Recentemente, em uma conversa com um grande amigo, surgiu um tema que tem causado bastante agitação nos bastidores das instituições governamentais: o chamado “confisco alargado”. Desde a promulgação da Lei nº 13.964/2019, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com essa previsão no artigo 91-A do Código Penal.
De forma objetiva, a norma permite que, em caso de condenação por crimes cuja pena máxima seja superior a seis anos, o Estado possa decretar a perda de bens que não tenham relação direta com o crime, desde que esses bens sejam considerados incompatíveis com a renda lícita do condenado. Isso mesmo: mesmo que o bem não esteja ligado diretamente ao delito, ele pode ser tomado pelo Estado.
A proposta tem como objetivo ampliar o combate ao enriquecimento ilícito, dificultando a preservação de patrimônios obtidos a partir de atividades criminosas. Contudo, ao transferir para o condenado a responsabilidade de provar a origem legal dos bens, a medida tem gerado debate entre juristas e entidades da advocacia. Muitos a consideram uma possível violação de princípios fundamentais, como a presunção de inocência e o devido processo legal.
Especialistas alertam que o confisco alargado pode ser uma forma de excesso por parte do Estado, ao permitir que bens sejam confiscados com base em presunções amplas, sem conexão direta com o crime. A preocupação é que esse instrumento seja aplicado de maneira indiscriminada, prejudicando garantias individuais e a própria segurança jurídica, especialmente quando o julgamento da “incompatibilidade patrimonial” se baseia em critérios subjetivos ou em estimativas econômicas sem metodologia clara.
Por isso, a constitucionalidade do artigo 91-A está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do Judiciário brasileiro, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6304, que contesta tanto a inversão do ônus da prova quanto o alcance da medida. Enquanto a Corte não se posiciona de forma definitiva, o assunto continua gerando discussões sobre o equilíbrio entre o combate ao crime e os limites da atuação punitiva do Estado.
Seguimos, nas entrelinhas, vírgulas e vastas interpretações das leis, que muitas vezes sequer se explicam, mas precisam ser entendidas e conduzidas adiante.
Por: Sérvulo Mendonça, chairman da Holding SM