A Inclusão do Imposto Seletivo na Base de Cálculo do IBS e da CBS: Um Contrassenso à Promessa de Não Cumulatividade Ampla da Reforma Tributária
Por Ivo Ricardo Lozekam
A Emenda Constitucional nº 132/2023, marco da tão aguardada Reforma Tributária, foi aprovada com a promessa de modernizar o sistema tributário brasileiro, tendo como um de seus pilares fundamentais a adoção de um modelo de não cumulatividade ampla, característica intrínseca dos Impostos sobre Valor Agregado (IVA). No entanto, uma análise técnica da operacionalização dessa reforma revela uma contradição prática significativa: a inclusão do Imposto Seletivo (IS) na base de cálculo do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
1. A Nota Técnica e a Cumulatividade Prática
A Nota Técnica 2025.002 v1.01, publicada com o objetivo de orientar a adaptação das Notas Fiscais Eletrônicas ao novo modelo tributário, estabelece em seu item UB16-10 (página 23) que:
“O campo da base de cálculo do IBS e da CBS (glBSCBS/vBC) deve incluir o valor do Imposto Seletivo (vIS).”
Na prática, isso significa que o IBS e a CBS serão calculados sobre um valor que já inclui o IS, ou seja, haverá tributação sobre tributo, criando uma situação de cumulatividade — justamente o que a reforma pretendia eliminar.
2. O IS como Substituto do IPI: Um Tratamento Incoerente
O Imposto Seletivo foi concebido para substituir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), incidindo sobre produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e armas.
Entretanto, atualmente, o IPI não integra a base de cálculo do ICMS — uma prática que evita a incidência de um tributo sobre outro. Com a reforma, o IS que substitui o IPI passará a integrar a base de cálculo da CBS, que por sua vez substitui o PIS, Cofins, ICMS e ISS. Essa mudança revela uma incoerência normativa: o novo sistema, que deveria evitar a cumulatividade, institucionaliza uma forma de cumulatividade que antes era evitada.
3. O Fundamento Constitucional da Inclusão
A constitucionalidade dessa inclusão está respaldada no § 6º do art. 153 da EC 132/2023:
“O Imposto Seletivo integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 156-A (IBS) e 195, inciso V (CBS).”
Esse dispositivo constitucional confere validade jurídica à inclusão do IS na base do IBS e CBS. No entanto, essa previsão — embora constitucional — colide com o espírito da reforma, que visava aproximar o Brasil dos modelos internacionais de IVA, marcados por neutralidade e transparência fiscal.
4. Silêncio da LC 214/2025 e Interpretação Sistemática
A Lei Complementar 214/2025, que regulamenta a CBS, não trata expressamente da inclusão do IS na base de cálculo. Contudo, seu art. 12, inciso V, ao referir-se genericamente a "tributos", pode ser interpretado, à luz da EC 132/2023, como suficiente para abarcar o IS. Ainda assim, essa interpretação reforça a cumulatividade e compromete os princípios de neutralidade e transparência que deveriam nortear a nova estrutura.
5. Conclusão: Uma Contradição Estrutural
A inclusão do Imposto Seletivo na base de cálculo do IBS e da CBS configura, em essência, uma contradição à lógica do IVA e às promessas de não cumulatividade ampla feitas ao longo do processo de reforma. Se, por um lado, a Constituição autoriza essa prática, por outro, o efeito econômico é um aumento indireto da carga tributária e a introdução de tributação em cascata.
Portanto, se o objetivo do novo sistema é garantir simplicidade, transparência e eficiência, será necessário reavaliar essa sistemática, sob pena de se manter as distorções que a reforma pretendeu combater — ou até mesmo agravá-las.