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Artigo tributário

Foi buscar lã e saiu tosquiado!

Neste artigo, você vai entender como a proposta de reforma tributária deve aprofundar a desigualdade de renda, ao invés de reduzi-la.

08/09/2021 13:30

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Foi buscar lã e saiu tosquiado!

Foi buscar lã e saiu tosquiado! Foto de Mikhail Nilov no Pexels

Prezada leitora, prezado leitor, não vou abordar literatura! Continuo falando de assuntos tributários! Antes, porém, justifico o uso da frase no título: esse adágio, de origem portuguesa, entrou na minha memória através da leitura de um livro de Monteiro Lobato. Eu tinha 10 anos de idade e, após ter lido “O Sítio do Picapau Amarelo”, estava lendo “Dom Quixote das Crianças” e me deparei com o ditado que, de cara, me chamou a atenção, e o memorizei no ato. 

No próprio livro, ficava claro o seu significado – esperar uma coisa e receber outra. Hoje o uso consagrou outro ditado como o mesmo significado – o tiro saiu pela culatra. Faço agora a correlação com as questões tributárias, nas quais em especial o projeto fatiado de reforma tributária poderá validar o adágio, piorando a já péssima qualidade da tributação que temos hoje, aprofundando a desigualdade de renda, ao invés de reduzi-la.

Mas a principal inspiração para este artigo veio do acompanhamento da tramitação de um projeto de lei no Senado Federal. Por dever de ofício, acompanho a tramitação de projetos relevantes na área tributária, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal.

Trata-se do Projeto de Lei do Senado Federal nº 338, de 20 de setembro de 2017, de autoria do senador Romário (PL-RJ), que propõe nova redação para o Art. 12 da Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, incluindo no rol de deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física as deduções feitas aos fundos dos direitos da pessoa com deficiência.

A propositura, conforme previsto no Regimento Interno do Senado, foi distribuída para as comissões, cabendo à Comissão de Assuntos Econômicos a decisão terminativa quanto ao pleito, ou seja, o aprovado pela comissão não necessitava ir a plenário, a menos que houvesse recurso, devidamente justificado, em sentido contrário. E foi isso que aconteceu: o projeto, que havia sido aprovado em caráter terminativo em 24 de agosto, por 16 votos favoráveis e dois contrários, no prazo fatal, 1º de setembro, recebeu o recurso para que seja debatido pelo plenário do Senado.

O que me chamou muito a atenção foram os argumentos apresentados pelos senadores signatários do recurso. Antes será necessário entender o que significa o Art. 12 da Lei 9.250/95. Esse artigo contém uma renúncia fiscal em potencial, limitada pela Lei 9.532/97, em 6% do imposto devido pelos declarantes que optarem pelas deduções legais, observadas as demais regras e divididas entre doações com base no estatuto do idoso, estatuto da criança e do adolescente, programa nacional de cultura, incentivo ao desporto e incentivo ao audiovisual. 

O projeto de lei em análise simplesmente acrescenta mais uma área para dividir os mesmos 6%, os fundos dos direitos da pessoa com deficiência. Importante destacar que o percentual total de 6% é consignado no orçamento como uma conta redutora do total de receita de imposto de renda esperado e que somente se efetivará se os contribuintes fizerem as doações. Os números mostram que nem 10% desse total disponível é efetivamente destinado, gerando a reversão dos valores lançados na conta redutora das receitas.

Volto às justificativas usadas no recurso apresentado: além do estapafúrdio argumento de que a dedução aumentaria a complexidade da declaração de imposto de renda, a que chama a atenção é a de que, em nome da Lei de Responsabilidade Fiscal, trata do impacto financeiro orçamentário, inclusive com base em resposta vinda da Receita Federal. 

Apresenta números para justificar a posição contrária ao projeto e que por isso deveria ser analisada pelo plenário, por não demonstrar de onde virão os recursos para cobrir a receita da qual estaria se abrindo mão. Me perdoem por ser repetitivo: não há qualquer aumento na renúncia fiscal que já está fixada em 6% do imposto devido, conforme disse acima. Simplesmente o bolo, antes divido entre cinco áreas distintas, passa agora a ser repartido em seis áreas.

Acredito que essa argumentação que usei aqui vá aparecer quando da análise do projeto pelo plenário, apresentada pelos senadores favoráveis à aprovação. Se no Senado Federal ocorrem posicionamentos equivocados como esse, imagine o que pode ocorrer nas quase seis mil casas legislativas municipais ao analisar questões tributárias complexas. Acho que não exagerei no título!

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