Durante décadas, o Excel foi o principal aliado dos departamentos contábil, financeiro e patrimonial. Versátil, intuitiva e de fácil acesso, a ferramenta consolidou-se como um suporte essencial na rotina corporativa. Entretanto, quando o assunto é gestão do ativo imobilizado, o uso contínuo de planilhas — ainda que pareça uma solução econômica — pode gerar frustrações significativas e riscos graves à confiabilidade das informações contábeis.
É comum que gestores e contadores optem por essa estratégia para evitar investimentos em softwares especializados. No início, o controle parece funcional: as fórmulas estão corretas, os relatórios são atualizados, e a empresa mantém um acompanhamento básico do patrimônio. Mas, com o passar dos meses e o aumento da complexidade das operações — aquisições, baixas, transferências e cálculos de depreciação —, o modelo manual começa a se deteriorar.
Quando o controle em planilhas se torna um risco
A gestão patrimonial requer rastreabilidade, histórico de movimentações e precisão técnica. Em planilhas, cada atualização depende de intervenção manual, o que aumenta exponencialmente a chance de erro humano. Fórmulas incorretas, abas duplicadas, versões desatualizadas e falta de padronização entre departamentos são falhas recorrentes que comprometem a integridade dos dados.
O resultado é um controle vulnerável: ativos lançados incorretamente, depreciações calculadas de forma inconsistente e ausência de histórico confiável. Quando chega o momento de auditar as informações, as divergências entre o controle físico e o contábil se tornam evidentes.
Nesse contexto, muitos profissionais acabam enfrentando situações de constrangimento diante de auditorias internas, externas ou fiscais, especialmente ao tentar justificar números inconsistentes.
Auditorias, governança e a importância da rastreabilidade
A governança patrimonial exige não apenas controle, mas também transparência e documentação rastreável. Em auditorias — especialmente as conduzidas por firmas independentes ou pela Receita Federal —, a incapacidade de comprovar a integridade dos dados pode gerar ressalvas, notificações e até contingências fiscais.
Como ressalta o professor Eliseu Martins, uma das maiores autoridades da contabilidade brasileira e referência na elaboração dos CPCs, “a informação contábil deve ser útil, íntegra e tempestiva para servir à tomada de decisão”. Quando se mantém o controle do ativo imobilizado em planilhas, esses princípios são colocados em risco.
O também renomado professor Sérgio de Iudícibus, coautor de Teoria da Contabilidade e Contabilidade Introdutória, reforça que a contabilidade moderna é tão confiável quanto as ferramentas que a sustentam. Ou seja, não basta conhecimento técnico — é necessário dispor de sistemas adequados, seguros e auditáveis.
As normas técnicas e o papel da tecnologia
As normas CPC 27 (Ativo Imobilizado) e CPC 01 (Redução ao Valor Recuperável de Ativos), assim como as diretrizes da ABNT NBR 14653 e do IBAPE, exigem que os controles patrimoniais mantenham histórico de movimentações, vida útil, valor residual, depreciação acumulada e eventuais reavaliações.
Esses requisitos ultrapassam a capacidade operacional de uma planilha. O controle adequado requer plataformas tecnológicas específicas, capazes de realizar cálculos automáticos, registrar históricos e integrar-se à contabilidade em tempo real.
Nos últimos anos, o mercado evoluiu e passou a oferecer soluções de gestão patrimonial (Asset Management Software) com excelente custo-benefício, voltadas tanto para grandes corporações quanto para pequenas e médias empresas.
Softwares de gestão patrimonial: o novo padrão de confiabilidade
Atualmente, existem diversas plataformas especializadas no controle e na gestão do ativo imobilizado, desenvolvidas para atender às exigências fiscais, contábeis e gerenciais. Entre elas, destacam-se IBM Maximo Asset Management, SISPRO Patrimonial, Oracle Enterprise Asset Management, Versuri Patrimonial e soluções nacionais consolidadas que aplicam inteligência artificial e relatórios técnicos validados por auditorias externas.
Essas ferramentas automatizam processos, permitem auditoria de alterações, mantêm registros históricos, e possibilitam integração com os módulos contábeis e fiscais. Além disso, os relatórios técnicos extraídos desses sistemas seguem padrões que atendem às Big Four e órgãos reguladores.
A boa notícia é que muitas dessas plataformas oferecem modelos SaaS (Software as a Service) com adesão gratuita, sem multas por rescisão e valores acessíveis para empresas de qualquer porte. O modelo em nuvem (cloud computing) elimina custos de infraestrutura, garante atualização automática e permite acesso simultâneo por diversos usuários com diferentes níveis de permissão.
Ou seja, a barreira de investimento, que antes justificava o uso do Excel, não é mais plausível. Hoje, é possível ter controle, conformidade e rastreabilidade sem comprometer o orçamento.
O mito da economia com o Excel
A falsa sensação de economia é um dos grandes equívocos de gestores e diretores financeiros. Um controle patrimonial inconsistente pode gerar ressalvas de auditoria, ajustes contábeis significativos e notificações fiscais. O retrabalho e a perda de credibilidade costumam custar muito mais caro do que o investimento em uma solução adequada desde o início.
Além disso, a ausência de rastreabilidade afeta diretamente a governança corporativa, dificultando avaliações patrimoniais, reavaliações e processos de due diligence em casos de fusões ou aquisições.
Como lembra Eliseu Martins, “a informação contábil é o sangue que circula na empresa; se estiver contaminada, todo o corpo organizacional adoece”. O controle manual — ainda que tecnicamente bem-intencionado — é, portanto, uma fragilidade estrutural.
O novo papel do contador: da execução à análise estratégica
Com o avanço das tecnologias contábeis, o papel do contador e do gestor patrimonial deixa de ser operacional e passa a ser estratégico. As tarefas repetitivas e suscetíveis a erro humano são automatizadas, abrindo espaço para análises gerenciais mais profundas, planejamento tributário e estudos de depreciação e reavaliação.
Esse movimento é parte da transformação digital da contabilidade, que valoriza o profissional que interpreta dados e propõe soluções — não aquele que apenas os lança em planilhas.
Conclusão: Excel é um ponto de partida, não um destino
O Excel continua sendo uma ferramenta poderosa para análises pontuais e apoio à tomada de decisão. Mas transformá-lo em um sistema permanente de gestão patrimonial é insistir em um modelo vulnerável e ultrapassado.
As planilhas podem ser úteis por dois ou três meses, especialmente na fase inicial de levantamento dos ativos. Passado esse período, a continuidade da gestão deve migrar para uma plataforma tecnológica segura, escalável e em conformidade com as normas contábeis e fiscais.
A maturidade contábil e patrimonial não é alcançada pela complexidade das planilhas, mas pela confiabilidade das informações. Em tempos de auditorias rigorosas e transformação digital, a tecnologia deixou de ser um diferencial — é uma exigência.
Referências
- MARTINS, Eliseu; IUDÍCIBUS, Sérgio de. Contabilidade Introdutória. Atlas, 2022.
- CPC 27 – Ativo Imobilizado. Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2010.
- CPC 01 – Redução ao Valor Recuperável de Ativos. CPC, 2010.
- ABNT NBR 14653 – Avaliação de Bens.
- IBAPE – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia.
- Portais e soluções: IBM Maximo, Oracle EAM, SISPRO Patrimonial, Versuri Patrimonial, AXS Consultoria Empresarial.