O avanço das plataformas digitais redefiniu a forma como consumimos, trabalhamos e nos relacionamos, mas a concentração de poder em poucas empresas acendeu o alerta de governos e autoridades em todo o mundo.
No caso do Brasil, a movimentação recente do governo federal e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para propor regras específicas às chamadas plataformas de “relevância sistêmica” trouxe o tema ao centro do debate.
Entretanto, a proposta não se resume a ajustes técnicos; ao invés disso, busca também estabelecer um modelo regulatório preventivo que se antecipe a potenciais abusos de mercado, em contraste com o atual sistema repressivo que só atua após a infração e em mercados digitais altamente concentrados.
Desse modo, busca-se evitar que a demora na intervenção possa cristalizar posições dominantes em ritmo acelerado, tornando a repressão posterior quase inócua.
Além disso, a discussão não se limita ao Brasil, podendo citar providências como o Digital Markets Act e o Digital Services Act, aprovados pela União Europeia, que enquadram empresas como Google, Meta e Apple na categoria de “gatekeepers” – uma espécie de agente responsável por filtrar o acesso a determinadas informações indesejadas –, impondo obrigações de interoperabilidade, transparência e não discriminação.
Nessa mesma linha, os Estados Unidos adotam ações antitruste em face de empresas como a Amazon e a Microsoft, sinalizando um incremento regulatório, reforçando um cenário em que a regulação digital deixa de ser tendência para se tornar realidade inevitável.
As consequências, no entanto, são distintas para cada ator econômico, vez que grandes companhias tendem a enfrentar custos adicionais de compliance e revisão de contratos, além da necessidade de maior transparência nos algoritmos.
Por outro lado, novos players, como startups, poderão encontrar mais espaço competitivo com a redução de barreiras artificiais de entrada, na medida em que os consumidores tendem a ganhar com a maior diversidade de serviços, preços menos distorcidos e proteção reforçada no uso de dados pessoais.
Ademais, não se pode ignorar os reflexos no campo penal, já que práticas de abuso de poder econômico, manipulação de dados ou imposição de cláusulas abusivas podem extrapolar o âmbito administrativo e alcançar a esfera criminal, com a aplicação rigorosa da Lei nº 8.137/90, que tipifica crimes contra a ordem econômica, além da configuração de fraude e violação de sigilo em casos específicos de utilização de dados sensíveis.
Contudo, em uma atmosfera de ascensão de impérios digitais, o maior desafio jurídico está em delimitar conceitos vagos como “plataforma dominante” ou “relevância sistêmica”, termos que podem gerar insegurança regulatória e estimular a judicialização, ocasionando o questionamento da constitucionalidade das novas obrigações impostas pelas recentes decisões da Suprema Corte brasileira.
Outrossim, as obrigações exigidas demandarão que o CADE amplie seus quadros técnicos para lidar com análises sofisticadas de algoritmos, inteligência artificial, big data e proteção de dados em um ambiente em constante transformação.
Diante disso, ignorar a questão significa perpetuar práticas que sufocam a concorrência, minam a inovação e fragilizam a proteção do consumidor.
A experiência internacional demonstra que uma regulação bem calibrada não destrói o setor tecnológico, mas o fortalece, oferecendo previsibilidade, estabilidade jurídica e atratividade a investimentos de longo prazo, reduzindo, assim, a dependência de soluções improvisadas que costumam gerar mais insegurança do que respostas efetivas.
Todavia, transformar riscos regulatórios em oportunidades estratégicas dependerá da capacidade das empresas de compreender o novo ambiente jurídico, inevitavelmente mais exigente, e da maturidade institucional do Estado em aplicar regras que sejam firmes, e não sufocantes.