Durante décadas, os municípios brasileiros adotaram práticas distintas quanto à apuração da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), especialmente em contratos de construção civil. A divergência se intensificou com base em decisões pontuais do Supremo Tribunal Federal (STF) que pareciam legitimar a dedução ampla de materiais. No entanto, com a recente consolidação do entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a publicação de orientações técnicas por entidades como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a tese da dedução ampla perdeu força. Este artigo busca sistematizar as mudanças jurídicas ocorridas e apresentar caminhos práticos para os municípios se adequarem às novas exigências legais, protegendo suas receitas e a legalidade de seus atos administrativos.
A pesquisa adotou a metodologia de revisão bibliográfica e documental, com ênfase na análise de legislação tributária federal e municipal, jurisprudência dos tribunais superiores e notas técnicas emitidas por entidades representativas. O trabalho não contempla estudo de caso nem coleta de dados empíricos, seguindo a diretriz metodológica estabelecida pela FACUVALE para artigos científicos no âmbito da pós-graduação lato sensu.
A base legal do ISSQN encontra-se, principalmente, na Lei Complementar nº 116/2003, que estabelece as diretrizes gerais para a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza. Especificamente, o artigo 7º dessa lei determina que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço. Essa orientação, entretanto, entrou em conflito com práticas municipais e decisões pontuais que admitiam a dedução de materiais aplicados na obra, especialmente na construção civil.
O Decreto-Lei nº 406/1968, ainda recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 9º, § 2º, § 2º, alínea 'a', prevê a possibilidade de dedução de materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, desde que tenham sofrido tributação pelo ICMS. Essa norma deu margem para interpretações diversas, resultando na chamada dedução ampla — prática em que qualquer material utilizado na obra, ainda que comprado de terceiros, era deduzido da base de cálculo do ISS.
Autores como Roque Carrazza (2021) defendem uma leitura restritiva da norma, argumentando que o termo 'fornecidos pelo prestador' implica a produção própria ou, ao menos, o controle direto sobre os insumos utilizados. Essa interpretação é reforçada por decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como o AgInt no AREsp 2.486.358/SP, que pacifica a vedação à dedução de materiais adquiridos de terceiros.
Outro autor relevante para este debate é Leandro Paulsen (2022), que, ao comentar o princípio da legalidade tributária e o dever de transparência fiscal na gestão municipal, salienta que qualquer dedução não expressamente prevista em lei configura renúncia de receita e pode ensejar responsabilização dos gestores públicos, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).
A Nota Técnica CTAT nº 02/2025 da Confederação Nacional de Municípios (CNM) reforça esse entendimento, orientando os entes municipais a reavaliar legislações locais e práticas fiscais anteriormente adotadas, sob risco de comprometimento da receita tributária e do cálculo de repasses futuros relacionados ao novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), conforme previsto na Emenda Constitucional nº 132/2023.
Autor: Tiago Lima da Silva Favareto