Saí do primeiro dia do Festival Iguassu Inova com uma pulga atrás da orelha. Numa oficina de Landing Page comandada pelo Moisés Silva (Frame Business), o papo descambou para Custo de Aquisição de Cliente. E aí eu, contador em formação (2º ano na Unioeste) e cabeça prática, pensei: estamos medindo isso do jeito errado. Muita empresa segue a receita preguiçosa: somar a despesa de marketing do mês e dividir pelo número de vendas do mês. Pronto, CAC. Não. Isso mede despesa por venda. CAC de verdade pede competência, coortes e rateios coerentes do funil. Vou explicar do jeito que eu costumo escrever: direto, com os pés no chão, e conectando contabilidade gerencial com o dia a dia de marketing.
A primeira distinção é básica, mas vive esquecida. Fiscalmente, marketing é despesa: vai para resultado quando incorrido e ponto final. Não é custo, não entra no CPV, não vira ativo. E está certo assim: eu não troco dinheiro por minério de ferro, máquina ou estoque; eu reconheço um gasto para sustentar a operação. Agora, gerencialmente, se o objetivo é decidir quanto investir para adquirir clientes, dá—e deve—tratar marketing como gasto de aquisição a ser atribuído a coortes de clientes e linhas de produto. Aqui nasce um CAC gerencial, sem bagunçar as demonstrações oficiais.
No funil simples (um produto só), dá para organizar o mínimo decente: Topo, Meio e Fundo viram três centros de custo. Em cada período, eu registro o que gastei em cada etapa (mídia, fee de agência, ferramentas, horas de time, comissão do vendedor que fecha a primeira compra, etc.). Esses gastos formam um “marketing a apropriar” que eu atribuo por competência às coortes de novos clientes que efetivamente converterem naquele horizonte de tempo. Se os meus leads levam, em média, oito semanas entre o primeiro contato e a compra, não faz sentido jogar toda a despesa de hoje nas vendas de hoje. Coorte é o antídoto: gasto da coorte, cliente da coorte, CAC da coorte.
Quando saímos do funil de produto único e encaramos um funil multi-produto, a complexidade aumenta — e a necessidade de método também.
O Topo de funil costuma ser amplo e compartilhado (marca, conteúdo, awareness). Já o Meio e o Fundo tendem a ramificar por produto (propostas, POCs, trials, calls específicas). Se eu despejo todo o Topo no produto que mais vendeu no mês, distorço o CAC dos outros; se eu reparto “no chute”, fabrico dado que engana. A saída clássica de controladoria é definir drivers de rateio objetivos para levar o gasto do Topo até cada linha de produto: participação de MQL por produto, cliques qualificados por oferta, tempo de pré-venda do time, ou outra métrica rastreável. Assim, o CAC do Produto A recebe a sua fração do Topo mais o que foi gasto especificamente em Meio/Fundo do A, e divide isso pelos novos clientes do A na coorte. Mesmo raciocínio para B e C.
Tem outra pedra no sapato: recompra. Muita gente “alisa” o CAC diluindo o gasto inicial pela receita de recompra. Errado. CAC é para aquisição do cliente na primeira compra. O que vem depois entra no LTV. A conversa que presta é olhar Payback (em quantos meses a margem cobre o CAC) e LTV/CAC (eu trabalho com mínimo conservador de 3). Se o payback estoura e o LTV/CAC murcha, não é criativo no Instagram que resolve — é disciplina na aquisição e no preço.
O ponto que me incomoda de verdade está em competência. A linha do tempo entre o primeiro toque e a venda não é cosmética; ela define quando eu reconheço o CAC daquela coorte. Sem isso, o dashboard vira novela: num mês, CAC “milagrosamente” cai; no outro, explode. Não é milagre; é descasamento temporal. Se você não tem tracking fino, tudo bem: assuma uma janela conservadora (por exemplo, 60 dias) e documente uma regra provisória de atribuição (40% Topo, 40% Meio, 20% Fundo). Melhor um critério simples e estável do que planilha que ninguém consegue repetir.
Repare como a imagem da linha do tempo força uma pergunta que é de contador, não de marqueteiro: em que semana eu reconheço o gasto daquela coorte como CAC? Quando a coorte converte. É a forma honesta de ligar o que foi investido ao ativo econômico “cliente” que nasceu dali. É contabilidade gerencial pura: não estou capitalizando marketing no balanço; estou fazendo apropriação por competência para decisão — inclusive para comparar canais e produtos com base em dado que fecha.
Sei que tem quem torça o nariz para “trazer contabilidade” para dentro do marketing. Eu faço o movimento contrário: levo método do marketing para a contabilidade gerencial, porque é ali que a empresa toma as decisões. O fiscal fica limpo (despesa no resultado, sem invencionice). O gerencial ganha músculo: centros de custo por etapa, coortes por período, drivers de rateio transparentes, payback, LTV/CAC. E, por favor, nada de confundir: “despesa do mês ÷ vendas do mês” não é CAC; é atalho que engana o gestor.
Para fechar na minha linha de raciocínio — a mesma que uso quando escrevo sobre débito e crédito ou sobre compra de mercadorias como troca de ativos — governança é ter regra clara e repetível. Defina o que entra no CAC (mídia, fees, ferramentas, parte do time de vendas que fecha a primeira compra), como ratear o Topo entre produtos, qual a janela de competência, qual modelo de atribuição (comece com first ou last touch, evolua quando der). Publique isso internamente. Revise trimestralmente. A partir daí, dá para discutir corte de canal, aumento de budget, preço e prazo com menos “achismo” e mais conta.
Se você é contador, seu papel aqui é óbvio: garantir competência e apropriação. Se é analista de marketing, o ganho é direto: comparabilidade e previsibilidade. Se é empresário, dinheiro no lugar certo. Se é estudante, entenda que CAC bom é CAC explicável.
PS: A fórmula “despesa do mês ÷ vendas do mês = CAC” não veio da apresentação do Moisés Silva (Frame Business). A talk dele foi sobre Landing Page e foi excelente. Esse “CAC simplório” é algo que ouço por aí, em conversas informais com “marketeiros de esquina”, e é justamente o ponto que estou criticando aqui.