A Reforma Tributária, aprovada pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023, inaugurou um novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) foram criados para substituir tributos antigos e, sobretudo, para pôr fim à lógica da tributação em cascata. São tributos cobrados “por fora”, ou seja, destacados no documento fiscal, com o intuito de garantir clareza ao contribuinte quanto à carga tributária incidente.
Apesar disso, interpretações recentes do Fisco levantaram a hipótese de incluir o IBS e a CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS durante o período de transição (2026–2033). Essa tese, se prevalecer, poderá significar um retrocesso ao modelo que a reforma buscou superar, com sérios impactos para o empresariado brasileiro.
A inclusão do IBS e da CBS nas bases do ICMS e do ISS aumentaria substancialmente o valor dos bens e dos serviços. Além da carga tributária maior, isso se traduz em elevação dos custos de compliance e, inevitavelmente, aumento de litígios. Empresas já sobrecarregadas com adaptações tecnológicas e regulatórias passariam a enfrentar disputas judiciais em massa, como ocorreu na chamada “tese do século” — a exclusão do ICMS da base de PIS/Cofins, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que gerou passivo tributário de grande volume ao Erário.
Do ponto de vista constitucional, o art. 156-A, § 1º, inciso IX, veda expressamente que o IBS componha a própria base de cálculo, bem como a do Imposto Seletivo (IS), da CBS, de PIS/Cofins e de PIS/Cofins-Importação. De forma análoga, o art. 195, § 17, aplica a mesma regra à CBS. Ainda que não haja menção direta à vedação de inclusão desses tributos nas bases do ICMS e do ISS, tal silêncio não pode ser interpretado como autorização. A interpretação da Constituição deve ser sistemática e alinhada com os princípios estruturantes da Reforma Tributária.
Permitir essa interpretação seria um contrassenso. O novo sistema nasceu para ser simples, neutro, transparente e não cumulativo. Se o IBS e a CBS entrarem na base de cálculo do ICMS e do ISS, haverá violação de todos esses princípios. O efeito cascata voltaria a encarecer produtos e serviços, escondendo do consumidor o peso real dos tributos e fragilizando a competitividade das empresas brasileiras. Apesar da modulação de efeitos, o STF foi categórico no Tema 69: o ICMS não pode compor a base de PIS/Cofins, porque não é receita do contribuinte. A lógica se aplica ao caso atual. Um tributo não pode ser base de cálculo de outro. Insistir no contrário é reacender uma disputa que a reforma tentou encerrar.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por meio do seu Conselho de Assuntos Tributários, e a Associação Brasileira Advocacia Tributária (Abat) consideram absurda a interpretação do Fisco, e caso esse entendimento seja confirmado, poderão avaliar a adoção de medidas em defesa do contribuinte, com o viés de questionar a inconstitucionalidade de normas tributárias que desvirtuem os princípios norteadores da reforma tributária perante o Judiciário, com o objetivo de garantir segurança jurídica e coerência ao sistema.
O papel do Congresso
O Congresso Nacional tem um papel fundamental para evitar distorções interpretativas sobre a legislação e suprir lacunas legais. Nesse sentido, surge o Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/2025, como instrumento para garantir a aplicação dos princípios supramencionados, pois altera a legislação para deixar claro que o IBS e a CBS não podem compor a base de cálculo de ICMS, ISS e IPI. Trata-se de uma medida preventiva, que evita distorções, reduz o contencioso tributário e preserva a neutralidade da reforma.
Ainda assim, no bojo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2021, que promove a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) — além do processo administrativo tributário deste imposto —, foram apresentadas as Emendas 58, 71 e 485, de autoria dos senadores Jaime Bagattoli (PL/RO), Laercio Oliveira (PP/SE) e Eduardo Girão (Novo/CE), respectivamente, que esclarecem que os novos tributos não devem compor a base de cálculo daqueles que serão extintos, reforçando a necessidade de um sistema tributário mais racional e transparente.
A Reforma Tributária nasceu para simplificar, reduzir litígios e tornar o sistema mais justo e cristalino. Permitir a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo de ICMS e ISS seria caminhar na direção oposta, recriando problemas que já custaram bilhões ao País — um retrocesso que recriaria velhos problemas e inauguraria uma nova “tese do século”.
É hora de garantir que o espírito da Reforma — simplicidade, neutralidade e redução de litígios — não seja desvirtuado, pois o empresariado precisa de clareza, estabilidade e coerência no novo sistema.
* Márcio Olívio Fernandes da Costa é vice-presidente da FecomercioSP e presidente do Conselho de Assuntos Tributários da FecomercioSP e do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (Codecon/SP).
* Halley Henares é advogado, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) e membro do Conselho Superior da FecomercioSP.