O dólar exerce uma influência profunda sobre todas as economias globais. Quando os preços dos combustíveis sobem, os alimentos encarecem ou o Banco Central (BC) hesita em cortar os juros, surge a dúvida recorrente: até que ponto esses fenômenos são explicados por movimentos da moeda norte-americana? A questão é que o impacto do dólar costuma pesar mais sobre nós do que sobre os próprios Estados Unidos — ainda que sejam eles os responsáveis pelas decisões de política monetária que determinam o rumo da sua moeda.
O ponto central é entender por que o dólar tem tanto peso em diferentes partes do mundo. A explicação é relativamente simples. Em um sistema financeiro amplamente dolarizado, os Estados Unidos atuam como emissores da principal moeda de referência internacional. Isso lhes permite financiar déficits bilionários com relativa facilidade, impor sanções com alcance mundial e atrair capital estrangeiro mesmo em períodos de instabilidade doméstica. Como o dólar é amplamente retido por governos, empresas e investidores ao redor do planeta, a emissão de moeda pelo Federal Reserve (FED) não se restringe à economia estadunidense, espalhando-se. Assim, o país consegue sustentar seus desequilíbrios fiscais sem provocar, de imediato, uma inflação significativa dentro de casa.
Esse arranjo, consolidado há décadas, começa a lidar com pressões em um quadro geopolítico cada vez mais instável. Com a guerra na Ucrânia, os conflitos no Oriente Médio e a crescente rivalidade tecnológica entre Estados Unidos e China, o dólar passou a ser utilizado também como instrumento de poder. A sua centralidade em mecanismos — como o sistema Swift, no comércio internacional de petróleo e nas reservas cambiais dos países — confere ao país uma vantagem estratégica. Um exemplo emblemático foi o congelamento dos ativos russos denominados em dólar, incluindo reservas estrangeiras e títulos soberanos, uma clara demonstração do que os norte-americanos chamam de weaponization da moeda (ou seja, o seu uso como ferramenta política e econômica).
Com isso, a pergunta que fica é: até quando o dólar continuará com esse protagonismo? Desde Bretton Woods, em 1944, a moeda se consolidou como pilar do sistema monetário internacional. No pós-guerra, os Estados Unidos emergiram com a economia mais sólida do planeta e detentores de grandes reservas de ouro, o que gerou confiança universal na estabilidade do dólar. Além disso, a liquidez e a segurança dos títulos do Tesouro estadunidense, aliadas a instituições sólidas, reforçaram essa posição de liderança.
Contudo, os fundamentos que sustentavam essa hegemonia vêm se desgastando. Neste segundo governo de Trump, observa-se um enfraquecimento das instituições econômicas, com tentativas de pressionar o FED a adotar medidas alinhadas com interesses políticos de curto prazo. Simultaneamente, a estratégia dos Estados Unidos de utilizar o dólar como arma geopolítica, como no caso da Rússia, gerou desconfiança quanto à neutralidade da moeda. Soma-se a isso o crescente descontrole fiscal — os déficits do governo norte-americano vêm aumentando de forma acelerada, sem sinais claros de compromisso com a sustentabilidade da dívida.
Apesar dessas fragilidades, substituir o dólar como principal moeda de reserva não é uma tarefa tão simples assim, uma vez que ainda representa cerca de 60% das reservas internacionais dos países. Outras moedas, como o iuan chinês, até avançam em relevância, mas encaram barreiras substanciais, como o controle cambial rígido e a falta de transparência institucional. Assim, embora a liderança do dólar esteja sendo contestada, não há uma alternativa viável no curto prazo. O mais provável é uma transição gradual, com o fortalecimento de moedas regionais e a celebração de acordos comerciais em outras denominações.