A EC 132/2023 está redesenhando a tributação do consumo no Brasil. Entra em campo o duo CBS (federal) + IBS (estadual/municipal) e o Imposto Seletivo (IS), com cronograma faseado até 2033. Para nós, contadores, a janela de ouro é 2025–2028: parametrizar sistemas, redesenhar a política de créditos e preparar o pricing do cliente para o regime definitivo.
1) O que muda — e por que isso importa para o seu cliente
- Novo modelo sobre consumo: substitui gradualmente IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS por CBS + IBS; o IS incide sobre bens/serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A alíquota-padrão será definida em lei, com estimativas oficiais orbitando a casa de ~26,5% a 28% (objetivo do Executivo é não superar 26,5% até 2030). Implicação prática: precificação e margem sob nova lógica.
- Cashback: devolução de tributos para famílias de baixa renda nas contas de energia, água, gás e telecom (100% da CBS + 20% do IBS), com desenho operacional pelas autoridades competentes. Para setores regulados/empresas B2C, é tema de processo e auditoria.
- Regimes específicos: a lei complementar consolidou 11 regimes (combustíveis monofásicos, financeiro, entre outros), exigindo leitura fina para não desperdiçar crédito ou errar a incidência. Em combustíveis, as alíquotas são uniformes e específicas por unidade de medida, com vedações e exceções de crédito.
2) Linha do tempo — marcos para organizar o projeto com o cliente
- 2026: período de testes (obrigação acessória e pilotos). Objetivo: ajustar sistemas sem “sangrar” o caixa do contribuinte.
- 2027–2028: CBS já incide integralmente; IBS roda com alíquota simbólica de 0,1% (teste). É quando o pricing e a gestão de créditos começam a valer “de verdade”.
- 2029–2032: transição escalonada de ICMS/ISS → IBS (10%, 20%, 30%, 40%).
- 2033: regime definitivo; extinção de ICMS, IPI e ISS no consumo. Fim do dualismo e consolidação de processos.
Governança: o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) está sendo estruturado (sede provisória no Comsefaz). A Receita Federal conduz a CBS. Fique de olho nos atos conjuntos — especialmente sobre split payment (pagamento na liquidação financeira).
3) Não cumulatividade e créditos: onde está o dinheiro
A diretriz é de não cumulatividade plena, com amplitude de créditos (regras e exceções claras) e modalidades de pagamento que incluem compensação, recolhimento tradicional e split payment. Na prática, abre-se espaço para política de crédito mais inteligente — desde que cadastro e documentação estejam impecáveis.
4) Simples Nacional continua — e você deve calibrar o discurso com o cliente
Muita desinformação tem circulado. O Simples não acabou com a reforma; autônomos e pequenos seguem com alternativas de enquadramento (MEI/Simples, conforme elegibilidade). Evite decisões precipitadas de migração só “por ouvir dizer”.
5) Playbook de implementação (orientado a valor)
- Estratégia & Diagnóstico (30–45 dias)
- Mapeamento de operações (matriz compra→produção/serviço→venda; B2B/B2C; interestadual/municipal).
- Classificação fiscal: revisar NCM (bens) e NBS (serviços) — a regulamentação referencia a NBS; erros aqui corrompem crédito e alíquota.
- Radiografia de créditos: energia, aluguéis, serviços tomados, ativos, contratos longos; cruzar com vedações/limitações dos regimes específicos do cliente.
- Gap de compliance: novas hipóteses de responsabilidade tributária e governança de obrigações acessórias. Prepare políticas internas e trilhas de evidências.
- Processos & Tecnologia (45–90 dias)
- ERP/Fiscal: parametrizar CBS/IBS/IS, naturezas de operação, motor de regras por UF/município, split payment (quando aplicável), novas tags em documentos fiscais.
- Workflows de crédito: desenhar apuração mensal, conciliações e testes de trava/permitido por tipo de gasto e regime.
- Pricing & contratos: rever precificação (margem x alíquota de referência), cláusulas de reajuste e repasse, métricas por SKU/serviço.
- Pilotos & Governança (2026)
- Projeto-piloto por filial/linha: rodar em paralelo ao modelo atual para validar cálculo, crédito e preço.
- KPIs executivos: EBT pós-impostos, margem de contribuição “pós-CBS/IBS”, “tax gap” (diferença entre esperado vs. recolhido), índice de glosas.
- Auditoria contínua: checklists mensais, trilhas de auditoria de cashback (quando o negócio for B2C de utilidades/telecom), e acompanhamento de atos do CG-IBS/RFB.
6) Imposto Seletivo (IS): riscos reputacionais e de margem
O IS nasce para desestimular consumo de produtos/serviços nocivos. Seu cliente pode entrar ou ser impactado na cadeia (repasses). Avalie:
- Elasticidade de demanda (capacidade de repassar).
- Compliance de rotulagem/classificação (enquadramento correto evita autuações).
7) Perguntas que o CFO do seu cliente espera ouvir de você
- “Qual é a alíquota de referência que estamos simulando por linha de receita?” (e como isso afeta EBIT/EBITDA) — use cenários 26–28%.
- “Qual o delta de crédito com o novo sistema versus hoje?”
- “O contrato com nossos principais clientes/fornecedores já tem gatilhos para a transição 2027–2032?”
- “Estamos prontos para split payment e para as novas responsabilidades?”
8) Roteiro de 90 dias (modelo enxuto para vender como projeto)
Sprints quinzenais com entregáveis claros:
- S1: diagnóstico fiscal + mapa de operações + inventário de créditos.
- S2: parametrização ERP + desenho de apuração + política de créditos.
- S3: simulação de preços e margem + minuta de aditivos contratuais.
- S4: piloto 2026 + dashboard executivo + playbook de auditoria.
Conclusão
A Reforma não é “só” compliance — é alavanca de margem. O contador que liderar o pricing inteligente + política de crédito + governança vai sair do operacional e sentar à mesa do board.