A transferência de créditos tributários na reforma tributária não será como atualmente é com o ICMS. Quando me refiro à transferência de créditos não estou mencionando a transferência de saldo credor que necessita, em muitos estados federados, autorização da autoridade tributária. Me refiro à transferência de créditos obtidos a partir das transações mercantis.
O que chamamos comumente de “creditamento”, no jargão tributário, ou seja, a tomada de créditos pelos documentos fiscais que dão suporte às transações entre contribuintes é de fato uma transferência de créditos. A origem (base) é uma transação comercial. Tanto é assim que em alguns casos os débitos na origem não se transformam em créditos no destino, por restrições legais (falta de previsão).
Atualmente quando há uma transação comercial entre contribuintes (não só no campo ICMS) de natureza não cumulativa há um débito na origem e geralmente gera um crédito equivalente no destino. Há muitas exceções atualmente – não entrarei neste mérito neste artigo. Ocorre que um ou mais ativos foram transferidos. Estes ativos são títulos de créditos com os tesouros da União e Estados Federados.
A não cumulatividade dos tributos é geralmente aplicada, da forma descrita sucintamente acima, pelo mundo afora. Então quando a operação se realiza, por exemplo uma venda, há um débito de quem vende e um crédito para quem compra desde que os dois sejam contribuintes. Expliquei até aqui o hoje (“as is”) para poder explicar o como será (“to be”) com a reforma. E tendo o cuidado de ser didático para tantas pessoas não iniciadas no mundo tributário e que desejam conhecer, como os acadêmicos dos cursos de economia, administração, gestão, contabilidade, sistemas etc.
O crédito no destino de mercadorias e tomadores de serviços está atualmente atrelado ao documento fiscal. Ou seja, quando o destinatário recebe o documento analisa as condições legais para creditamento e realiza-o numa apuração mensal. Ou seja, se quem gerou o crédito (origem) não quitar a incidência dos tributos de sua operação, o crédito se manterá (se aplicável) no destino. Com a reforma tributária esta lógica se mantém, porém, foi alterada na essência. A operacionalização é distinta. O creditamento é pleno desde que tenha sido pago. Ou seja, se os tributos da operação anterior foram pagos o destinatário (adquirente) poderá tomar o crédito, salvo raras exceções – muito raras, se comparado ao cenário atual.
O que é a apuração assistida que está prevista na Lei Complementar 214/25 que propõe a criação do dispositivo e obriga contribuintes e entes estatais a adoção? Uma espécie de banco. Isso é um banco financeiro. Como funcionamento semelhante ao pagamento de boletos, por exemplo. Quando um boleto é quitado pelo sacado ele gera um crédito no destinatário (emitente do boleto).
O que muda na lógica atual é que a transação para gerar os créditos no destino terá de haver a quitação do “boleto de tributos”. Ou seja, o fator temporal, o fato que habilita o crédito será diferente da sistemática atual. Por exemplo, se hoje uma empresa A compra de B mil reais, dois fatos serão distintos no cenário atual e futuro:
Hoje, o valor da transação é de R$ 1.000. No futuro a transação será de mil reais e mais os tributos (ou menos já que os tributos estarão fora do valor mercantil);
O valor dos tributos (ICMS, PIS/COFINS, IPI) não cumulativos serão debitados ao final do mês para o contribuinte origem – A, e ele terá prazo de pagamento. Todavia, simultaneamente o contribuinte destino B tomará o crédito na sua apuração. No cenário futuro, para que B tome o crédito terá de haver o pagamento do débito de A (origem). Geralmente quem fará o pagamento do tributo será o adquirente que além receber mercadorias e serviços, receberá também o crédito.
Esta é uma das principais alterações da reforma tributária, ainda que geralmente não seja tão mencionada pelos leigos. Fala-se da simplificação, o que é verdade e dos créditos plenos (que receberá uma alíquota majorada para manter a arrecadação). A sistemática dos créditos plenos permitiu a simplificação e, portanto, a apuração assistida que nada mais é que um agente tecnológico dos fiscos para garantir que o crédito seja habilitado no destino apenas após a quitação na origem.
Eu sou consultor e professor Mauro Negruni. Atuo na integração de informações fiscais para gerar melhorias de processos e sistemas das obrigações acessórias e tributação.