A promulgação da Lei Complementar nº 214/2024, regulamentando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), marca uma das mais profundas transformações no sistema tributário brasileiro das últimas décadas. E com ela, surge uma nova realidade para os profissionais da contabilidade, que precisarão se adaptar a um modelo inspirado no IVA europeu, com forte viés digital e fiscalizatório.
Contexto da LC 214/2024: do modelo cumulativo ao crédito integral
A LC 214/2024 traz à vida os preceitos da Emenda Constitucional 132/2023, instituindo dois tributos sobre o consumo:
- CBS, de competência federal, substitui PIS e COFINS;
- IBS, de competência estadual e municipal, substitui ICMS e ISS.
A lógica é a da não cumulatividade plena, com crédito financeiro amplo e apuração por fora, o que altera significativamente a dinâmica contábil dos tributos indiretos.
Apuração "por fora" e reflexo nas demonstrações contábeis
Diferentemente do modelo anterior (PIS/COFINS/ICMS "por dentro"), a nova sistemática exige que IBS e CBS sejam destacados separadamente na nota fiscal, sem compor a receita da empresa.
Impactos diretos na contabilidade:
Aspecto |
Situação Anterior |
Com IBS/CBS |
Receita bruta |
Incluía PIS, COFINS, ICMS |
Exclui IBS/CBS |
CPV e Despesas |
Menor possibilidade de crédito |
Crédito total e amplo |
Lançamentos contábeis |
Foco no tributo "dentro do preço" |
Foco em créditos e débitos "por fora" |
Saldo a pagar |
Recolhimento posterior |
Split payment (pago pelo comprador) |
Essa mudança exige reestruturação do plano de contas, criação de novas contas para controle de créditos, débitos e restituições de IBS e CBS.
Split payment: o fisco recebe direto
A LC 214/2024 adotou o modelo “split payment” (pagamento fracionado), em que o valor do imposto não transita pela empresa. Ao emitir a NF-e, o sistema destaca os tributos que serão pagos automaticamente à União, Estados e Municípios.
Consequências contábeis:
- A empresa recebe apenas o valor líquido da venda;
- O valor do imposto vai direto ao fisco — mas o crédito continua existindo;
- Isso altera o fluxo de caixa e a conciliação bancária.
Escrituração: novos campos, novos controles
A Nota Técnica 2025.002 – RTC apresenta os novos campos obrigatórios na NF-e, adaptados ao modelo do IBS, CBS e Imposto Seletivo.
Esses campos exigem integração contábil-fiscal imediata:
- Alíquotas separadas por ente federativo (IBS estadual, municipal, CBS federal);
- Indicação do split payment;
- Controle do tipo de operação (com ou sem crédito, desonerada, seletiva etc.);
- Chave do documento de arrecadação eletrônica do tributo.
O contador precisará dominar não apenas a lógica fiscal, mas também automatizar a conciliação de tributos recolhidos eletronicamente via sistemas ERP.
Exemplo prático (fictício)
Venda de R$ 10.000,00 com:
- CBS = 9%
- IBS estadual = 8%
- IBS municipal = 2%
Total de tributos: R$ 1.900,00
- Valor da nota fiscal: R$ 11.900,00
- Tributos repassados via split: R$ 1.900,00 (não entram no caixa)
- Contabilização: receita líquida = R$ 10.000; tributos destacados em contas específicas.
Na apuração: a empresa poderá compensar os créditos gerados na aquisição, inclusive de bens do ativo imobilizado.
- Recomendações ao profissional contábil
- Atualize o plano de contas com novas rubricas de IBS/CBS;
- Implemente ERP com módulo fiscal adaptado à nova nota técnica;
- Treine a equipe para trabalhar com split payment e conciliação automática;
- Faça simulações de impacto financeiro e tributário nas DREs;
- Revise contratos e precificação de produtos com foco na formação do preço líquido.
A implementação do IBS e CBS na LC 214/2024 não é apenas uma mudança fiscal. É uma revolução na forma como os tributos impactam a contabilidade, a precificação, o fluxo de caixa e a governança tributária das empresas.
O contador, mais do que nunca, será o protagonista na adaptação estratégica, operacional e tecnológica para o sucesso nesse novo ambiente fiscal.