Recente decisão judicial, proferida pelo juiz federal Maycon Michelon Zanin do Tribuna Regional da 3ª Região em São Paulo, no processo 5002118-33.2023.4.03.6305, trouxe à tona a discussão sobre o polêmico Decreto nº 12.534/2025 publicado em junho de 2025.
A decisão judicial afirmou que referido decreto extrapola o poder regulamentar ao modificar o critério de cálculo da renda familiar e incluir o Bolsa Família como componente da base de aferição para o BPC.
O magistrado destacou que a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) não autoriza a inclusão de benefícios assistenciais no cálculo da renda familiar, e citou doutrina jurídica tradicional, segundo a qual decretos não podem inovar no ordenamento jurídico restringindo direitos fundamentais.
A decisão ainda invocou precedentes do STF, com o Tema 312 que declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, determinando que benefícios de valor mínimo não devem ser computados na renda familiar.
E ainda do STJ, o Tema 640 que consolidou entendimento de que benefícios pessoais de até um salário-mínimo devem ser excluídos do cálculo da renda familiar, por sua natureza personalíssima.
O juiz concluiu que a norma sancionada pelo Pode Executivo representa retrocesso social e viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da vedação ao retrocesso e do mínimo existencial.
O decreto, instrumento legal de natureza secundária, deve apenas viabilizar a execução da lei, jamais criar restrições materiais a direitos sociais.
Ao revogar o dispositivo que excluía o Bolsa Família do cálculo da renda familiar, o Decreto nº 12.534/2025 em verdade teria criado uma limitação ao direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), o que configura inovação normativa sem respaldo legal. Trata-se de caso típico de excesso regulamentar, em que o Poder Executivo se vale de decreto para alterar a substância da lei.
O ponto que nos parece curioso é que a decisão do Poder Judiciário realça a contradição interna do sistema assistencial nacional, na medida em que se pretende validar medidas sociais, e ao mesmo tempo se edita medidas para restringir seu acesso.
A decisão judicial enfatiza que o Bolsa Família visa complementar a renda de famílias em situação de pobreza extrema, enquanto o BPC ((Benefício de Prestação Continuada) tem natureza de substituição de renda para pessoas sem condições de autossustento.
De tal modo, ao computar o Bolsa Família como renda se estaria negando o caráter protetivo do Estado Social, criando o paradoxo de utilizar um benefício destinado ao combate à miséria para justificar a negativa de outro benefício assistencial.
O que contraria diretamente o art. 6º da Constituição Federal, que reconhece a assistência social como direito social fundamental, e o art. 203, V, que impõe ao Estado o dever de garantir amparo às pessoas com deficiência e aos idosos que não possuam meios de prover a própria subsistência.
De tal modo, o decreto 12.534/2025 sob o aspecto institucional e administrativo, se encontra gerando insegurança jurídica e caos operacional ao próprio Estado, na medida em que a autarquia previdenciária (INSS) que passou a aplicar a regra trazida no decreto, vê a norma ser contestada nos tribunais, gerando contencioso que além aumentar o custo ao Estado ante as despesas processuais, ainda causa atrasos na concessão de benefícios.
O ruído organizacional do Estado brasileiro segue clamando atenção harmônica para execução das missões institucionais.