A redação de um contrato é uma tarefa complexa, que por vezes envolve longas discussões sobre as especificações do objeto contratual, preço, forma de pagamento, penalidades... O tempo e o foco dos contratantes é investido no "coração" do negócio, o que faz com que muitas cláusulas importantíssimas sejam negligenciadas ou redigidas sem o devido cuidado, como é o caso da cláusula arbitral.
Essa situação rendeu à cláusula de arbitragem o apelido de "cláusula da meia-noite", assim chamada porque costuma ser incluída no final do processo de negociação; porém, essa má-prática pode render sérios problemas no momento em que um litígio se forma e as partes precisam recorrer ao procedimento arbitral.
Neste artigo, falaremos sobre quais cuidados devem ser observados na hora de se redigir uma boa cláusula arbitral.
1. O que é arbitragem?
Antes de falar sobre a cláusula arbitral, porém, é necessário falar sobre o que é "arbitragem".
A arbitragem é um método de resolução de conflitos previsto em lei (Lei da Arbitragem), que leva a discussão de determinadas controvérsias a um árbitro ou tribunal arbitral, e não ao Poder Judiciário.
Trata-se de um procedimento bastante utilizado em litígios comerciais complexos, já que permite às partes escolherem de comum acordo um árbitro ou câmara arbitral especializado naquela matéria (como contratos de agronegócio, grandes obras de infraestrutura ou litígios societários). Além disso, a arbitragem confere maior flexibilidade na definição do procedimento, e também maior velocidade na resolução da disputa (já que a sentença é irrecorrível, e é definido desde o início um prazo para a prolação da sentença arbitral).
Outra vantagem sempre lembrada é que as partes podem estabelecer que o procedimento será sigiloso, o que evita que clientes ou concorrentes tomem conhecimento de informações confidenciais ou estratégicas relacionadas à disputa.
É certo, porém, que nem tudo são flores. O procedimento arbitral possui custos elevados, principalmente relacionados à taxa de administração da câmara e aos honorários dos árbitros, o que exige uma reflexão cuidadosa dos contratantes (em conjunto com seus advogados) se a arbitragem é mesmo o melhor instrumento para aquele contrato. Para negócios corriqueiros, de baixa complexidade ou de baixo valor, e que já não possuam grandes controvérsias jurídicas nos tribunais, a arbitragem talvez não seja a melhor opção.
Caso as partes entendam que sim, a arbitragem é adequada (seja pelo valor do negócio, seja pela complexidade da matéria), é necessário que o contrato contenha uma cláusula específica prevendo a escolha por essa modalidade de resolução de disputas, a chamada cláusula compromissória (ou cláusula arbitral). Porém, ela não pode fazer simples remissão à escolha pela arbitragem (por exemplo, "as partes concordam em resolver suas disputas por meio de arbitragem"), já que essa prática (infelizmente muito comum) pode trazer ainda mais problemas em meio a um litígio nascente.
2. O que devo incluir na cláusula compromissória?
A cláusula compromissória pode ser "vazia", quando apenas prevê a utilização da arbitragem em caso de disputas; ou "cheia", quando traz todo o detalhamento de como o procedimento deverá correr.
A cláusula vazia é extremamente problemática, porque inviabiliza a imediata instauração do procedimento arbitral em caso de surgimento de um conflito. Quando utilizada, exige que a parte que deseja ingressar com um processo arbitral primeiro deverá buscar o Poder Judiciário para que sejam estabelecidos os parâmetros da arbitragem - o que significa mais tempo e mais custos para as partes.
Portanto, a primeira cautela a ser observada é fugir das cláusulas compromissórias vazias, tendo o cuidado para que a cláusula arbitral preveja todos os parâmetros do futuro processo arbitral.
a. A escolha da câmara arbitral
No Brasil, normalmente os processos arbitrais tramitam perante câmaras arbitrais, que tem por principal função a de administrar o procedimento (cuidando de prazos, intimações, fornecendo infraestrutura para audiências etc).
Contudo, existem câmaras e câmaras, e deve-se priorizar a escolha de câmaras sérias, com boa reputação perante o mercado e um bom quadro de árbitros. Ainda que tenham custos mais elevados, a escolha por uma instituição sólida garantirá que o processo corra sem sustos e que a decisão final seja a mais adequada à questão em disputa.
