026).

O pacote inclui 13 medidas de corte de gastos. A maior parte dos cortes, representando 48 por cento do total estimado, será em programas sociais, incluindo uma redução na taxa de crescimento do salário mínimo, benefícios de desemprego, transferências condicionais de dinheiro e suporte financeiro a pessoas com deficiência e idosos.

Aproximadamente 25 por cento serão alcançados por meio de medidas de eficiência orçamentária e administrativa; 13 por cento por meio de uma redução no financiamento da educação; e nove por cento por meio do corte de subsídios e financiamento de desenvolvimento regional. Apenas quatro por cento serão alcançados por meio de uma redução nos gastos com recursos humanos do governo federal.

A maioria das medidas pode ser adotada por meio de legislação federal, mas algumas exigem emendas constitucionais. A legislação federal pode ser aprovada por maiorias simples ou absolutas, dependendo da natureza da medida, enquanto as emendas constitucionais exigem dois votos de três quintos de cada câmara do Congresso.

Um projeto de emenda constitucional e dois projetos de lei com detalhes de implementação foram apresentados no Congresso na semana passada, e medidas adicionais foram anunciadas, mas sua contribuição para a redução de gastos ainda não foi publicada.

A abordagem da administração

Está claro que o governo Lula tomou a decisão de colocar a maior parte do fardo do ajuste fiscal sobre os trabalhadores do setor privado e aposentados por meio da redução de programas sociais, em particular a taxa de crescimento do salário mínimo, preservando em grande parte a força de trabalho do governo federal e os militares. Esta é provavelmente a razão pela qual também decidiu delinear sua proposta de reforma do imposto de renda, que planeja expandir a faixa de imposto existente que permite uma isenção. Parece que o governo está tentando compensar o menor crescimento do salário mínimo com futura isenção do imposto de renda.

Uma chamada “reforma administrativa” dos recursos humanos do governo federal vem sendo debatida há anos. Em 2020, o governo Bolsonaro apresentou um projeto de emenda constitucional para implementá-la, mas o Congresso ainda não a votou. O governo Lula poderia ter anunciado sua disposição de buscar uma reforma dessa natureza, que tem amplo apoio do mercado e do setor privado, mas optou por não fazê-lo.

Também notavelmente, a administração se recusou a incluir no pacote medidas que abordariam um dos principais impulsionadores da dívida pública: mandatos de gastos constitucionalizados com metas mínimas de gastos em várias áreas de políticas públicas, em particular saúde e educação. Esses mandatos, combinados com direitos de seguridade social, programas sociais e recursos humanos do governo, tornam o orçamento do governo federal do Brasil rígido e estão ultrapassando os gastos discricionários. Na ausência de mudanças nesses mandatos, o orçamento acabará sendo 100% indexado e fora do controle da administração.

Reação do mercado

A reação dos participantes do mercado ao pacote foi negativa. O real brasileiro atingiu uma desvalorização recorde em relação ao dólar americano, sendo negociado a 6 para 1, e o mercado de ações caiu.

Por um lado, muitos jogadores acreditam que os cortes de gastos são insuficientes para sustentar a estrutura fiscal. Eles também acreditam que o governo Lula cometeu um erro ao anunciar mais isenções fiscais em uma futura reforma do imposto de renda enquanto tentava tornar suas medidas de corte de gastos críveis.

Por outro lado, a administração aponta para o aumento constante do PIB e a redução do desemprego ao longo de 2024 para argumentar que os participantes do mercado estão exagerando. No entanto, omite a inflação e os aumentos das taxas de juros. Muitos participantes do mercado acreditam que os números positivos do PIB e do desemprego foram alcançados principalmente por um nível de gastos fiscais insustentável. De janeiro a novembro de 2024, a projeção do PIB dos participantes do mercado cresceu de 1,59 para 3,17 por cento, enquanto as projeções de inflação e taxa de juros de referência aumentaram de 3,90 para 4,63 por cento e de 9,00 para 11,75 por cento, respectivamente. A projeção de desvalorização da moeda também cresceu, de 5,00 para 5,70 reais por dólar.

Impacto nos negócios

Com muitas reservas, o pacote de ajuste fiscal foi aprovado por deputados e senadores antes do recesso natalino, é provável que alguns deles sejam rejeitados e, ainda em 2024 ou já nos primeiros dias de 2025, ocorra a publicação de uma lei federal sancionada pelo chefe do Poder Executivo. Não obstante, interlocutores do governo informam à imprensa que, se o cenário continuar a deteriorar-se, novas medidas não estão descartadas.

A combinação de uma percepção de falta de ambição de corte de gastos, gastos futuros por meio de isenção de imposto de renda e apoio incerto do Congresso continuará a alimentar uma percepção de política fiscal frouxa. Isso provavelmente impulsionará aumentos da taxa básica de juros pelo Banco Central, reiniciados em setembro com um aumento de 0,25 pp, seguidos por um adicional de 0,50 pp em novembro e 1 pp em dezembro.

Os investidores podem colher ganhos de curto prazo da economia aquecida e dos ativos de baixo preço no Brasil, mas uma estrutura fiscal em perigo aponta para problemas de médio prazo, incluindo alta inflação e crescimento econômico reduzido. Além disso, à medida que o país se aproxima da eleição presidencial de 2026, o comprometimento do já fraco governo Lula com uma política fiscal sólida enfraquecerá ainda mais, à medida que as considerações políticas assumem o primeiro plano.

O dólar, apesar dos leilões realizados pelo Banco Central, tende a continuar elevando sua cotação em relação à moeda local.

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