A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a base de cálculo do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) em serviços de construção civil traz impactos profundos que ultrapassam o presente: ela antecipa desafios que os municípios enfrentarão com o novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), previsto na reforma tributária.
A decisão do STJ: o que mudou
No julgamento do AgInt no AREsp 2.486.358/SP, publicado em 09/02/2024, o STJ firmou entendimento no sentido de que somente os materiais produzidos pelo próprio prestador de serviços, fora do local da obra, e que tenham sofrido tributação de ICMS, podem ser deduzidos da base de cálculo do ISSQN.
Ficou expressamente vedada a dedução de materiais adquiridos de terceiros, mesmo que incorporados à obra, reafirmando a aplicação restrita do art. 7º, §2º, I da Lei Complementar nº 116/2003.
A Nota Técnica nº 02/2025 da CNM (Confederação Nacional de Municípios) reforçou essa interpretação, destacando os impactos práticos para a arrecadação municipal e orientando os entes locais a reavaliar suas normativas.
Exemplo prático
Imagine uma empresa contratada para construir uma escola pública. Se essa empresa fabrica as estruturas de concreto pré-moldado em sua sede e depois as transporta até o canteiro de obras, com nota fiscal própria e incidência de ICMS, ela poderá deduzir o valor desses materiais da base do ISSQN.
Por outro lado, se o concreto for produzido no próprio canteiro, ou comprado de terceiros para aplicação imediata, não poderá ser feita a dedução, e o valor total do serviço será integralmente tributado pelo ISSQN.
Ligação com o futuro IBS
O IBS, criado a partir da Emenda Constitucional nº 132/2023, visa unificar tributos sobre o consumo, como o ISS e o ICMS, num sistema de imposto sobre valor agregado.
Com a decisão do STJ, cria-se uma diretriz importante para o novo cenário tributário: as hipóteses de dedução ou abatimento da base de cálculo tendem a ser restritas e rigorosamente delimitadas. A lógica que hoje se aplica ao ISSQN poderá ser replicada no IBS, especialmente nos regimes de transição.
É fundamental lembrar que a Constituição, em seu art. 156, inciso III, ainda confere competência aos municípios para arrecadação do ISS até que o IBS esteja plenamente implementado, o que torna ainda mais relevante a correta interpretação dessas bases de cálculo nesse período de adaptação.
Recomendações Técnicas
Diante da nova jurisprudência do STJ e da iminente implementação do IBS, recomenda-se:
1. Revisão das legislações municipais relativas ao ISSQN, especialmente quanto aos serviços de construção civil, para alinhar-se ao novo entendimento e evitar judicializações.
2. Capacitação técnica das equipes fiscais e contábeis, tanto da administração direta quanto indireta, sobre as restrições à dedução de materiais da base de cálculo.
3. Revisão dos contratos e editais de obras públicas, a fim de orientar os prestadores quanto às exigências tributárias atuais e futuras, evitando glosas em licitações ou irregularidades na retenção do imposto.
4. Atualização dos sistemas de controle tributário, para impedir deduções indevidas na apuração do ISSQN com base em notas fiscais com materiais de terceiros.
5. Acompanhamento permanente das fases de transição do IBS, conforme regulamentações complementares forem publicadas, garantindo que a municipalidade mantenha sua capacidade arrecadatória.
6. Integração com o setor jurídico e contábil, a fim de estruturar defesas em casos de discussões administrativas ou judiciais que envolvam a base de cálculo do ISSQN e a futura transposição ao IBS.
Conclusão
A decisão do STJ sobre o ISSQN na construção civil é mais do que uma mudança de entendimento: é uma antecipação das batalhas fiscais que virão com o IBS.
Municípios, contadores e gestores públicos precisam estar atentos e preparados para ajustar procedimentos, legislações e estratégias de fiscalização para não perder receitas nem criar passivos futuros. A inércia frente a essas mudanças pode custar caro.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 156, inciso III.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Art. 7º, §2º, I.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no AREsp 2.486.358/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 05/02/2024, DJe 09/02/2024.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. Nota Técnica nº 02/2025 – CTAT/CNM.
FAVARETO, Tiago Lima da Silva. Como a decisão do STJ sobre ISSQN impacta o cálculo do futuro IBS municipal. JusBrasil, 2025. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/como-a-decisao-do-stj-sobre-issqn-impacta-o-calculo-do-futuro-ibs-municipal/3511501720. Acesso em: abr. 2025.