Com a aprovação da Lei Complementar nº 214/2025, o Brasil inicia a transição para um novo modelo de tributação sobre o consumo. A partir de 2027, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substituirá o PIS e a Cofins. Essa mudança afeta diretamente o setor de tecnologia, especialmente empresas que atuam com suporte técnico, licenciamento de software e serviços de TI, atualmente muitas vezes tributadas de forma cumulativa, mesmo estando no Lucro Real.
Neste artigo, analisamos o funcionamento atual, o que muda com a CBS, e como o novo modelo pode representar aumento ou redução da carga tributária — dependendo da estrutura de custos da empresa.
Como funciona hoje: cumulatividade mesmo no Lucro Real
Atualmente, muitas empresas do setor de tecnologia, mesmo sendo optantes do Lucro Real, são tributadas pelo regime cumulativo de PIS e Cofins. Isso significa uma alíquota conjunta de 3,65% (0,65% de PIS e 3% de Cofins) aplicada sobre a receita bruta, sem direito a créditos.
Esse modelo atinge atividades como:
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Suporte técnico de informática;
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Instalação e manutenção de sistemas;
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Licenciamento de software (SaaS ou perpétuo não personalizado);
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Consultoria em TI sem natureza técnica especializada.
Na prática, essas empresas recolhem os tributos sobre o valor total da receita, mesmo quando estão no regime de apuração do Lucro Real, o que gera uma distorção em relação a outros setores.
O que muda com a CBS a partir de 2027
Com a entrada em vigor da CBS:
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Todas as empresas, independentemente do setor, passarão ao regime não-cumulativo;
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A alíquota de referência será de 8,8% sobre a receita bruta;
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Haverá amplo direito a crédito, incluindo despesas com:
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Energia elétrica;
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Aluguéis;
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Serviços tomados;
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Infraestrutura de TI (nuvem, software, hardware);
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Insumos operacionais e ativos.
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O novo modelo elimina a cumulatividade e busca padronizar o tratamento fiscal entre setores. No entanto, a vantagem econômica dependerá diretamente do volume de despesas passíveis de gerar crédito.
Exemplo prático: empresa de tecnologia com estrutura leve
Uma empresa prestadora de suporte técnico e venda de licenças de software opera com receita mensal de R$ 100.000,00 e tem despesas operacionais creditáveis de apenas R$ 10.000,00 por mês.
Cenário atual (regime cumulativo):
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Alíquota: 3,65%
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Recolhimento mensal: R$ 3.650,00
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Sem direito a crédito
A partir de 2027 (CBS 8,8%, não cumulativa):
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Débito de CBS: R$ 8.800,00
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Crédito (8,8% sobre R$ 10.000): R$ 880,00
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CBS líquida a pagar: R$ 7.920,00
Comparativo:
Modelo | Receita | Crédito | Imposto a pagar | Observação |
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Regime cumulativo atual | R$ 100 mil | R$ 0 | R$ 3.650,00 | Alíquota menor, sem aproveitamento de crédito |
CBS não cumulativa (2027) | R$ 100 mil | R$ 880 | R$ 7.920,00 | Carga praticamente dobra com pouca despesa creditável |
Alerta: a CBS pode aumentar a carga para empresas com estrutura enxuta
Empresas de tecnologia geralmente operam com estrutura leve, alta margem e poucos insumos creditáveis. Em muitos casos, utilizam software próprio, mão de obra interna e prestam serviços baseados em conhecimento, o que limita a geração de créditos.
Essa realidade é comum entre:
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Startups de software e SaaS;
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Consultorias de TI;
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Empresas de suporte técnico com equipe interna e terceirização mínima.
Nesses casos, a CBS pode representar um aumento real da carga tributária em relação ao regime cumulativo atual.
Estratégias e pontos de atenção
Apesar da possível elevação da carga, existem estratégias para mitigar os efeitos:
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Revisar e formalizar contratos com fornecedores para garantir crédito;
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Avaliar o modelo de negócio e identificar oportunidades de crédito;
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Recalcular precificação para absorver ou repassar parte da nova carga;
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Preparar sistemas e estrutura contábil para a nova lógica de escrituração da CBS.
Apêndice técnico – Tratamento do setor de tecnologia na Lei Complementar nº 214/2025
Tema | Artigo da LC 214/2025 | Conteúdo Legal | Aplicação ao setor de tecnologia |
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Conclusão
A Reforma Tributária, por meio da CBS, busca simplificar e tornar mais justa a tributação sobre o consumo. Para o setor de tecnologia, ela resolve uma distorção histórica ao eliminar a cumulatividade do PIS e Cofins. No entanto, empresas com estrutura enxuta, margem alta e poucos insumos creditáveis poderão enfrentar um aumento real da carga tributária, mesmo estando no Lucro Real.
A antecipação e o planejamento fiscal são indispensáveis para esse setor até 2027.