A globalização que se consolidou nas últimas décadas nunca foi fruto de um plano deliberado. Esse processo complexo emergiu gradualmente, resultado de uma série de decisões econômicas que, somadas, moldaram um sistema produtivo praticamente integrado em escala mundial. No início dos anos 2000, parecia a fórmula definitiva do crescimento: o Comércio se expandia, as cadeias produtivas se espalhavam e a tecnologia circulava livremente. Em tese, quem aderiu a esse modelo prosperou.
Os números impressionam. Entre 1990 e 2020, o comércio global avançou mais de 300%. Mas a relevância dessa história vai além da magnitude. O verdadeiro salto foi qualitativo. Empresas passaram a produzir bens com componentes provenientes de diferentes países, em nome da eficiência e da redução de custos. Para muitas economias em desenvolvimento, foi a oportunidade de acelerar essa expansão e reduzir a distância em comparação com a nações mais ricas.
Hoje, no entanto, o cenário mudou, e de forma acelerada. Tensões geopolíticas — como a rivalidade entre Estados Unidos e China, a guerra na Ucrânia e as disputas no Indo-Pacífico — reacenderam a preocupação com a segurança estratégica. Governos e corporações reposicionaram prioridades. A eficiência deu lugar à resiliência. Conceitos como reshoring e nearshoring ganharam força, estimulando o retorno das fábricas aos países de origem ou a regiões próximas. É uma lógica compreensível, mas de custo elevado, pois a produção tende a se tornar mais cara e menos flexível.
De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma fragmentação mais intensa do Comércio pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) mundial em até 7% ao longo do tempo. E, como ocorre em quase todas as crises, os maiores prejudicados serão os países mais vulneráveis. As economias emergentes, que dependem da integração global para exportar e incorporar novas tecnologias, podem ver suas perspectivas de desenvolvimento comprometidas. Além disso, o ambiente de incerteza afeta diretamente investimentos em Infraestrutura, Educação e Ciência — pilares essenciais de um crescimento sustentável no longo prazo.
Há também um risco menos visível, mas igualmente preocupante: a desaceleração da convergência tecnológica. A globalização permitiu que economias periféricas encurtassem caminhos, importando conhecimento e inovação. Se esse fluxo enfraquecer, acompanhar transformações estruturais — como a digitalização e a transição energética — será um problema ainda maior.
No fim das contas, a equação é simples. Ao priorizar segurança em detrimento da eficiência, o custo, inevitavelmente, aparece. Tudo encarece e países passam a produzir internamente o que antes adquiriam de fornecedores mais competitivos. É um processo oneroso, que exige forte apoio estatal e pressiona as já delicadas contas públicas de muitas nações. A médio e longo prazos, o ajuste será árduo e poderá comprometer desde investimentos produtivos até programas sociais.
O desafio, portanto, vai além da economia; trata-se de uma questão política e estratégica. Como reorganizar esse sistema sem desmontar os avanços conquistados nas últimas décadas? A resposta exigirá aprendizado coletivo, e as decisões tomadas agora definirão o ritmo do desenvolvimento nas próximas gerações.