Isso não significa que o custo não deva ser observado. Há diversas instituições muito respeitadas no Brasil, e a faixa de preços dessas instituições também é bastante variada, de modo que, antes de "bater o martelo" quanto à câmara arbitral, é importante que as partes analisem as tabelas de custas divulgadas pelas instituições.
Por fim, definida a câmara, é imprescindível que a cláusula compromissória indique expressamente se a arbitragem seguirá o regulamento de arbitragem da câmara; em caso negativo, as partes deverão especificar quais os procedimentos específicos deverão ser seguidos.
A Lei de Arbitragem não obriga que o procedimento arbitral seja conduzido perante uma câmara. É possível, portanto, que as partes estabeleçam em contrato a chamada arbitragem ad hoc, em que serão escolhidos um ou mais árbitros de confiança para a condução do procedimento fora de uma instituição. Neste caso, é imprescindível que a cláusula compromissória já contenha o detalhamento do procedimento, já que não haverá sequer um regulamento de câmara arbitral para orientar os trabalhos dos árbitros. Essa decisão, porém, pode implicar em menores custos (já que, em regra, não haverá pagamento da taxa de administração para a câmara, mas apenas os honorários dos árbitros), e representa uma alternativa interessante para situações em que as partes tenham a condição de indicar, de comum acordo, uma pessoa de confiança de ambas, a quem aceitem delegar a tomada de decisão.
b. Regras para a indicação dos árbitros
Definida a câmara, a cláusula deverá trazer as regras para a escolha dos árbitros: será apenas um árbitro, ou um tribunal arbitral? As partes poderão indicar os árbitros livremente, ou deverão constar da lista da instituição? Haverá alguma exigência de formação superior ou experiência profissional (segundo a lei, os árbitros não precisam ter formação jurídica)?
É sempre importante lembrar que a lei prevê que o árbitro deve ter a "confiança das partes", de modo que é importantíssimo que sua escolha decorra de regras transparentes para que essa confiança não se perca - o que fragiliza a eficácia do processo arbitral, já que uma decisão proferida por árbitro que perdeu a confiança das partes fatalmente será questionada perante o Poder Judiciário.
c. Direito aplicável
O procedimento arbitral não precisa, necessariamente, observar a legislação brasileira: e é comum que, em contratos internacionais, as partes optem pela utilização da lei do país onde a obrigação deva ser cumprida, por exemplo. A escolha deve ser cuidadosa e explícita, já que diz respeito não apenas à lei que será aplicada para a análise da disputa, mas também àquela que irá reger o procedimento arbitral.
Essa escolha deve estar expressa na cláusula compromissória, e deve ser realizada de maneira cuidadosa e refletida. As partes não devem selecionar legislação de país que desconhecem (ou que, ao menos, não conheçam com profundidade necessária), sendo recomendado que, caso optem por legislação estrangeira, que consultem advogados do respectivo país. Isso garantirá o pleno entendimento não apenas das consequências da escolha, mas também a compreensão de que maneiras a decisão arbitral poderá produzir efeitos no Brasil.
Outra possibilidade é que a arbitragem não seja "de direito" (ou seja, baseada na lei), mas por equidade. Nesse caso, a previsão deve ser expressa no contrato, e permite que o árbitro decida fora dos rigores da lei (mas nunca contra ela), ajustando a decisão ao caso concreto em busca de uma solução mais justa. A desvantagem da utilização da equidade é a menor previsibilidade da decisão, o que compromete a segurança jurídica e pode gerar um sentimento maior de injustiça na parte derrotada, de modo que somente deve ser utilizada situações muito específicas.
d. Local da arbitragem
Por fim, as partes devem estabelecer também qual será a sede da arbitragem, uma decisão que trará impactos relevantes como o local de realização de audiências e outras diligências (como perícias) - implicando em custos de deslocamento de partes, seus advogados ou testemunhas, se a câmara não possuir estrutura para audiências virtuais; qual será a autoridade judicial responsável para analisar pedidos de urgência, por exemplo; e qual será o órgão judicial competente para o cumprimento da sentença, se a parte derrotada não cumprir voluntariamente a obrigação.