Quase dois anos após a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/23, a Reforma Tributária avança a pleno vapor, com testes do modelo CBS já a partir do mês de julho pela Receita Federal e as alíquotas iniciais do IBS e da própria Contribuição sobre Bens e Serviços sendo aplicadas a partir do ano que vem.
Dentro dessa jornada, a indústria – um dos setores historicamente mais penalizados pela complexidade fiscal e pelo “efeito cascata” do regime de cumulatividade –, via de regra, antevê perspectivas positivas relacionadas à própria dinâmica produtiva do segmento industrial.
Isso porque o novo sistema, ao adotar o princípio não cumulativo para a incidência de impostos, tende a favorecer setores com cadeias produtivas mais longas, típicas da atividade industrial, já que permite um aproveitamento mais abrangente de créditos fiscais ao longo de todo o ciclo produtivo.
A lógica é objetiva: quanto mais etapas e insumos integram o processo produtivo, maior o volume de créditos a serem apropriados, o que se traduz em alívio de carga efetiva – ou, no mínimo, em manutenção da carga atual –, mas também em redução de distorções e em mais simplicidade operacional para as áreas fiscais.
Trata-se, portanto, de uma reconfiguração estrutural com potencial de trazer mais competitividade para a indústria, inclusive com redução do peso do chamado Custo Brasil que afeta diretamente o setor industrial – segundo o próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Custo Brasil já alcança R$ 1,7 trilhão em custo para as empresas, dos quais, nada menos que R$ 310 bilhões se relacionam diretamente com a atual complexidade tributária do país.
No entanto, é preciso cautela para afirmar que esses benefícios potenciais se traduzirão de forma uniforme para todas as organizações do setor – e muito menos que eles serão vivenciados “do dia para a noite”.
Para empresas de todos os segmentos econômicos, a Reforma Tributária exige uma análise técnica minuciosa e individualizada que inclua as especificidades de cada cadeia produtiva por setor, o contexto tributário atual da empresa, suas tecnologias, custos, contratos e modelo de negócio, além dos impactos operacionais que, inevitavelmente, hão de surgir diante da transformação mais profunda em nossa estrutura fiscal das últimas décadas.
Mesmo dentro da indústria, os efeitos podem variar consideravelmente entre ramos com maior ou menor verticalização, volume de exportações, presença de insumos importados ou regimes especiais. Além disso, o próprio desenho do período de transição – que é longo e se estende até 2033 – adiciona uma camada de complexidade: as empresas precisarão conviver com dois sistemas simultaneamente, o antigo e o novo, por quase uma década.
Esse processo de adaptação gradual com convivência entre dois sistemas tende a ser especialmente desafiador. Não por acaso, em pesquisa recente, por exemplo, 85% das empresas brasileiras afirmaram ainda não estar preparadas para a Reforma Tributária.
Esse é um sinal de alerta importante, já que a adoção dos novos princípios fiscais que irão reger o país, como vimos, está em fase avançada.
Além disso, o fim do custo oculto de tributos incidentes na cadeia produtiva exige revisão completa da precificação. As indústrias precisam rever suas cláusulas contratuais, que antes eram secundárias, e agora ganham protagonismo. Será necessário, por exemplo, revisar contratos de longo prazo, especialmente os que envolvem repasse de tributos, para definir quem arcará com o impacto tributário; como ajustar preços em função da nova modelagem tributária, e como lidar com os créditos não aproveitados.
E, mesmo que o novo sistema traga ganhos potenciais para a indústria, a adaptação à Reforma depende de uma atuação proativa desde já, e a diferença entre fazer das mudanças um diferencial competitivo ou não reside, justamente, nesse planejamento antecipado, de modo que seja possível superar obstáculos e identificar oportunidades ainda no período de transição.
Em outras palavras: cabe ao setor industrial interpretar essa equação com visão estratégica para que possa, de fato, sair fortalecido no novo contexto tributário do país que já está batendo na porta.
Por: Edgar Madruga é auditor, tributarista consultivo e sócio da BSSP Consulting